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O novo processo administrativo sancionador do BCB e da CVM - MP 784/17 - (Um samba bem doido) - Parte IV

Neste quarto artigo sobre o tema acima, examinaremos as penalidades aplicáveis às infrações estabelecidas pela MP 784/17.

segunda-feira, 7 de agosto de 2017

Atualizado em 4 de agosto de 2017 07:28

AS PENALIDADES APLICÁVEIS (ARTS. 5º A 11)

Neste quarto artigo sobre o tema acima, examinaremos as penalidades aplicáveis às infrações estabelecidas pela MP 784/17.

Desde logo se aponte a ressalva constante do art. 11 da MP 784/17, no sentido de que as penalidades nela previstas não se aplicam às infrações de que trata a lei 9.613/98, a qual cuida dos crimes de lavagem e/ou ocultação de dinheiro e bens. Trata-se de dois universos penais e administrativos diferentes entre si. Passemos a fazer o seu exame.

De acordo com o art. 5º, o BCB poderá impor às pessoas mencionadas no art. 2º as seguintes penalidades, de forma isolada ou cumulativa:

I - admoestação pública;

II - multa;

III - proibição de praticar determinadas atividades ou prestar determinados serviços para as instituições mencionadas no caput do art. 2º;

IV - inabilitação para atuar como administrador e para exercer cargo em órgão previsto em estatuto ou em contrato social de pessoa mencionada no caput do art. 2º; e

V - cassação de autorização para funcionamento.

Adianta-se desde já que competirá ao BCB disciplinar essas penalidades, bem como as medidas coercitivas, os meios alternativos de solução de conflitos e o processo administrativo sancionador (que serão examinados abaixo), na forma do art. 38 da MP 784/17, devendo dispor sobre:

I - a gradação das penalidades de multa, de proibição de praticar determinadas atividades ou serviços e de inabilitação para atuar como administrador ou para exercer cargo em órgão previsto no estatuto ou no contrato social de pessoa mencionada no caput do art. 2º;

II - a multa cominatória e os critérios a serem considerados para a definição de seu valor, tendo em vista os seus objetivos;

III - o cabimento, o tempo e o modo de celebração do termo de compromisso e do acordo de leniência, e, no caso deste último instrumento, sobre os critérios para declarar a extinção da ação punitiva administrativa e para a aplicação da redução da penalidade; e

IV - o rito e os prazos do processo administrativo sancionador no âmbito do Banco Central do Brasil.

Observemos inicialmente que a função do BCB em disciplinar as penalidades, as medidas coercitivas e os meios alternativos, tal como se encontra na norma em questão apresenta dois parâmetros. O primeiro é relativo a um poder regulamentar dentro dos limites estabelecidos, não se permitindo, evidentemente, inovar na matéria, na aplicação do princípio da reserva legal. Reserva legal essa, a propósito, contestada no âmbito de uma medida provisória, tal como foi afirmado nos textos anteriores.

A pena de admoestação pública é uma novidade em nosso direito administrativo, tendo tomado o lugar da antiga advertência, caracterizada por permanecer no ambiente interno da instituição financeira apenada. A nova penalidade, como se verifica, será dada ao conhecimento do mercado.

Nos termos do art. 6º, a penalidade de admoestação pública consistirá na publicação de texto especificado na decisão condenatória, na forma e nas condições estabelecidas na regulamentação.

O texto a ser publicado conterá, no mínimo, o nome do apenado, a conduta ilícita praticada e a sanção imposta. A notícia sobre a imposição da pena de admoestação e o texto especificado na decisão condenatória serão publicados no sítio eletrônico do BCB, sem prejuízo de outras formas de publicação previstas na regulamentação. O BCB poderá estabelecer que a publicação a que se refere o caput seja realizada às expensas do infrator, o qual ficará sujeito à multa prevista no art. 20, em caso de descumprimento.

No caso dessa pena colocam-se, eventualmente, dois interesses em jogo: (I) o do mercado, em tomar conhecimento da prática de determinada conduta ilícita, praticada pela instituição financeira e/ou administrador apenados; e (II) o da integridade da própria instituição financeira em um primeiro momento e a do mercado como um todo, em segundo lugar.

Se a conduta ilícita for de natureza muito grave, e até mesmo reiterada na instituição financeira, o seu conhecimento pelo mercado poderá causar uma corrida para saque de depósitos e resgate antecipado de obrigações daquela. Isto poderá causar prejuízo para a própria instituição financeira, para os clientes que liquidaram suas operações com perdas e para o mercado em geral, segundo o funcionamento do conhecido jogo do dominó.

Dessa forma, a aplicação da penalidade em questão deverá resultar de um ponderado exame a ser feito previamente pelo BCB. Neste sentido, diferentemente da direção tomada pela MP 784/17, a pena de advertência deveria ter sido mantida, como momento inicial do agravamento das penalidades aplicáveis a uma instituição financeira renitente em descumprir as normas relativas à sua atividade, que seria seguida das outras previstas na lei, começando pela multa.

No tocante à penalidade de multa não excederá o maior dos valores estabelecidos na lei:

I - 0,5% (cinco décimos por cento) da receita de serviços e de produtos financeiros apurada no ano anterior ao da consumação da infração, ou, no caso de ilícito continuado, da consumação da última infração; ou

II - R$2.000.000.000,00 (dois bilhões de reais).

Conforme se verifica, a MP 784/17 aumentou de forma sensível o limite máximo anteriormente vigente na aplicação da penalidade de multa. Mas a sua fixação deverá ser o resultado de uma ponderação a ser feita pelo BCB no sentido de que ela seja inicialmente eficaz, mas que, sob outro aspecto, não acarrete uma perda patrimonial muito sensível para a instituição financeira que a recebeu, de forma a haver prejuízo significativo para a sua atividade e, consequentemente, até mesmo a sua sobrevivência.

No sentido acima, dois bilhões de reais não serão nada para as maiores instituições financeiras do nosso mercado, enquanto acarretarão a quebra de outras menores.

Esclarece a norma que a receita de serviços e de produtos financeiros mencionada no inciso I do caput do art. 6º será calculada mediante a agregação de:

I - rendas de operações de crédito;

II - rendas de arrendamento mercantil, que serão abatidas dos lucros na alienação de bens arrendados, da depreciação de bens arrendados e dos ajustes por insuficiência ou superveniência de depreciação de bens arrendados;

III - rendas de operações de câmbio, que serão abatidas das despesas de operações de câmbio;

IV - rendas com títulos e valores mobiliários e instrumentos financeiros derivativos, que serão abatidas dos lucros com títulos de renda fixa e de renda variável e das rendas com operações com derivativos;

V - rendas de prestação de serviços; e

VI - outras receitas operacionais, que serão abatidas dos lucros em operações de venda ou de transferência de ativos financeiros, da recuperação de créditos baixados como prejuízo, da recuperação de encargos e despesas, da reversão de provisões operacionais e dos ajustes positivos ao valor de mercado sobre títulos e valores mobiliários e instrumentos financeiros derivativos.

Caberá ao BCB editar norma complementar que identifique as contas contábeis que comporão a receita de serviços e de produtos financeiros mencionada no inciso I do caput do art. 6º.

As multas em questão aplicadas serão pagas mediante recolhimento ao BCB, no prazo de trinta dias, contado da data da intimação para pagamento.

Segue-se a pena de praticar determinadas atividades ou de prestar determinados serviços.

Essa penalidade, tanto quanto a de inabilitação e de cassação da autorização para funcionamento de instituições financeiras é reservada para a prática de infrações consideradas como de natureza grave. No entanto a lei foi omissa quanto à fixação de um critério genérico que permita classificar as infrações como graves ou não. Verifica-se na prática que o CMN ou o BCB, no exercício do seu poder regulamentar, ao expedirem determinadas normas (resoluções ou circulares) por meio das quais proíbem certas condutas, frequentemente estabelecem que as infrações ao seu dispositivo sejam consideradas como graves.

Por outro lado também no plano das infrações correspondentes aos incisos III e IV do art. 5º (a proibição da realização de certas atividades ou serviços e a inabilitação), o prazo máximo para as penalidades correspondentes é de vinte anos. Na prática trata-se de uma pena de natureza perpétua porque uma pessoa afastada durante tanto tempo do mercado, terá ficado completamente defasado como um profissional competente para o fim de seu eventual retorno quanto ao exercício de cargos de administrador de instituições financeiras, por exemplo. A não ser que durante todo esse período haja exercido alguma função técnica na área.

Da mesma forma como foi dito em relação à fixação da multa, a aplicação dessa penalidade deve ser feita com o devido cuidado, de maneira a que sua aplicação não estrangule a atividade operacional da instituição financeira, levando-a a uma indesejada quebra.

O BCB, configurada quaisquer das hipóteses previstas no § 3º do art. 9º, notificará, no prazo de até cinco dias, a instituição mencionada no caput do art. 2º em que o inabilitado atue como administrador ou como membro de órgão previsto no estatuto ou no contrato social, para que cumpra o disposto no § 3º, em razão da aplicação da penalidade de inabilitação.

O prazo de cumprimento da penalidade de inabilitação começará a contar da data em que o BCB receber comunicação de que houve o efetivo afastamento do cargo para cujo exercício fora autorizado, instruída com os documentos comprobatórios do fato. Isto ficará a cargo do inabilitado ou de cada instituição mencionada no caput do art. 2º, em que ele atuou como administrador ou exerceu cargo em órgão previsto no seu estatuto ou no seu contrato social. A instituição mencionada no caput do art. 2º, em que o apenado atue como administrador ou exerça cargo em órgão previsto no seu estatuto ou no seu contrato social deverá afastá-lo do cargo no prazo de sessenta dias, contado da data do recebimento da notificação de que trata o § 1º e deverá comunicar o fato ao BCB no prazo de cinco dias, contado da data do efetivo afastamento.

Decorridos os prazos mencionados no § 3º, sem que tenha sido recebida a comunicação a que se refere o § 2º, os apenados e as instituições omissas estarão sujeitos à multa prevista no art. 20, que pode chegar até R$100 mil.

O prazo de cumprimento da pena de inabilitação será automaticamente suspenso sempre que forem desrespeitados os termos da decisão que a aplicou, sem prejuízo da imposição das penalidades cabíveis.

Cuidando-se da penalidade de cassação de autorização para funcionamento, a instituição apenada permanecerá sob supervisão do BCB enquanto mantiver, em seu patrimônio, operações passivas privativas de instituição mencionada no caput do art. 2º, e aquela autarquia poderá determinar a adoção das medidas que entender necessárias para a retirada da instituição do SFN ou do Sistema de Pagamentos Brasileiro, cujo descumprimento ensejará a cominação da multa de que trata o art. 20.

A decisão condenatória de primeira instância que aplicar quaisquer das penalidades previstas no caput somente começará a produzir efeitos:

I - após esgotado o prazo para recurso estabelecido no caput do art. 29, sem que o recurso tenha sido interposto;

II - após esgotados os prazos regulamentares para apresentação do requerimento previsto no § 3º do art. 29 ou para interposição do recurso a que se refere o § 5º do art. 29, sem que tenha sido apresentado o requerimento ou interposto o recurso; e

III - após a intimação da decisão final do BCB que negar efeito suspensivo ao recurso.

Como se verifica, o BCB tem a prerrogativa de negar efeito suspensivo a recursos interpostos pelas instituições financeiras, o que somente deverá ser feito em situações particulares nas quais a não aplicação imediata da pena possa esvaziar o seu sentido e na dependência de uma fundamentação plenamente justificável da decisão daquele órgão.

Como forma de adequar a aplicação das penalidades estabelecidas pela MP 784/17, e na forma dos comentários acima feitos, o BCB deverá considerar os seguintes elementos, na medida em que possam ser determinados:

I - a gravidade e a duração da infração;

II - o grau de lesão, ou o perigo de lesão, ao SFN, ao SPB, à instituição ou a terceiros;

III - a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator;

IV - a capacidade econômica do infrator;

V - o valor da operação;

VI - a reincidência; e

VII - a colaboração do infrator com o BCB para a apuração da infração.

Conforme se verifica, as observações feitas acima sobre a higidez da instituição financeira e do mercado não foram consideradas como critérios de tempero das penas previstas na legislação comentada, mas que devem ser atendidos pela aplicação do princípio da discricionariedade que não pode ser confundido com arbitrariedade.
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*Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa é sócio do escritório Duclerc Verçosa Advogados Associados. Professor Sênior de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP.

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