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O voto deve continuar a ser obrigatório?

Talvez uma mudança de obrigatório para facultativo, no Brasil, acenderiam debates sobre o voto e sua alta importância para melhorar e alavancar a qualidade do pleito.

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Atualizado em 7 de agosto de 2017 09:45

"O eleitor que não se preocupa suficientemente com as eleições para ir dar o seu voto, é exatamente a pessoa que, se puder votar sem esse pequeno sacrifício, dar seu voto à primeira pessoa que pedir, ou o dar segundo os mais insignificantes ou os mais frívolos motivos." Stuart Mill

Teremos que analisar se a votação, que é o procedimento que tem lugar numa eleição para o povo escolher os seus representantes, deverá continuar a ser obrigatória ou alterada para voluntária.

O processo eleitoral mais antigo onde o voto não é obrigatório e ainda em ininterrupta atividade, é o conclave realizado pela Igreja Católica para eleição dos Papas, um ritual praticamente inalterado há oito séculos, desde que o Papa Gregório X o criou em 1274 e instituiu a base dos atuais conclaves.

O mais antigo exemplo de voto obrigatório foi, na Grécia antiga, a determinação de Solon que, "com o fito de prevenir os perigos da inação e indiferença, punia os cidadãos que em tempos de agitação não se declarassem abertamente por alguns partidos".1

Com a obrigatoriedade, deseja-se evitar o abstencionismo, que se considerava prejudicial à comunidade jurídica.2

O voto obrigatório foi e ainda é utilizado por regimes dos mais distintos matizes, democráticos ou autoritários, desenvolvidos ou não e pelos mais variados motivos - doutrinários, políticos ou mesmo pela inércia de princípios consagrados a longo tempo. Entre os países que o adotam ou já o adotaram em alguma ocasião estão, dentre outros, os seguintes: a) Na Europa: Áustria, Bélgica, Bulgária, Dinamarca, Espanha, Grécia, Holanda, Hungria, Itália, Liechtenstein, Luxemburgo, Suíça e República Tcheca; b) Nas Américas: Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, México, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Venezuela; c) África: Congo, Egito, Gabão, Republica Árabe Unida e Zaire; d) Na Ásia: República Democrática da Coréia e Singapura; e) Oceania: Austrália.

No Brasil, a Constituição Imperial de 1824 considerava que os representantes da soberania nacional eram o Imperador e a Assembleia Geral e que o sufrágio tinha função social. Era, entretanto, omissa quanto à obrigatoriedade do alistamento e do próprio voto, a lei de 1828, chamada Regimento das Câmaras Municipais do Império e que foi a lei orgânica dos municípios até 1891, estabelecia punição pecuniária aos eleitores que injustificadamente não cumprissem com o dever cívico de votar.

Destarte no tempo do Império a lei eleitoral previa então como delito passível de sanção pecuniária a abstenção não justificada, mesmo que o alistamento e o voto não constituíssem deveres constitucionais. A lei 387 de agosto de 1846, punia com multas pecuniárias os eleitores que não participassem da escolha dos juízes de paz e dos vereadores municipais, exceto se houvesse um impedimento legítimo devidamente comunicado às mesas eleitorais.

Em 1922, dizia Tavares de Lyra: "Sobre o voto, temos ensaiado todos os sistemas conhecidos, com exceção, apenas, do voto obrigatório, do voto proporcional e do voto das mulheres."

Mas ele se equivocava, pois, as multas, como vimos anteriormente, indicadas pela lei 387 de 1846, punia os votantes que se abstivessem de votar.

Em projeto de reforma eleitoral apresentado em 1873, o deputado João Corrêa de Oliveira, sugeria, entre outros itens, o voto obrigatório, mas "o projeto não foi aprovado."3

O voto obrigatório só entrou definitivamente no ordenamento jurídico brasileiro em 1932, quando foi criada a Justiça Eleitoral do Brasil e promulgado o primeiro Código Eleitoral, transformações necessárias para trazer mais credibilidade ao processo eleitoral e garantir que os eleitores comparecessem às eleições, afastando o medo de uma participação mínima, o que poderia tirar a legitimidade do processo eleitoral.

Foi na época do início da era Vargas, momentos antes de um golpe de estado marcado pelo autoritarismo político.

Mas, o princípio da obrigatoriedade do voto só foi introduzido na Constituição da República em 1934 com o "status quo" de dever jurídico constitucional. O art. 109 daquela carta determinava que: "são obrigatórios para os homens, e para as mulheres, quando estas exerçam função pública remunerada, sob as sanções e salvo as exceções que a lei determinar."

Desde então o voto obrigatório esteve presente em todas as constituições, com a exceção da Carta de 1937, que aboliu não só a obrigatoriedade do voto como as próprias eleições.

Depois do Estado Novo, as Constituições de 1946, 1967 e 1969, respectivamente em seus arts. 133, 142 §1º e 147 §1º, declaravam todas igualmente ser "o alistamento e o voto obrigatórios para os brasileiros de ambos os sexos, salvo as exceções previstas em lei".

Feita essa pequena digressão histórica vamos passar para a discussão principal relativa a questão se o voto deveria continuar a ser obrigatório?

A nossa Constituição atual de 1988, estabelece conforme o art. 14 §1º determina que "o alistamento eleitoral e o voto são:

I - obrigatório para maiores de 18 anos;

II - facultativos para:

a) os analfabetos;

b) os maiores de 70 anos;

c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos."

De acordo com o código eleitoral, em seu art. 7º, o eleitor que deixar de votar e não se justificar, até sessenta dias depois da eleição, deve pagar uma multa de 3 a 10% sobre o salário mínimo de sua região. Multa de igual montante se aplica ao brasileiro nato que não se alistar até os dezenove anos e aos naturalizados que não se alistarem até um ano depois de adquirida a nacionalidade brasileira.

A lei 7.444, de dezembro de 1985, estabelece que, sem prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que justificou devidamente, o eleitor não poderá, entre outras coisas, inscrever-se em concursos ou provas públicas nem ser empossado em qualquer cargo governamental; não pode receber qualquer tipo de vencimentos de nenhuma empresa ligada ao setor público; não pode participar de concorrências públicas ou administrativas de órgão algum nem obter empréstimo ou celebrar contratos em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo.

Também não poderá obter passaporte ou carteira de identidade, praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou do imposto de renda, renovar matrícula em estabelecimentos de ensino governamentais ou por ele subvencionados. Finalmente, será cancelada a inscrição do eleitor que não votar em três eleições consecutivas, não pagar multa ou não se justificar no prazo de seis meses, a contar da data da última eleição a que deveria ter comparecido.

Embora seja relativamente fácil justificar a ausência nas eleições, as retaliações para aqueles que não o fazem, são sérias, como também as multas muitas vezes não são cobradas pois, após muitos pleitos, apressa-se o Congresso em votar projeto de lei com o perdão aos faltosos, além do que o valor da multa é ínfimo.

Nossa Constituição atual além de estabelecer que o voto é obrigatório, também estabelece em seu art. 77 que "será considerado eleito presidente o candidato que, registrado por partido político, obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos".

O princípio da não validação dos votos em brancos e nulos vale também para as eleições estaduais, bem como a regra da maioria absoluta de votos traz algumas consequências relevantes ao nosso sistema eleitoral.

A existência simultânea destas três regras: obrigatoriedade, necessidade de maioria absoluta de votos (50%+1) e não validação dos votos brancos e nulos, num mesmo sistema eleitoral traz consequências relevantes.

Se os votos em branco e os votos nulos não são computados para cálculo da maioria absoluta, o candidato que lidera a eleição acaba sendo beneficiado: quanto maiores forem eles (os votos em branco e nulos), menor é número de votos necessários para que o líder alcance a maioria absoluta de votos (50%+1) do eleitorado.

Indiretamente, os votos brancos e nulos são dados para a maioria. Nessas condições, a legislação reserva aos eleitores papel de marionetes, obrigando-os a escolher entre candidatos por eles indesejáveis.

O eleitor é ludibriado dessa maneira, pois seu voto termina por favorecer determinado nome quando na verdade ele pretendia manifestar sua repulsa aos candidatos impostos.

Os votos em branco e nulos são uma forma dos eleitores manifestarem a sua rejeição aos candidatos postos.

A compulsoriedade do voto somente é legítima quando a legislação admite a possibilidade de emissão do voto em branco serem considerados válidos, fazendo-os pesar no cálculo que define a maioria, de tal forma que este não acabe beneficiando a alguém, à revelia do eleitor. Ainda que considere, votar, dever do eleitor, ninguém pode força-lo a exprimir uma opinião.

A obrigatoriedade só não constitui uma limitação à liberdade pessoal do eleitor se o voto em branco, porventura dado por ele, for considerado válido.

A conclusão que se chega é que não deve coexistir a obrigatoriedade do voto e a não computação dos votos brancos.

Como no Brasil, o voto é obrigatório e os votos em branco não são computados como votos válidos significa que a legislação não reconhece objeção de consciência política e que o eleitor que opta por se expressar dessa forma não faz mais do que um protesto platônico.

Assim a legislação deve escolher entre uma coisa ou outra, sendo incompatível a manutenção simultânea de ambas, situação na qual se interfere com a liberdade de consciência do votante; ou o voto em branco é computado no cálculo da maioria ou suprime-se a obrigação de votar. Além de não ser razoável obrigar alguém a comparecer ao pleito para registrar seu voto branco na urna eletrônica, para posteriormente não o considerar, a manutenção simultânea destes princípios constitui uma grave violação da liberdade de consciência do votante, uma vez que votando em branco, facilita-se a vitória do candidato mais votado.

Na verdade, o voto em branco, assim como os nulos são uma forma de abstenção que com a não obrigatoriedade do voto provavelmente diminuiria a sua incidência.

Por outro lado, observando-se o Brasil de mais de meio século atrás, se vê um quadro político e econômico totalmente diferente do atual.

Hodiernamente, mais de 80% da população vive em áreas urbanas, onde a massa política é mais atuante e a população é mais esclarecida devido à atuação da mídia e o amplo e fácil acesso à informação que temos hoje graças à globalização. Isso fez com que as classes econômicas mais baixas abandonassem o servilismo intelectual e passassem a defender mais suas próprias ideias e interesses.

Esse é o resultado global de um processo de desenvolvimento científico-tecnológico não só acontecido no Brasil.

Se o voto obrigatório foi um instrumento supostamente utilizado para que o cidadão se interessasse mais pela vida política, porque a "massa popular" não era preparada para o voto facultativo, hoje isso não é uma realidade, ainda mais pelo momento em que o Brasil está passando agora.

Com tantos casos de corrupção, a política brasileira nunca esteve tanto em evidência na mídia, não há quem não escute sobre política e não há quem não tenha uma mínima noção sobre o assunto.

A consequência disso pode vir a ser a maior conscientização da população: se o descontentamento em relação aos nossos políticos está tão grande, é mais provável que o eleitor queira votar na melhor opção na próxima eleição.

Porém, em razão de o Brasil ser um país muito grande, com mais de 140 milhões de eleitores, sempre existirá ainda um número de pessoas que não tem interesse em participar da vida política, mas será que a solução é fazê-las votar por obrigação?

É claro que os "eleitores compulsórios" têm chances reduzidas de votar num candidato sério e honesto, isso quando seus votos não são negociados, já que não possuem o menor interesse pela vida pública, estando mais propensos a serem atraídos por interesses periféricos aliados de interesses egoístas.

Em virtude da obrigatoriedade do voto, adentra subitamente no cenário político uma massa substancial de eleitores, que entre outras características:

a) tem reduzida motivação política;

b) tem reduzido conhecimento político;

c) são menos identificados com os partidos políticos;

d) são sempre mais indecisos que os demais; e

e) são mais propensos a darem o seu voto em troca da satisfação de interesses egoístas.

Por isso que o mais sensato, além de mais democrático, é dar ao cidadão o livre arbítrio para se autoavaliar e decidir se está apto ou não para exercer sua cidadania através do voto, além do que permitiria ao eleitor voluntário manifestar conscientemente o seu voto.

A obrigatoriedade do voto fere a liberdade individual que se reflete numa Constituição que garante o direito do próprio cidadão de livremente escolher se deseja votar ou não. Aliás, está na mídia uma propaganda do próprio TSE que tem o slogan: "Votar não é uma obrigação, é um direito."

Na verdade, o sufrágio é um direito público subjetivo, um direito inerente a condição de cidadão, que inclui tanto o poder de escolha dos representantes quanto a possibilidade de concorrer aos cargos públicos eletivos, assim sendo um direito não deveria ser obrigatório, devendo ser dado ao cidadão a possibilidade de exercê-lo ou não.

Ademais disso, não são todos os eleitores que vão para as urnas de toda forma. Na última eleição, cerca de 27% se abstiveram ou votaram nulo ou branco, apesar de que esses últimos votos não tenham sido computados como vimos acima.

Vê-se que a obrigatoriedade do voto é, portanto, a obrigatoriedade do comparecimento do eleitor à seção eleitoral, já que ele não fica obrigado a emanar sua vontade através de algum candidato. Essa alta porcentagem termina favorecendo os partidos majoritários e seus respectivos candidatos, o que nem sempre é melhor, tendo em vista a grande crise na qual o Brasil se encontra.

Assim, o voto facultativo é capaz de melhorar a qualidade do pleito eleitoral através da participação voluntária de eleitores conscientes e motivados pelas propostas originadas de partidos e candidatos, menos vulneráveis a fatores ligados ao clientelismo ou assistencialismo.

Talvez uma mudança de obrigatório para facultativo, no Brasil, acenderiam debates sobre o voto e sua alta importância para melhorar e alavancar a qualidade do pleito, além de que os partidos iriam procurar incentivar mais a população a exercer esse direito através de propagandas eleitorais educativas.

É possível que os eleitores (voluntários) que apareçam para votar sejam mais conscientes em relação à nossa política que tem sido tão banalizada em decorrência a existência de pessoas desacreditadas.

Nada é mais importante para um país do que um governo sério que o faça crescer em educação, em saúde, na economia, em segurança, e em tantas outras prestações de serviços para o povo.

Apesar de ainda haver tanta desigualdade social no Brasil, esse processo de democratização vem resultando numa população cada vez mais esclarecida e escolarizada.

Hoje os eleitores brasileiros escolhem os representantes para os principais postos de poder (presidente, senador, deputado federal, governador, deputado estadual, prefeito e vereador) e pouca gente duvida da legitimidade do processo eleitoral brasileiro. As fraudes eleitorais foram praticamente eliminadas. As urnas eletrônicas introduzidas em 1996 permitem que os eleitores digitem apenas o número do candidato ou partido escolhido e os resultados sejam proclamados poucas horas depois do pleito. As eleições são competitivas, com uma enorme oferta de candidatos e partidos. Hoje, o Brasil tem o terceiro maior eleitorado do mundo, só perdendo para a Índia e Estados Unidos da América.4

São eleitos para cargos pelo voto através de urnas eletrônicas5: um presidente, um vice-presidente, 513 deputados, 81 senadores, 27 governadores, 27 vice-governadores, 1.058 deputados estaduais, 5.559 prefeitos, 5.559 viceprefeitos e 60.277 vereadores. Num total de 73.101 cargos.

Temos o ambiente perfeito e a maturidade eleitoral para darmos o próximo passo que é transformar a obrigação de votar não mais obrigatória e sim voluntária.

E essa pode ser nossa solução: o poder de conhecimento que nos tem sido dado e abrange cada vez mais a todos. Nada é mais poderoso para um cidadão do que um voto voluntário motivado por interesses republicanos. Nada é mais democrático que a não obrigação de votar.

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1 Dicionário do Voto / Walter Costa Porto. -Brasília - Editora Universidade de Brasília : São Paulo : Imprensa Oficial do Estado, 2000, Voto Obrigatório, pág. 455, citando entre aspas: Lisboa, João Francisco Lisboa, Jornal de Timon, Eleições na Antiguidade, Brasília, Alhambra, s.d., p.18.

2 Idem item 1 supra.

3 Idem item 1 supra, citando entre as aspas: In: Pinto, Antônio Pereira, org. Reforma Eleitoral. Brasília: Urb. 1983, p. 367.

4 História do Voto / Jairo Nicolau, 2ª edição, Zahar, pág. 28.

5 Idem, pág. 40. GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 9. ed. rev. Atual e ampl. São Paulo: Atlas, 2013. 694 p. BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. 550 p. KAHN, Túlio. O Voto Obrigatório. Editora Conjuntura.

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*Antônio Mário Pinto é sócio do Albuquerque Pinto Advogados e presidente do IAP-Pernambuco.

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