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Transparência e tecnologia em prol da sociedade anônima

Ainda resiste na rotina das sociedades anônimas uma prática corrente, que precisa ser revista e reformada em lei. Trata-se do registro das assembleias gerais de acionistas em atas sumárias.

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Atualizado em 8 de agosto de 2017 13:58

O acesso à informação da maneira mais transparente possível é condição primordial para a constituição de uma sociedade verdadeiramente democrática. É impossível refutar a importância de legislações e mecanismos de transparência como ferramentas de combate à corrupção e para o avanço do controle social sobre os atos públicos que são de interesse de toda a sociedade.

Seja na gestão pública, seja no setor privado, favorecer o direito amplo a documentos e informações é o melhor caminho para que se possa atingir também níveis melhores de eficiência administrativa. A tecnologia pode ser uma aliada imprescindível para o alcance deste objetivo, uma vez que facilita a obtenção, o acesso e o armazenamento desses dados.

Na contramão dessa tendência, ainda resiste na rotina das sociedades anônimas uma prática corrente, que precisa ser revista e reformada em lei. Trata-se do registro das assembleias gerais de acionistas em atas sumárias, que consistem em descrições extremamente sintéticas dos temas abordados no conclave, dispensando a transcrição de esclarecimentos e informações que eventualmente tenham sido solicitados e prestados no curso da reunião.

Como o registro da ata na íntegra é praticamente inviável, devido à própria natureza das assembleias e à profusão de temas que podem ser debatidos em uma única reunião, a solução mais razoável para se obter um registro preciso seria justamente o uso da tecnologia. No entanto, embora a gravação e a filmagem das assembleias seja um expediente simples e possível, sua solicitação não é rotina e poderia, maliciosamente, ser indeferida, sob o falacioso argumento de que não há previsão legal para o procedimento - tese esta bastante refutável.

O grande problema é que, mais do que uma praxe obsoleta, o registro em ata sumária vem se constituindo como uma verdadeira estratégia de cerceamento do legítimo direito de fiscalização garantido aos acionistas pelo artigo 109, inciso III, da Lei das Sociedades Anônimas. Violação essa que prejudica sobretudo os acionistas minoritários.

A ata de assembleia geral, que deveria ser um instrumento de certeza jurídica, na medida em que foi concebida para registrar as deliberações e a vontade de todos, acaba muitas vezes por servir tão somente aos interesses de grupos determinados de acionistas. Ao omitir e até mesmo censurar pormenores muitas vezes relevantes das questões levantadas nos conclaves, o documento acaba transformando-se em ferramenta de abuso de direito.

Ademais, a perda de informações decorrente desse tipo de contexto leva à judicialização de um sem número de conflitos que poderiam ser resolvidos com maior transparência e celeridade. Atualmente, a falta de respaldo documental e técnico derivado de registros em atas sumárias acaba por emperrar a resolução de litígios societários, que se arrastam por anos, pressionando o já apertado gargalo do judiciário e levando à crescente demanda arbitral.

A gravação das assembleias, além de conferir maior transparência à gestão dos negócios sociais, proteger os acionistas de possíveis abusos cometidos por controladores e assegurar que os administradores cumpram seus deveres em relação aos acionistas, pode também prestar um enorme favor à evolução da governança das companhias.

Fazendo um paralelo com a célebre sentença de Peter Drucker, considerado o pai da administração moderna, ao afirmar que "se você não pode medir, não pode gerenciar", pode-se depreender que se você não documentar, não poderá cobrar. Desta forma, vê-se que o registro fidedigno da assembleia é fundamental para que, diante de situações conflituosas que possam surgir no futuro, sejam identificados os responsáveis pela tomada de decisões que afetam o conjunto.

A instituição da gravação das assembleias gerais pode ser feita a partir da proposição de uma modificação da Lei Societária, a lei 6.404, de 15 de dezembro de 1976, prevendo expressamente sua obrigatoriedade. A fim de evitar qualquer tipo de arbitrariedade no procedimento, pode-se recomendar ainda que a própria companhia efetue a gravação do conclave e, posteriormente, a disponibilize aos acionistas.

O casamento entre tecnologia e transparência, que tantos ganhos tem oferecido à humanidade, pode contribuir também para que o direito societário seja aplicado de forma inequívoca, evitando desmandos administrativos e conferindo mais qualidade à gestão das companhias.

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*Eduardo Benetti é advogado e sócio do escritório BGR Advogados. Especialista em Direito Societário, possui experiência em processos dedue diligence, negociações complexas, elaboração de documentos societários e contratuais, bem como em disputas societárias.

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