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Um abraço ao pai, Eudes Quintino

Um abraço ao pai

É dia em que o filho procura pelo pai, se ainda o tiver, com o coração contrito e a alma em festa, querendo abraçá-lo e dizer a ele muitas coisas que agitam seu coração.

domingo, 13 de agosto de 2017

Atualizado em 11 de agosto de 2017 14:36

A data pode até não ser considerada tão concorrida como o dia das mães, mas compreende também um profundo significado de respeito e gratidão. É dia em que o filho procura pelo pai, se ainda o tiver, com o coração contrito e a alma em festa, querendo abraçá-lo e dizer a ele muitas coisas que agitam seu coração. Mas nem sempre consegue vencer as barreiras e declará-las pessoalmente. Como a tecnologia se tornou também uma aliada dos sentimentos humanos, pode pensar até enviar um e-mail, um WhatsApp, uma mensagem, ou seja lá qualquer um dos tantos recursos existentes na internet para desejar ao pai, presente ou não, sem cor, de qualquer gênero, rico ou pobre, sábio ou néscio, ainda jovem ou maduro, um dia feliz, com seu abraço e sua admiração.

Mas é possível que se sinta na vala comum, nada criativo e um repetidor de mensagens. Aconselho-o, então, a considerar a receita de Neruda quando dizia que escrever é uma alternativa válida e muito fácil: você começa com a letra maiúscula, respeita os espaços, no meio coloca as ideias e termina com um ponto final. Tal proposta, com certeza, fará com que abandone seu espaço virtual, despojado de conceitos e preconceitos e enverede pelas linhas retilíneas de uma folha. Não se preocupe em demonstrar uma eloquência torrencial, que não é necessária nesta tarefa e sim procure agir com transparência para deixar fluir os mais puros sentimentos. Só para dizer e registrar algumas coisas que se encontram alojadas no seu mais íntimo recôndito e fogem quando se fala pessoalmente. Se não o tem mais, faça sua prece bem lá no fundo do coração e em segredo, que certamente será ouvida e reverterá em bênçãos para você.

Assim, não querendo minimizar todo o clima que acompanha a saudade e nem reprisar fatos já envelhecidos, mas devidamente guardados no arquivo da vida, como o vento está soprando favorável, pegue carona com as ventoinhas e abra as velas da gratidão para navegar mar adentro com seu pai. E qual não será sua surpresa que, ao descerrar as comportas da infância, encontrará com ele ao seu lado, verdadeiro paladino, com poderes quase divino, seu parceiro, que divide o corpo e alma por inteiro, com liberdade de vasculhar os segredos do seu coração e que agora, quase como uma criança, deita no chão e brinca com você provocando as mais deliciosas gargalhadas.

Você encontrará, também, aquele homem um tanto quanto desajeitado para lidar com criança, ao contrário da mãe, já afeita antes mesmo do nascimento, mas que tenta da melhor forma encontrar afagos e afetos que possam superar sua inexperiência. E não é que, de tanto insistir, à sua maneira, consegue ser agradável e transmitir a confiança necessária ao estender a mão para você vencer o percurso de uma vida.

Você irá perceber, com o passar do tempo, certo que a vida tem suas regras imprevisíveis e pode mesmo até ser comparada a uma peça de teatro, algumas vezes pendendo para o drama, outras para a comédia outras ainda para o musical, onde cabe a cada um recitar o seu texto. E o mais interessante é que, quando você era criança assistia-o como ator principal e agora, como adulto, está no seu lugar e ele na plateia, na fila do gargarejo, sentindo já as primeiras fissuras da vida. Sabe que não é para avaliar seu desempenho e sim para torcer e aplaudir fazendo ver que sua interpretação é impecável.

Então, seguindo firmemente seu propósito, você deve ler tudo aquilo que caprichosamente escreveu e agradecê-lo com um afetuoso abraço. Coloque em seu espírito a intensidade adequada para homenagear seu pai, isto se puder calibrar a dosagem de afeto que deseja manifestar. Quebre os paradigmas e protocolos e neste momento de efervescência espiritual, entre na mais perfeita harmonia, entoe a mais significativa melodia e recite a mais bela poesia. Terá, assim, um dia para recordar eternamente.

Não se esqueça, como adverte García Márquez, "que a vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la".

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde. Reitor da Unorp. Advogado. Membro ad hoc da CONEP/CNS/MS.





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