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A nova lei 13.465/17 (Parte IV): o que acontecerá com o rateio das despesas nos loteamentos de acesso controlado?

Quando escrevi aqui sobre os condomínios de lotes, algumas pessoas me fizeram interessantes perguntas sobre o impacto da nova lei sobre as associações de moradores (ou de proprietários, a denominação varia) e a possibilidade de rateio das despesas de manutenção do local. Pretendo, neste breve artigo, enfrentar a questão.

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Atualizado em 22 de agosto de 2017 10:02

Caros,

Imaginem um evento cataclísmico capaz de varrer do planeta Terra todas as raças humanas, exceto uma. Se isso ocorresse, acreditem, a maior parte da nossa variação genética seria preservada. Isso porque grande parte da variação genética humana é encontrada no interior de uma mesma raça, e não entre elas1. Se você for branco, poderá, facilmente, encontrar mais proximidade genética com um negro do que com outro branco. Então, o racismo, além de uma estupidez ética, social e econômica, é também fruto de ignorância sobre os nossos próprios genes. No fundo, o racismo é apenas mais uma trapaça do nosso senso comum. Já bati nisso aqui, ao tratar do momento em que nasce o condomínio edilício.

Julgar a proximidade parental de uma pessoa com outra levando em conta a sua aparência física é um erro grave. Chamar um dado grupamento imobiliário de "condomínio" somente pelos seus traços arquitetônicos e urbanísticos, idem.

Quando escrevi aqui sobre os condomínios de lotes, algumas pessoas me fizeram interessantes perguntas sobre o impacto da nova lei sobre as associações de moradores (ou de proprietários, a denominação varia) e a possibilidade de rateio das despesas de manutenção do local. Pretendo, neste breve artigo, enfrentar a questão.

Antes, porém, não custa repetir o que já está no artigo anterior, pois tudo o que vai abaixo depende dessa premissa: não confundamos o condomínio edilício de lotes, nem o condomínio edilício de casas, ambos originados de uma incorporação imobiliária (lei 4.591/64), e regulados pelo Código Civil (arts. 1.331 a 1.358-A), com o loteamento clássico, cujas regras, que são outras, constam da lei 6.766/79 (Lei do Parcelamento do Solo Urbano).

A confusão é grande por ser impossível distingui-los a olho nu. Então, precisamos investigar os seus genes. E fazer isso é mais fácil do que se imagina. Não é preciso um microscópio eletrônico nem conhecimento jurídico específico. Basta ler a matrícula registral de um dos lotes ou casas. Se ao imóvel estiver atrelada uma fração ideal, não tenham medo de concluir: trata-se de um condomínio edilício. Ao contrário, se o lote, ou a casa, não possuir fração ideal, estamos diante de um loteamento. A fração ideal, portanto, é a chave de tudo, o divisor de águas na determinação da natureza jurídica do direito real em questão.

Assim, quando você se deparar com uma "convenção de condomínio", não se dê por vencido. O papel aceita tudo. Busque saber se os lotes, ou casas desse "condomínio", possuem fração ideal, para só então concluir se essa "convenção" é aquela prevista no art. 1.333 do CC, ou se ela não passa de um Frankenstein jurídico com um título vazio que não reflete a realidade jurídica daquele grupamento.

Dito isso, podemos nos debruçar sobre o foco deste artigo. A lei 13.465/17, em seu art. 78, trouxe três novidades para os loteamentos clássicos (sem fração ideal!), ao incluir, na lei 6.766/79, o art. 2º, §8º, e o art. 36-A e seu parágrafo único:

1) agora, o loteamento de acesso controlado é expressamente conceituado como modalidade de loteamento "cujo controle de acesso será regulamentado por ato do poder público Municipal, sendo vedado o impedimento de acesso a pedestres ou a condutores de veículos, não residentes, devidamente identificados ou cadastrados";

2) a atuação das associações de moradores e/ou proprietários de imóveis desses loteamentos foi vinculada, "por critérios de afinidade, similitude e conexão, à atividade de administração de imóveis"; e

3) a administração de imóveis passa a sujeitar os titulares dos lotes e casas "à normatização e à disciplina constantes" do estatuto da associação, "cotizando-se na forma desses atos para suportar a consecução dos seus objetivos".

A primeira mudança envolve uma discussão bem delicada. Afinal, se a lei, por um lado, proibiu expressamente a prática adotada por muitos grupamentos, que impedem, de cara lavada, o uso das ruas por terceiros; por outro lado a norma admite o controle de acesso.

Contudo, será que uma lei federal pode admitir que um determinado grupo de indivíduos, em nome da segurança, controle o acesso às ruas de um determinado grupamento, sem que isso viole a Constituição Federal? Isso tem ingredientes para um bom artigo acadêmico, e não ousarei tratar disso num post feito para ser breve2. Aqui, vou me limitar a palpitar que um julgamento desses, se um dia cair no colo do STF, não seria unânime. O Supremo, aliás, chegou bem perto desse tema ao julgar o RE 607.940/DF, e entender (por maioria), que a lei complementar distrital 710/05, que regula, localmente, os condomínios de lotes, não é inconstitucional, por ser possível legislar sobre regras urbanísticas fora do Plano Diretor. Mas não se discutiu, especificamente, a possibilidade de controle do acesso.

A segunda alteração promovida pela recente lei 13.465/17 foi a vinculação das associações à atividade de administração de imóveis. Não se espantem se, em pouco tempo, vier à tona a discussão sobre a obrigatoriedade, ou não, das associações registrarem-se no Conselho Regional de Administração local, por força da lei 6.839/80. Aguardemos.

A terceira e mais relevante mudança diz respeito à sujeição dos donos de lotes e casas "à normatização e à disciplina" dos estatutos da associação, "cotizando-se na forma desses atos para suportar a consecução dos seus objetivos". Faço questão de colocar entre aspas para que não me acusem de empolação. Está escrito exatamente assim. Ora, porque não dizer, simplesmente, algo como ser "dever dos titulares de direitos sobre lotes ou casas participar do rateio das despesas de manutenção do loteamento de acesso controlado de que façam parte"?

Sou favorável a tal cobrança e já pude tratar detidamente desse assunto aqui. O que me parece é que o legislador poderia ter sido mais eficaz. Não vamos ignorar que a jurisprudência dos tribunais estaduais e do Superior Tribunal de Justiça (este, há anos) pacificou-se no sentido de proibir a cobrança das associações, por entender que isso viola o dispositivo constitucional que garante a liberdade de associação. O assunto, é verdade, só estará decidido quando ocorrer, sabe-se-lá-quando, o julgamento do RE 695.911 (min. Dias Toffoli). Mas, supondo que prevaleça o entendimento pela proibição, e sendo o fundamento constitucional, como será que os tribunais enxergarão essa nova lei, sublinhe-se, infraconstitucional, que vincula os não associados "à normatização e à disciplina" do estatuto da associação?

Com isto, quero dizer que o legislador deixou escorrer entre os dedos uma boa oportunidade de criar, de forma clara, uma obrigação de natureza propter rem. Tivesse feito isso, as associações (ou qualquer outra entidade responsável pela cobrança das cotas de manutenção) teriam melhor chance em juízo. Está tudo perdido? Claro que não. Todavia, será preciso um considerável esforço hermenêutico para convencer os juízes de que este novo dispositivo está alinhado com a Constituição Federal.

Sem nenhum medo de ser repetitivo: nada disso tem a ver com o condomínio de lotes! Nele, a obrigação de pagar as cotas condominiais já tem previsão legal: art. 1.336, I, onde está claro ser dever do condômino "contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção".

É isso. Desculpem se não respondi à pergunta que fiz no título do post. Sendo sincero, nunca tive esse objetivo. Seria muita presunção. Quem tiver uma bola de cristal, por favor me dê a dica, pois estou curioso.

No próximo post espero conseguir trazer alguma contribuição para decifrarmos o curioso direito real de laje.

Para quem tiver interesse sobre outros assuntos da lei 13.465/17, os posts anteriores estão aqui:

Parte I: O condomínio de lotes e o reconhecimento de um filho bastardo
Parte II: Os dez novos mandamentos da alienação fiduciária
Parte III: O labirinto e a origem subconsciente do usucapião extrajudicial


Por fim, agradeço, com entusiasmo, a Leandro Jubilato, Daniel Gudiño, Ana Beatriz Barbosa Ponte, Marcelo Santos, Pablo Meneses, Gustavo Rocha, Luiz Octávio Rocha Miranda Costa Neves, Pedro Marrey Sanchez, Arnaldo Quirino de Almeida, Kizzy Mota, Marina Padula Gil Miguel, Pedro Ernesto Celestino Pascoal, Caio Malpighi, Carla Veiga, Fernando Belchior, Iracema Macedo de Souza, Rodrigo Silva Ferreira, Fernanda Basso Nabuco, Carolina Carnaúba, Roberto Meliande, Bernardo Chezzi e outros que deixo de citar apenas por uma questão de coesão.

Saber que há tantas pessoas interessadas nesse tema tão pouco debatido é um acalento para mim, um alento para o mercado, e uma esperança de que teremos, quem sabe num futuro breve, homogeneidade de entendimentos na aplicação da lei, e, por conseguinte, mais segurança jurídica para quem, no setor público ou privado, participa desse relevante tipo de empreendimento, em qualquer ponto da sua cadeia produtiva.

Até breve!
______________________

1 DAWKINS, Richard. O capelão do diabo. Companhia das Letras: 2005, p.98.

2
Loteamentos contrariam princípio da isonomia.

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*André Abelha é sócio do escritório Castier/Abelha Advogados.

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