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Historiando o caso envolvendo os direitos autorais da selfie do macaco e transpondo à lei brasileira

Sem dúvidas um caso emblemático! Dotado de peculiaridades sobre criação, autoria, titularidade e que não me parece estar encerrado frente a todos os players.

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Atualizado às 11:01

A graciosa fotografia que a macaca fez dela mesma na Indonésia, desde 2011, vem gerando controvérsias sobre a autoria e titularidade. Afinal, pode um animal ser detentor de direitos autorais?

O fotógrafo David Slater reivindica a autoria, argumentando que foi ele quem colocou a câmera no tripé e enquadrou a foto. "A única coisa que o macaco fez foi apertar o botão". Além disso, o fotógrafo britânico declarou ao jornal "The Guardian" que dispendeu bastante tempo a fim de "ensinar" os primatas a extraírem fotografias de si mesmos.

No entanto, a foto foi parar na Wiikimedia Foundation, uma organização sem fins lucrativos que tem como objetivo desenvolver uma enciclopédia gratuita, por isso, só aceitam conteúdos com licença livre ou em domínio público.

Desta feita, a receita decorrente do licenciamento da imagem, que em um ano havia rendido 2 mil libras ao fotógrafo, despencou. Afinal, a "foto perfeita" fora disponibilizada à comunidade global sem qualquer contrapartida ou remuneração.

Nesta linha, a enciclopédia virtual não atendeu a nenhuma das mais de 300 solicitações de remoção do conteúdo, tendo declarado que "Segundo as leis estadunidenses, os direitos autorais não podem pertencer a alguém que não seja humano".

A questão foi além e em 2015 o Peta (People for the Ethical Treatment of Animals) ingressou com ação pleiteando os direitos autorais da macaca. O Juiz distrital do norte da Califórnia, destacou que os direitos de autor não se estendiam a animais, mencionando, ainda, não ser a pessoa adequada para sopesar isso, na medida em que a questão teria que estar a cargo do Congresso e do Presidente.

"I'm not the person to weigh into this. (...) "This is an issue for Congress and the president. If they think animals should have the right of copyright they're free, I think, under the Constitution, to do that."

Ocorre que na segunda-feira 11/9/17, o Peta e o fotógrafo chegaram a um acordo frente à Corte de São Francisco, em que Slater retomará 75% dos direitos e doará 25% da renda futura gerada pela foto à organizações que protegem macacos-de-crista na Indonésia.

Em comunicado conjunto após o encerramento da ação "PETA e David Slater concordam que este caso levanta questões inovadoras sobre a expansão dos direitos legais para os animais, um objetivo que ambos apoiam e para o qual continuarão trabalhando".

Cumpre destacar, que em que pese o acordo formalizado, a fotografia continua acessível na Wikimedia, todavia, agora com a observação "Um dos autorretratos disputados, tirados pela macaca."

E se o caso fosse processado no Brasil, qual o remédio jurídico adotaríamos?

Pela dogmática da lei dos direitos autorais (LDA) 9.610/98, de interpretação restritiva (art. 4º), "Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica" (art. 11).

Ou seja, a fotografia é protegida como obra de criação artística (art. 7, inc. II da LDA), e o fotógrafo é o titular dos direitos autorais.

Segundo renomado autoralista, Antônio Chaves: "A qualidade do autor pertence às pessoas físicas, visto as que têm faculdade de criar, avaliar e sentir".

Porém se quem clicou não foi a pessoa física, mas sim o animal mesmo que com a máquina do fotógrafo, então, a obra pertenceria ao domínio público.

Parafraseando Carlos Alberto Bittar, afasta-se, desde logo, a possibilidade de atribuição de direitos à máquina, que embora disponha de componentes inteligentes, é, no mundo jurídico, res (cois) insuscetível, pois de ter personalidade - e, consequentemente, de ser ator no mundo do Direito - a qual se atribui apenas às pessoas físicas e jurídicas. Ele pode ser, inclusive, titular dos direitos e, sem dúvida, proprietário do corpo mecânico. Mas não é, e nem será, mesmo sendo pessoa física, autor da fotografia.

Sem dúvidas um caso emblemático! Dotado de peculiaridades sobre criação, autoria, titularidade e que não me parece estar encerrado frente a todos os players.

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*Felipe Pierozan é advogado, sócio no Pierozan Advocacia & Consultoria. Especialista em Direito da Propriedade Intelectual FADERGS - Rede Laureate International Universities. Especialista em Direito Previdenciário. Membro da Comissão Especial de Propriedade Intelectual (CEPI-OAB/RS). Membro da Comissão Especial do Jovem Advogado (CEJA-OAB/RS). Membro da Associação Portuguesa de Direitos Intelectuais (APDI). Perito do TJ/RS. Árbitro e Mediador credenciado pelo Ministério da Cultura (MINC). Palestrante e Professor visitante.


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