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A insegurança jurídica e os crimes sexuais

Nos últimos meses, no Brasil, foram proferidas duas decisões que se destacaram nas mídias sociais e nos noticiários nacionais, que discutem a ocorrência ou não do delito de estupro.

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Atualizado em 28 de setembro de 2017 15:30

O artigo 213 do Código Penal prevê como crime de estupro o ato de "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso".

Nos últimos meses, no Brasil, foram proferidas duas decisões que se destacaram nas mídias sociais e nos noticiários nacionais, que discutem a ocorrência ou não do delito de estupro.

Em Teresina/PI foi proferida decisão que determinou a prisão preventiva do acusado pelo delito de estupro, por ter o indivíduo constrangido a vítima a cometer atos libidinosos em si mesma e filmá-los.

Neste caso, não houve nenhum contato físico do agressor com a vítima, todo o constrangimento ocorreu de forma virtual. O magistrado entendeu que a conduta está tipificada como estupro porque a vítima foi constrangida mediante grave ameaça a manter ato libidinoso.

Chegou-se a chamar o ocorrido de "estupro virtual", uma vez que o ato de constranger alguém a realizar ato libidinoso, diferente da penetração, aconteceu através das redes sociais, sem que tivesse ocorrido algum tipo de contato físico entre vítima e acusado. Ou seja, houve a interpretação ampla e extensiva acerca do ato de constranger alguém, utilizando-se a adequação da lei penal à sociedade atual, em que o mundo virtual pode trazer consequências tão severas e relevantes quanto o mundo real.

Já em SP, uma recente decisão judicial, decidiu pela soltura do indivíduo que teria sido preso em flagrante ao ser surpreendido se masturbando e ejaculando em uma passageira dentro de um ônibus na Avenida Paulista, no centro da cidade.

O magistrado que concedeu a liberdade ao indivíduo entendeu que no caso não houve crime de estupro, por não haver constrangimento da vítima, conjunção carnal ou ato libidinoso praticado pelo agente, mas sim uma contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor.

A lei de contravenções penais - decreto lei 3688/41 - em seu artigo 61 entende por importunação ofensiva ao pudor o ato de "Importunar alguém, em lugar público ou acessível ao público, de modo ofensivo ao pudor".

Como é possível verificar, ambas as decisões tratam de casos de atos sexuais ocorridos sem o consentimento da vítima, em que as interpretações dos magistrados sobre a legislação levaram a decisões divergentes.

No primeiro caso, não precisou ter havido o contato físico para a configuração do constrangimento da vítima que, através de grave ameaça, se sentiu compelida a realizar um ato sexual em si mesma, configurando, então, o crime de estupro.

Já no segundo caso, o contato físico do agente com a vítima, no momento em que o indivíduo realizava em si mesmo atos sexuais, não foi reconhecido sequer o constrangimento passado pela vítima, tendo o crime sido desqualificado para uma contravenção penal.

Ora, quando então, estaremos diante de estupro e quando estaremos de frente a uma contravenção penal? Sendo certo que as duas englobam o tema de atos sexuais, percebe-se que há uma linha tênue entre os dispositivos, que chega a confundir sobre os elementos essências da conduta para a configuração de um e outro.

Certo é que estamos diante de mais um ato de insegurança jurídica causada pelo Poder Judiciário, gerada por decisões com interpretações distintas pelos magistrados sobre o que configura ou não um ato libidinoso na previsão do delito de estupro.

Casos que, por um ângulo evidenciam as semelhanças, tomaram rumos distintos no Judiciário.

O que então seria configurado como constranger alguém a praticar ato libidinoso? O que se configuraria apenas o ato de importunar alguém de modo ofensivo ao pudor? De certo, há incerteza sobre as condutas que se enquadrariam em cada um dos dispositivos.

Verifica-se então a importância de se solucionar questões de divergência jurídica principalmente quando se trata de condutas tão, infelizmente, recorrentes na sociedade atual.

Certamente, os mencionados processos serão analisados pelos tribunais superiores.

Não há dúvidas da importância da conscientização de todos contra atos de estupro, violência, importunação do outro, da liberdade sexual e outros, como também da necessidade de esclarecimentos por parte do Legislador e do Judiciário no momento da aplicação da lei ao caso concreto. Do contrário, continuaremos a presenciar casos similares de agressão sexual em que não se poderá ter a certeza da aplicação da legislação de forma correta e concreta.

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*Mariana Cardoso Magalhães é sócia do Homero Costa Advogados.

*Ana Luisa Augusto Soares Naves é associada do Homero Costa Advogados.

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