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A revisão da Convenção de Arbitragem da CCEE

Felipe Henrique Braz e Lívia Moraes

Certamente o Brasil está dando um passo adiante na questão das arbitragens envolvendo a CCEE, permitindo que mais de uma câmara possa administrar procedimentos, respeitando a autonomia privada.

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

Atualizado em 10 de outubro de 2017 18:16

Desde de o ano de 2004 encontra-se vigente a Resolução Normativa 109/2004, que instituiu a convenção de arbitragem entre os agentes da CCEE e a própria CCEE, de modo que todos os conflitos pertinentes a direitos disponíveis deverão ser dirimidos através da arbitragem, nos termos da lei 9.307/96. Tal Convenção Arbitral da CCEE foi homologada pela Aneel em 07 de agosto de 2007.

Dessa forma, durante a 32ª Assembleia Geral Extraordinária da CCEE, foi decidido que as arbitragens seriam administradas pela Câmara FGV de Mediação e Arbitragem. A adesão é obrigatória, conforme art. 17, inciso VII, da Convenção de Comercialização1.

Durante a última reunião de interação com os agentes da CCEE, que aconteceu no dia 02 de outubro de 2017, dez anos após a homologação pela Aneel da Convenção de Arbitragem, a gerente jurídica corporativa, Maria Madalena Porangaba, informou a viabilidade da revisão da Convenção Arbitral da CCEE.

A manifestação de alguns agentes da CCEE e a nota técnica da Aneel no 176/2016 foram os eventos que desencadearam essa discussão. A nota técnica determinou que a CCEE avaliasse alternativas à Câmara FGV. Essa avaliação foi feita para que os agentes e a CCEE pudessem ter acesso a outras instituições, podendo, assim, avaliarem o "custo x benefício" no momento da escolha da câmara que viesse a administrar o procedimento arbitral.

Nesta toada, foi estudada pela CCEE a possibilidade de inserir as seguintes câmaras na Convenção de Arbitragem: CAM-CCBC (Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá), CAM-BM&FBovespa (Câmara de Arbitragem do Mercado), CAMARB (Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial - Brasil), AMCHAN (Centro de Arbitragem e Mediação), CIESP/FIESP (Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem), IBDE (Câmara de Mediação e Arbitragem) e ICC (International Court of Arbitration da International Chamber of Commerce). Destas sete câmaras avaliadas, foram aprovadas três delas, quais sejam, a CAM-CCBC, a CAM-BM&FBovespa e a CAMARB, além da manutenção da Câmara FGV.

Além disso, foram expostas duas propostas de alteração de algumas cláusulas da Convenção Arbitral, sendo duas delas as mais importantes. Na cláusula 2a, a proposta de alteração diz respeito a três previsões, para que a Convenção se adeque à competência das três novas câmaras para dirimir litígios. As propostas de alteração foram:

"1. Agentes poderão instaurar o procedimento arbitral em qualquer uma das quatro Câmaras.

2. Na hipótese de requerimentos simultâneos, será competente a Câmara perante a qual tiver sido protocolado o primeiro requerimento de instauração de arbitragem.

3. A Câmara competente ficará preventa para administrar outros procedimentos que contenham mesmo objeto, causa de pedir ou relação jurídica".

A alteração dos parágrafos 3 a 6, da Cláusula 1a da Convenção de Arbitragem, diz respeito aos limites da Convenção, levando em consideração esse novo cenário:

"1. Limitar efeito das decisões arbitrais às partes litigantes.

2. A operacionalização da decisão pela CCEE, caso impacte terceiros, fica condicionada a prestação de garantia.

3. A CCEE poderá atuar em prol do mercado para evitar operacionalização de decisões arbitrais proferidas fora do limite da Convenção Arbitral".

A reforma na Convenção Arbitral da CCEE será somente válida para os procedimentos instaurados após sua homologação, que deve acontecer até o final deste mês (outubro de 2017). Assim, mantêm-se as regras da Convenção anterior para os litígios em andamento até o presente momento.

Trata-se de um grande avanço no setor de comercialização de energia, que poderá ter seus litígios resolvidos por arbitragens administradas por outras instituições de renome, além da FGV.

A limitação da Convenção Arbitral a apenas uma instituição certamente caminhava contra o princípio basilar da arbitragem, qual seja a autonomia privada (autonomia da vontade das partes). A utilização da arbitragem tem caráter voluntário, é a expressão da liberdade de escolha das partes, sendo fundamental a vontade dos interessados em estabelecer o método de solução do conflito.

Nesse sentido, é válido mencionar como exemploo Energy Charter Treaty 2(ECT). Em seu artigo 26(4)(a), (b) e (c), o ECT dispõe que as partes signatárias do tratado (atualmente 52 países), devem submeter quaisquer litígios à arbitragem ou mediação, mencionando a competência de várias câmaras, incluindo até tribunais ad hoc. Ou seja, as partes são livres para escolher a instituição que administrará o procedimento arbitral.

De todos os casos envolvendo o ECT3 , até o momento 67 foram submetidos ao International Centre for Settlement of Investment Disputes (ICSID), 16 ao Arbitration Institute of the Stockholm Chamber of Commerce (SCC), 12 aos tribunais de arbitragem ad hoc sob as regras de arbitragem da UNCITRAL e 6 à Permanent Court of Arbitration (PCA), aplicando as regras da UNCITRAL.

Certamente o Brasil está dando um passo adiante na questão das arbitragens envolvendo a CCEE, permitindo que mais de uma câmara possa administrar procedimentos, respeitando a autonomia privada.

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1Disponível em: 09/10/2017 <RESOLUÇÃO NORMATIVA Nº 109, DE 26 DE OUTUBRO DE 200> Acesso em: 09/10/2017

2Disponível em: 09/10/2017 <THE INTERNATIONAL ENERGY CHARTER CONSOLIDATED ENERGY CHARTER TREATY >

3Disponível em:< Investment dispute settlement, latest statistics (updated as of 1 January 2017)> Acesso em: 09/10/2017

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*Felipe Henrique Braz é advogado, membro do Comitê de Arbitragem da ICC (International Chamber of Commerce), head do dpto. de Infraestrutura e Regulação e sócio do escritório Braz Gama Monteiro.

*Lívia Moraes é advogada, ex-Assistant Legal Counsel da PCA (Permanent Court of Arbitration) em Haia - Holanda, associada do dpto. de Arbitragem e Mediação da Braz Gama Monteiro.

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