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A responsabilidade parental e o uso de técnicas de reprodução assistida

Os pais não devem fazer uso das técnicas de reprodução medicamente assistida se não levarem em conta o melhor interesse do filho que nascerá como resultado desse processo.

segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Atualizado em 9 de novembro de 2017 18:43

As novas tecnologias empregadas nos processos de reprodução medicamente assistida dão sempre ensejo a profundos debates que resvalam para o campo da Bioética e do Biodireito. Uma preocupação frequente em diversas culturas diz respeito à moldura normativa da responsabilidade parental quanto ao uso dessas técnicas. No mundo todo é tema que suscita muito mais indagações do que respostas.

A implicação da criopreservação de óvulos fertilizados nos litígios de guarda , ou seja, o destino dos embriões excedentários, a gravidez de substituição (surrogacy), a inseminação pos portem, os vínculos jurídicos de parentalidade em relação ao doador anônimo de sêmen, o problema do "turismo reprodutivo" e das gestações comerciais ainda constituem questões em aberto.

Especificamente em relação à gravidez de substituição remunerada, existem diferenciadas soluções legislativas em diferentes países. A lei registral espanhola permite o reconhecimento da filiação em relação aos pais contratantes. No Reino Unido se garante o cumprimento dos contratos gestacionais enquanto a Argentina segue o caminho brasileiro, ainda sem estatuto legal, o que fomenta um ativismo judicial de imprevisíveis consequências.

A inseminação post portem é outro problema grave, tanto que vários países a proíbem, como é o caso da França, da Suiça e da Itália. A mesma razão, aliás, que leva outros países (Suécia e Austria) a proibirem a inseminação apenas pela mulher, com sêmen de doador anônimo. Exatamente porque entendem que no conflito entre o direito do filho de conhecer e ter acesso a ambos os pais e o direito reprodutivo da mãe, o primeiro prevalece.

O direito reprodutivo dos pais configura direito fundamental e , por isso mesmo, deve ser objeto de ponderação com outros direitos e princípios de idêntica fundamentalidade e analisado à luz do bem estar dos filhos.

A colisão entre princípios ou o conflito entre direitos fundamentais, nesse tipo de conjuntura, quando inexistente um critério apriorístico de prevalência, devem ser solucionados por meio da "ponderação". Trata-se de uma técnica de decisão voltada aos chamados hard cases e cujo objetivo, ensina Ana Paula de Barcellos, "é solucionar esses conflitos normativos da maneira menos traumática para o sistema como um todo, de modo que as normas em oposição continuem a conviver, sem a negação de qualquer delas, ainda que em determinado caso concreto elas possam ser aplicadas em intensidades diferentes" 1

O exercício dos direitos reprodutivos pelas pessoas humanas implica a assunção dos deveres parentais e, por isso, só devem ser exercidos no melhor interesse do filho a ser gerado, jamais para satisfação exclusiva de qualquer outro interesse. Os pais não devem fazer uso das técnicas de reprodução medicamente assistida se não levarem em conta o melhor interesse do filho que nascerá como resultado desse processo.

A paternidade e a maternidade, cabe lembrar, representam, antes de tudo, um gesto de amor intencionalmente manifestado em favor de outrem, que não pode ser exercido em proveito exclusivo dos pais, na concretização de um desejo egoístico e atávico de transmitir os seus próprios genes.

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1 BARCELLOS, Ana Paula. "Alguns Parâmetros Normativos para a Ponderação Constitucional", em Luis Roberto Barroso (Org.), A Nova Interpretação Constitucional, p.57.

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*Mário Luiz Delgado é advogado do escritório MLD - Mário Luiz Delgado Sociedade de Advogados.

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