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A extinção da atenuante da menoridade relativa do Código Penal, Eudes Quintino e Antonelli Secanho

A extinção da atenuante da menoridade relativa do Código Penal

Em razão do próprio dinamismo social, a lei vai perdendo sua eficácia e necessita de nova roupagem para se adaptar à realidade social.

domingo, 19 de novembro de 2017

Atualizado em 17 de novembro de 2017 15:25

A lei penal não pode existir sem um fato social determinante. Daí exige-se a correta correlação entre o texto da norma e a conduta humana correspondente, abrindo, desta forma, espaço para que a Hermenêutica possa frequentar o núcleo legal para buscar o exato sentido e o alcance da norma. Assim, forçoso concluir, que não há lei perfeita, o que faz cair por terra o brocardo romano in claris cessat interpretatio (sendo clara a norma, dispensa-se interpretação). Na realidade, em razão do próprio dinamismo social, a lei vai perdendo sua eficácia e necessita de nova roupagem para se adaptar à realidade social. Maximiliano, com toda razão, preconizava que "nítida ou obscura a norma, o que lhe empresta elastério, alcance, ductilidade, é a interpretação. Há o desdobrar da fórmula no espaço e no tempo: multiplicando as relações do presente, sofrendo, no futuro, as transformações lentas, imperceptíveis, porém contínuas, da evolução."1

O nosso legislador, nem sempre bem preparado para tal mister, não se preocupa com o aprofundamento do fato social e entende que o importante é fixar regras gerais, sem cuidar da criminalidade crescente que assola o país. E pode-se dizer, sem estranheza, que parte da prática criminosa ganha corpo em razão da omissão, em alguns casos, e imperfeição da lei, em outros, além, é claro, da sua benignidade peculiar, tanto com relação à pena imposta, como pela auspiciosa forma de cumprimento.

Conforme amplamente noticiado, nossos congressistas estão se movimentando para extinguir, do ordenamento penal, a atenuante da menoridade relativa e a consequente regra prescricional a respeito, conforme artigos 65, inciso I (primeira parte) e 115, ambos do Código Penal2.

A preocupação com o desenvolvimento mental e moral completos do agente que comete um crime não é de hoje. Com efeito, conforme ensina a melhor doutrina3, desde os tempos do Império, com o Código Penal de 1830, que nosso legislador prevê a matéria que, nos dias atuais, consta no artigo 65, inciso I, do Código Penal, in verbis:

Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena:

I - Ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato (atenuante conhecida como menoridade relativa), ou maior de 70 (setenta) anos, na data da sentença;

Sendo assim, em um primeiro momento, percebe-se, claramente, que o legislador procurou diferenciar a incidência da lei penal, de acordo com o desenvolvimento mental do agente. Assim, aquele que não possui a mínima capacidade de entender o caráter ilícito do fato praticado, tampouco de comportar-se com este entendimento, não irá responder pelas sanções privativas de liberdade previstas no Código Penal.

De acordo com o objetivo traçado neste estudo, destaca-se apenas que, para os menores de dezoito anos, esta incapacidade de entender o caráter ilícito do fato praticado é absoluta, ou seja independente do grau de estudo, da interação com a sociedade, das experiências passadas, do envolvimento com o mundo do crime, o menor de dezoito anos será, sempre, inimputável e, perante o Código Penal, não sofrerá nenhuma imposição de sanção (critério biológico).

Mas o legislador continuou a enfrentar a questão do desenvolvimento mental do agente e manteve a previsão de atenuar, sempre, a pena de quem é maior de dezoito anos (pressuposto básico para a imposição da sanção, quanto à idade do agente) e menor de vinte e um anos na data do fato, pela regra do Código de 1940.

Isso porque, conforme a grande maioria da doutrina brasileira, entende o legislador que a menoridade relativa traduz a ideia de imaturidade do agente, que ainda não completou seu desenvolvimento mental e moral de modo satisfatório, o que pode fazer com que seja influenciável para a prática de crime e, então, fique em situação desigual com os maiores de vinte e um anos.

Mas não é apenas no âmbito penal que a menoridade relativa encontrava amparo, pois o Código Civil de 1916 previa, expressamente, que a pessoa natural somente se tornava absolutamente capaz para a prática dos atos da vida civil aos vinte e um anos de idade completos. Ora, então era possível compreender, ao menos sob a ótica do legislador, a sintonia existente entre estes diplomas legais.

Todavia, a sociedade sempre permanece em evolução e, como corolário do avanço geracional, iniciam-se diversos questionamentos quanto às regras que, sob uma nova realidade, parecem não mais traduzir os anseios populares.

Sob esta perspectiva, e atento à nova realidade a que os adolescentes estão expostos, o legislador civil alterou, em um primeiro momento, os parâmetros etários para a caracterização da capacidade civil, sendo que, nos dias atuais, o maior de dezoito anos já possui a plena capacidade para a prática dos atos da vida civil, ou com a emancipação feita pelos pais, quando atingir dezesseis anos completos (art. 5º, parágrafo único, I).

Ou seja, surgiu, em nosso ordenamento, uma aparente contradição, pois a pessoa com dezenove anos de idade, por exemplo, é plenamente capaz para praticar qualquer ato da vida civil (dispor, adquirir, doar, alugar, etc.) mas, ao mesmo tempo, não tem o desenvolvimento mental e moral necessários para a constatação de sua "maturidade penal".

Não obstante, como ensina Norberto Bobbio, o ordenamento jurídico é uno, coerente, fechado e completo, pelo que as normas precisam estar em plena harmonia. Nesse diapasão, parece mesmo que a atenuante da menoridade relativa, que provocava um dantesco embate doutrinário e, principalmente jurisprudencial, sobre a imposição legal de sempre atenuar a pena e, por isso, ser de "preponderância especial" (prevalecer no concurso com demais circunstâncias, até mesmo com a reincidência4), não encontra mais respaldo na sua razão de ser, qual seja, na imaturidade do agente.

Portanto, caso aprovado o referido projeto de lei, o magistrado que se depare com um agente menor de vinte e um anos de idade e reincidente, não mais terá que enfrentar a tormentosa questão:

a) Somente exasperaria a pena em 1/6, pela reincidência, pois ela é uma circunstância que prepondera sobre todas as demais, nos termos do artigo 67 do Código Penal;

b) Compensaria a agravante da reincidência com a atenuante da menoridade relativa, pois ambas são preponderantes;

c) Somente atenuaria a pena em 1/6, pois a menoridade relativa é uma circunstância de "preponderância especial".

Veja-se que é possível encontrar posições em todos os sentidos e, mesmo que uma destas correntes pareça se firmar em nosso ordenamento, agora ela perderá força com a retirada da referida atenuante do nosso Código Penal. E este parece ser o caminho mais acertado. Ora, no próprio exemplo acima citado, cotidianamente enfrentado nos tribunais brasileiros, demonstra a visível contradictio in adjecto da questão: como pode um agente reincidente ser considerado imaturo?

Por fim, uma vez reconhecendo que a menoridade relativa perdeu sua essência, propõe o legislador a retirada da regra prescricional a respeito, corolário desta benesse: aquele que é imaturo, no âmbito penal, além de fazer jus à redução de sua pena, também terá diminuído, pela metade, o prazo prescricional.

De igual modo, esta regra prevista na primeira parte do artigo 115 do Código Penal parece não encontrar qualquer respaldo com a realidade de hoje, revelando-se, apenas e tão somente, um resquício histórico de uma sociedade que não mais existe.

Sendo assim, é sabido que não basta a criminalização de condutas ou o rigorismo legislativo, para a solução de nossos problemas. Mas é certo, também, que o direito penal precisa caminhar de acordo com o princípio da proporcionalidade, para que, se por um lado não pode punir excessivamente (garantismo negativo), por outro também não pode ficar aquém de uma resposta almejada (garantismo positivo), até porque, como propagou Kelsen, as lacunas não ocorrem ante a inexistência de normas para o caso concreto, mas pelo excesso de caminhos para que elas possam ser aplicadas.

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1 Maximiliano, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 29.

2 Disponível em < Câmara aprova projeto que acaba com atenuante de pena para menores de 21 anos>

3 Nucci, Guilherme de Souza. In Manual de Direito Penal - Parte Geral -, 8ª Edição, Ed. RT, P. 496-497, ano 2012.

4 Em que a grande polêmica existente sobre a preponderância da menoridade relativa, este tema não é o centro do presente estudo.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp.







*Antonelli Antonio Moreira Secanho é assistente jurídico no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, bacharel em Direito pela PUC/Campinas e pós-graduação "lato sensu" em Direito Penal e Processual Penal pela PUC/SP.

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