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A teoria do adimplemento substancial e sua construção no ordenamento brasileiro

Pode-se dizer que tal teoria implica, diretamente, em uma redução de possibilidades para o credor que ficará impedido de reincidir o contrato, não obstando, todavia, o direito deste de obter o restante do crédito, podendo, para tanto, ajuizar uma possível ação de cobrança.

segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Atualizado em 23 de novembro de 2017 13:14

A teoria do adimplemento substancial, atualmente, detém um espaço consagrado no Direito Contratual Brasileiro. É certo que, após diversas construções doutrinárias, foi concebida essa vertente teórica, a qual sustenta que não se deve resolver o vínculo obrigacional, quando a atividade assumida, mesmo que não satisfeita, alcançou, consideravelmente, o objetivo almejado, isto é, cumpriu quase a totalidade da prestação ou das prestações pactuadas.

Tal ideologia, fora analogicamente, recepcionada a partir dos precedentes da common law, especificadamente, do condition precedent: Boone v. Eyre, de 1779, bem como das disposições normativas do Código Civil Italiano, o qual, expressamente, trata, no seu art. 1.455, sobre o adimplemento substancial, delimitando que o contrato não será resolvido se o inadimplemento de uma das partes tiver escassa importância, levando-se em conta o interesse da outra parte.

No ordenamento brasileiro, sabe-se que o direito obrigacional é constituído, no mínimo, por duas partes: sujeito ativo e o sujeito passivo, ligadas por um vínculo atrativo, o qual, via de regra, gera direitos e obrigações recíprocas, essenciais para a solução do avençado. Neste toar, pode-se destacar que a principal fonte deste ramo do direito são as relações geradas entre os particulares sob ótica da autonomia da vontade, isto é, os contratos.

É bem verdade que, tal relação deve estar pautada nas disposições principiológicas, as quais visam o perfeito trilhar do ciclo natural da obrigação - nascer, vincular e extinguir - fazendo, uma vez pactuadas, lei entre as partes. Ocorre que, muitas vezes, por diversos motivos, os acordos não acontecem da forma que deveriam, sendo a relação pactuada interrompida antes da sua satisfação natural, gerando, deste modo, uma controvérsia, desgastante, entre as partes, no que tange a aferição de responsabilidade.

Assim sendo, via de regra, é mister observar o caminhar e os desdobramentos da convenção. Indaga-se: a obrigação foi integralmente satisfeita? Se sim, então ocorre sua extinção. Contudo, se não, então o credor tem as faculdades, conforme as disposições legais, de fazer suprimir o ônus contratual.

O grande problema reside quando se é observado que o devedor conseguiu cumprir, ainda que parcialmente, sua obrigação. Sabe-se que não estamos tratando de matemática, uma ciência exata, o direito é apenas um molde, uma argila, que se adapta a situação fática, de tal modo que, é imprescindível a materialização ao caso, vez que, a noção de cumprimento parcial é variável em termos qualitativos e quantitativos, e sua má aplicação poderá comprometer os princípios da boa-fé objetiva, da função social do contrato, conservação do negócio jurídico, da vedação ao abuso de direito e ao enriquecimento sem causa.

Desta forma, após diversas construções doutrinárias, decorrentes dos princípios gerais dos contratos, foi concebida, no Brasil, a teoria do adimplemento substancial, balizando as aplicações da regra geral do art. 475 do Código Civil Brasileiro, uma vez que, intenta estimular a reciprocidade do contrato, ou, melhor dizendo a solidariedade contratual, visando a preservação do vínculo obrigacional.

Destarte, pode-se dizer que tal teoria implica, diretamente, em uma redução de possibilidades para o credor que ficará impedido de reincidir o contrato, não obstando, todavia, o direito deste de obter o restante do crédito, podendo, para tanto, ajuizar uma possível ação de cobrança.

Neste toar, fica evidenciado o intuito da preservação da relação negocial pela boa-fé, a qual está presente e limita as faculdades da outra parte para que se mantenha o equilíbrio contratual, e evite a onerosidade excessiva, mitigando, por consequência, o pacta sunt servanda.

Ocorre que, por não está regulado nas disposições do nosso Codex Civil, a aplicabilidade da presente teoria caberá, unicamente, a sensibilidade do julgador em questão, o qual deverá ter a firmeza de observar o pacto como um todo, e moldar a doutrina à pratica.

Logo, o atual emprazamento está em fixar parâmetros que permitam avaliar, se o adimplemento se afigura ou não expressivo, não se devendo prender, unicamente, ao exame quantitativo, principalmente porque algumas hipóteses de violação podem afetar o equilíbrio obrigacional, inviabilizando, por conseguinte, a manutenção do negócio. Com efeito, é bem verdade que, para se avaliar a real extensão do adimplemento, um exame qualitativo se torna, também, indispensável, pois delimitará a atuação das partes ao longo da relação pactuada, evidenciando se suas atitudes estavam condizentes com o esperado para o caso.

Ante o exposto, conclui-se que, o adimplemento substancial não é meio destinado a incentivar o inadimplemento contratual e desprestigiar a ordem jurídica estabelecida, longe disso, visa assegurar a principiologia contratual, preservando, por consequência, a justiça e o equilíbrio contratual. Contudo, para sua correta aplicação, é imprescindível uma maior sensibilidade do julgador, o qual deverá pautar suas observâncias na situação fática trazida, assegurando, deste modo, a viabilidade da medida.

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*Raphael Alcantara Ruas é colaborador do escritório Martorelli Advogados.

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