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Deputados Estaduais e a garantia de imunidade: qual o sentido do art. 27, § 1º da Constituição Federal?

As imunidades garantem a necessária independência do Parlamento e, por isso, estão ligadas ao próprio funcionamento do Congresso; não por outro motivo, essas prerrogativas são menos do Parlamentar e mais do Parlamento enquanto instituição.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Atualizado em 14 de dezembro de 2017 13:08

A Constituição Federal, na parte que disciplina a organização dos Poderes da República, trata do chamado ''Estatuto dos Congressistas'' (arts. 53 a 56), que compreende um conjunto de normas destinadas a regulamentar as prerrogativas e vedações estendidas aos parlamentares no âmbito federal (Senadores e Deputados Federais).

É o Estatuto dos Congressistas, portanto, que garante a estes agentes políticos a (i) imunidade material, que consiste na inviolabilidade civil e penal em decorrência de opiniões, palavras e votos exarados no exercício do mandato ou em função deste, e, ainda, (ii) a imunidade formal ou processual, que diz respeito à impossibilidade de, a partir da expedição do diploma, não serem - ou permanecerem - presos. Além disso, essa última espécie de imunidade também prevê a prerrogativa de haver, pela respectiva Casa Legislativa, a sustação de processo criminal a que algum Congressista responda.

Neste ponto, vale destacar que, a despeito da possibilidade de sustação do processo criminal pela Casa Legislativa, essa medida suspende a prescrição enquanto durar o mandato. Isto é, não há a fluência do prazo prescricional previsto para o ilícito objeto do processo penal. E por qual razão a Constituição Federal assegura aos Congressistas tais imunidades (material e formal)? Essas prerrogativas consistem em privilégios ou vantagens injustificadas?

A resposta para essa última questão - sem dúvidas - é negativa. E por quê? Volta-se então para a primeira questão: as imunidades garantem a necessária independência do Parlamento e, por isso, estão ligadas ao próprio funcionamento do Congresso; não por outro motivo, essas prerrogativas são menos do Parlamentar e mais do Parlamento enquanto instituição. Protege-se a função parlamentar para evitar a indevida interferência dos demais Poderes (Executivo e Judiciário). Veja-se, portanto, que tais garantias decorrem do Princípio da Separação dos Poderes e servem, também, para assegurar a representatividade conferida aos Parlamentares (eleitos pelo voto direto).

Observa-se, pois, que, em relação a Deputados Federais e Senadores, a Constituição Federal fixa prerrogativas no sentido de que suas funções possam ser desenvolvidas sem a interferência - ou pressão - de outros Poderes. Por essa razão, no que toca a uma das prerrogativas inerentes à imunidade formal, o STF decidiu que qualquer decisão judicial que implique no afastamento do Parlamentar de suas funções deve contar com o aval da respectiva Casa Legislativa.

Dado esse panorama do regime jurídico dos Congressistas, questão que se coloca é saber se as imunidades - material e formal - previstas na Constituição Federal de 1988 estendem-se aos Deputados Estaduais. Trata-se de tema controverso e que, atualmente, está sendo apreciado pelo Supremo Tribunal Federal por meio de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (5823, 5824 e 5825), todas ajuizadas pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), nas quais se questiona dispositivos das Constituições dos Estados do Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e de Mato Grosso, que estendem aos deputados estaduais imunidades formais previstas no Estatuto dos Congressistas.

Durante a análise das medidas cautelares requeridas nas Ações Diretas em questão, cinco Ministros votaram pela concessão da liminar para suspender os dispositivos que permitem a revogação de prisão de deputados estaduais (Edson Fachin, Rosa Weber, Dias Toffoli - embora em menor extensão - e Carmen Lúcia) e quatro Ministros manifestaram-se pelo indeferimento da liminar (Marco Aurélio, Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Celso de Mello). Não houve a conclusão do julgamento em razão da ausência dos Ministros Ricardo Lewandowski e Luís Roberto Barroso, que ainda irão proferir seus votos. Mas, afinal, como resolver a controvérsia? O que diz a Constituição Federal?

A despeito de ser o entendimento minoritário até o momento, defende-se que a posição no sentido de que as imunidades formais previstas no art. 53 da Constituição Federal estendem-se aos Deputados Estaduais deve prevalecer. Essa conclusão decorre de regra específica prevista na Constituição Federal (art. 27, § 1º). É que o art. 27, § 1º, do texto Constitucional de 1988, prevê expressamente que se aplicam aos Deputados Estaduais, dentre outras garantias e vedações, as regras sobre inviolabilidade e imunidade. Inclusive, depreende-se do dispositivo em questão que o Texto Constitucional traz a palavra inviolabilidade destacada da palavra imunidade, o que leva a inferir que, além da imunidade material - consistente na chamada ''inviolabilidade'' - inequivocamente - o Parlamentar estadual conta também com a imunidade formal, que impede a prisão ou sua manutenção, em casos de flagrante de crime inafiançável. Daí por que não há como dizer que a sistemática das imunidades dos Deputados Estaduais é diversa daquela conferida aos Congressistas. Destarte, conforme bem pontuado pelo Ministro Celso de Mello durante o julgamento das medidas cautelares, infere-se que ''as normas referentes à imunidade foram estendidas aos parlamentares estaduais por determinação da Assembleia Nacional Constituinte''.

É de se dizer, por fim, que, por mais reprovável que a possibilidade de revogação de prisão por parte da deliberação das Assembleias Legislativas possa parecer, encontra-se legitimada por uma regra constitucional. E, aqui, vale lembrar o Ministro Aurélio Mello quando diz que ''a sociedade almeja e exige a correção dos rumos, mas esta há de acontecer sem açodamento, Não se avança culturalmente fechando a lei das leis da República, que é a Constituição Federal''.

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*Carol Clève é advogada, mestre em Ciência Política, professora de Direito Constitucional e Eleitoral e sócia do escritório Clèmerson Merlin Clève - Advogados Associados.

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