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Uso excessivo de algemas, por Eudes Quintino

Uso excessivo de algemas

É indiscutível que, se aquele a ser detido for perigoso ou apresentar periculosidade no ato, não só voltada contra o policial responsável pela diligência, como também para os particulares que, geralmente, curiosos, postam-se como fanáticos assistentes, justifica-se o uso de algemas.

domingo, 28 de janeiro de 2018

Atualizado em 26 de janeiro de 2018 12:27

Causou certa indignação e até mesmo repúdio para uma boa parte de leitores, com muitos comentários nas redes sociais, a utilização de algemas nos pulsos e tornozelos do ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, quando encaminhado para ser submetido a exame de corpo de delito, no Instituto Médico Legal de Curitiba. A imprensa, além de filmar e fotografar, noticiou fartamente a matéria. É comum assistir a realização de prisões de pessoas que gozam de prestígio público por terem exercido cargos relevantes, feitas com alardeamento exagerado, até mesmo com a convocação da mídia para que registre o instante solene da imposição das algemas. É a simbologia do encarceramento, que vai ao encontro da etimologia da palavra, com o significado de pulseira, instrumento utilizado para prender.1 Muitos detidos procuram até utilizar qualquer vestimenta para ocultar o aprisionamento com ferros, isto quando são atados aos pulsos. Se forem nos tornozelos, impossível. Mas, de qualquer forma, dá-se a impressão que o preso é apresentado como se fosse uma caça abatida.

A respeito do tema, o artigo 199 da Lei de Execução Penal (lei 7210, de 11/7/84), estabelece a obrigatoriedade da normatização do emprego de algemas por decreto federal, assim como, no artigo 40 do mesmo diploma, impõe a todas as autoridades o respeito à integridade física e moral dos condenados e presos provisórios, endossado posteriormente pelo preceito constitucional previsto no artigo 5º, XLIX, da CF e reiterado no artigo 38 do Código Penal. O Código de Processo Penal, por sua vez, adverte no artigo 284, que não será permitido o emprego de força, salvo a indispensável no caso de resistência ou de tentativa de fuga do preso. O mesmo estatuto penal, em seu artigo 474, § 3º, determina que não será permitido o uso de algemas no acusado durante o período em que permanecer no plenário do júri, salvo se absolutamente necessário à ordem dos trabalhos, à segurança das testemunhas ou à garantia da integridade física dos presentes. Ainda no artigo 478, I, do mesmo Código, as partes não poderão, sob pena de nulidade, fazer referências ao uso de algemas como argumento de autoridade, que beneficiem ou prejudiquem o acusado. O Código de Processo Penal Militar, por seu turno, recomenda que o uso de algemas deva ser evitado, a não ser que ocorra perigo de fuga ou agressão por parte do preso (art. 234, § 1º) e, terminantemente, proíbe seu emprego nos presos com direito à prisão especial, nos termos do art. 242 do mesmo estatuto.

Mesmo no período em que não se tinha ainda uma legislação específica sobre o uso de algemas, as jurisprudências do STJ e STF vinham se firmando no sentido de que a utilização de algemas passa a ser legitimada para realizar a prisão, mas somente em casos em que há perigo de fuga ou reação indevida do preso. Assim está explicitado na súmula vinculante 11 do STF: lei. O uso de algemas só é lícito em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros".

O decreto 8.858/16, veio cobrir a lacuna legislativa e elencou as normas a respeito da regulamentação do emprego de algemas, tendo como suporte constitucional o princípio da dignidade da pessoa humana e a proibição de submissão ao tratamento degradante e desumano da pessoa presa. Assim, como que repetindo os dizeres da súmula vinculante 11, permite o uso de algemas nas seguintes hipóteses: a) no caso de resistência à prisão; b) quando ocorrer fundado receio de fuga do preso; c) quando ocorrer perigo à integridade física própria ou alheia, causado pelo preso ou por terceiros; d) em qualquer caso deve ser justificada e fundamentada a excepcionalidade da medida por escrito.

Acrescentou, ainda, a vedação do emprego de algemas em mulheres presas em qualquer unidade do sistema penitenciário durante o trabalho de parto, no trajeto da parturiente entre a unidade prisional e a hospitalar e, após o parto, durante o período de hospitalização.

É indiscutível que, se aquele a ser detido for perigoso ou apresentar periculosidade no ato, não só voltada contra o policial responsável pela diligência, como também para os particulares que, geralmente, curiosos, postam-se como fanáticos assistentes, justifica-se o uso de algemas. Não para execração pública do cidadão, mas sim para cumprimento da diligência policial e garantir a segurança necessária, incluindo aqui também a do próprio conduzido.

Parece que no caso em comento, pelo menos de acordo com os vídeos existentes, não se encontravam os motivos determinantes para o uso de algemas, nem da corrente atada aos pés do preso. Mas, por se tratar de um ato de exceção, vez que o status libertatis é a regra, exige-se, em homenagem aos princípios da motivação judicial e da ampla defesa, que a decisão seja fundamentada e explicite os motivos pelos quais o preso deve permanecer algemado, em plena coincidência com o decreto, sob pena da aplicação da Lei de Abuso de Autoridade (lei 4898/65). Daí providencial e justificada a atitude dos juízes da Lava-Jato que solicitaram explicação para a conduta excepcional, junto à Polícia Federal.

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1 Algema (al-lijam) em árabe significa ferro com o qual se prende alguém pelos pulsos. Em árabe denominado como cabresto de cavalo. (in Letras e Histórias, mil palavras árabes na língua portuguesa, de Assaad Zaidan. EDUSP, 2010, p. 152).

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp.

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