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Convenção 189 da OIT sobre o trabalho decente para as trabalhadoras e os trabalhadores domésticos

Por que o Brasil se engajou tanto nos últimos anos para implementar uma situação mais digna aos trabalhadores domésticos se até final de 2017 nem decreto legislativo sobre a Convenção de 189 da OIT existia?

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Atualizado em 21 de fevereiro de 2018 09:07

No dia 31 de janeiro de 2018 foi anunciado que o Governo brasileiro havia depositado, em Genebra, na Suíça, o instrumento formal de ratificação da Convenção 189 da OIT sobre o trabalho decente para as trabalhadoras e trabalhadores domésticos, sendo o ato celebrado por nossa embaixadora brasileira como "um passo importante para o reconhecimento da contribuição das trabalhadoras e trabalhadores domésticos na economia moderna."

Desde 2010, após inúmeras discussões provenientes acerca do que seria um trabalho digno e, da constante preocupação com as frequentes violações de direitos humanos e dos direitos fundamentais do trabalho nos casos de profissionais dessa área, a Comissão do Trabalho Doméstico, criada no próprio âmbito da OIT, encaminhou proposta do projeto do tratado ao pleno da Conferência Internacional do Trabalho, sendo votada em 16 de junho de 2011.

A aprovação foi ampla: 396 votos a favor, 16 votos contra e 63 abstenções, o que significa dizer que a convenção foi aprovada por 83% dos delegados presentes conforme informações da OIT, um grande êxito e uma significativa mudança de paradigma.

Atualmente, países como Alemanha, Bélgica, Chile, Suíça, Irlanda, dentre outros, ratificaram a Convenção 189 da OIT, sendo o Brasil o 25º Estado membro da OIT e o 14ª Estado membro da região das Américas a integrar esse rol.

Contudo, diante do referido acontecimento e suas implicações no âmbito nacional e internacional, torna-se basilar especificarmos qual o significado da ratificação de um tratado internacional em nosso ordenamento jurídico.

Ao julgar a ADIn 1480, o STF reconheceu que a internalização dos tratados no Brasil é um ato subjetivamente complexo, pois exige a conjugação de vontade de dois Poderes: Executivo e Legislativo. No direito brasileiro, a incorporação dos tratados internacionais é composta precisamente de quatro etapas.

A primeira etapa consiste na negociação e assinatura do tratado. As negociações nada mais são do que as inúmeras discussões que auferem a criação do projeto de tratado e a assinatura é um ato formal que coloca fim às negociações, havendo aceitação do Estado signatário (leia-se aquele que assinou) a redação do texto do tratado.

Tanto a negociação quanto a assinatura são competência privativa do presidente da República, segundo consta no art. 84, inciso VIII da CRBF/88. Todavia, apesar da competência do presidente da República ser indelegável, este pode fazer-se representar por plenipotenciários, que são representantes que poderão participar das etapas do tratado substituindo o presidente da República.

A decisão definitiva do Tratado Internacional pelo Congresso Nacional equivale à segunda etapa de sua incorporação, quando este é enviado pelo Poder Executivo ao Legislativo. Também conhecida como referendo ou aprovação, inserto no art. 49, inciso I da CRFB/88, nesta etapa o Congresso Nacional submete o tratado à votação e, havendo aprovação, expede um decreto legislativo.

Ao referendar o tratado, o Congresso Nacional não poderá alterar sua redação, respeitando o texto enviado pelo presidente da República, mas poderá aprovar determinadas restrições ao texto, denominadas de reservas, no momento da ratificação.

Importante frisar que o Congresso Nacional não ratifica e sim referenda. Para ratificar algo torna-se necessário já ter participado da negociação, o que não ocorre. Quem participa da negociação e ratifica é o presidente da República.

Muito se questiona acerca da obrigatoriedade e da importância que um tratado assinado e, no caso do Brasil, referendado, teria.

Diante dessas duas etapas ainda não há nenhuma imposição sobre o Estado signatário para que cumpra o tratado nem para que o presidente o ratifique (no caso do Brasil), por isso não poucas vezes, nos deparamos com inúmeros tratados de extrema importância, mas sem qualquer validade e eficácia.

Entretanto, ao nos defrontarmos com uma convenção da OIT o entendimento é diferente. De acordo com a doutrina majoritária, por força do disposto no artigo 19, parágrafo 5º do Acordo Constitutivo da OIT de 1946, interpretando-o de acordo com o nosso ordenamento jurídico, a decisão do Congresso Nacional, caso seja a favor do tratado, obriga o presidente da República a ratificá-lo e promulgá-lo, não havendo discricionariedade aqui.

Além disso, ainda há o prazo temporal de 1 ano ou, excepcionalmente, 18 meses para que o faça; na Convenção de 189 da OIT o decreto legislativo 172/17 foi aprovado em 5 de dezembro de 2017 e a ratificação do mesmo ocorreu em 31 de janeiro de 2018.

A ratificação de um tratado é a terceira etapa de internalização e da vigência internacional; nela o Estado emite seu consentimento em vincular-se aos termos contidos, deixando de ser um Estado signatário, passando a ser um Estado parte, sendo exatamente o que ocorreu com o Brasil, conforme mencionado no início do texto, estamos na nessa fase.

Por fim, a quarta etapa consta na promulgação interna do tratado, que conforme entendimento consolidado no STF é efetuada após a expedição de um decreto presidencial do presidente da República que reconhecerá internamente a vigência do tratado.

Desde a EC 72 de 2 de abril de 2013, ocorreram significativas mudanças no âmbito do trabalho doméstico, trazendo uma maior igualdade dos direitos trabalhistas ao aplicar o princípio da isonomia e ampliar o rol de direitos contidos no art. 7º, parágrafo único da CRFB/88.

Alguns direitos possuíram aplicação imediata, como a duração do trabalho normal não superior a 8 horas diárias e 44 horas semanais, adicional de hora extra de 50%, reconhecimento de convenção/acordo coletivo, aplicação das normas de higiene, saúde, segurança no trabalho e outros pendentes de regulamentação infraconstitucional como o seguro-desemprego, salário-família, auxílio creche etc.

Em um estudo divulgado em 2013 pela OIT, realizado em 117 países, o Brasil havia sido apontando como o país com maior número de trabalhadores domésticos no mundo, demonstrando a importância do tema para a nossa população.

Em 1º de junho de 2015, por meio da LC 150/15 a lei infraconstitucional surgiu e a eficaz extensão dos direitos dos domésticos, carente de regulamentação, se concretizou.

Uma pergunta pode surgir diante dos avanços acima mencionados: por que o Brasil se engajou tanto nos últimos anos para implementar uma situação mais digna aos trabalhadores domésticos se até final de 2017 nem decreto legislativo sobre a Convenção de 189 da OIT existia? Será que foi pura coincidência a ratificação da então Convenção?

A resposta é simples e tem como fundamento a data de 10 de maio de 1944, a qual originou a Declaração da Filadélfia ou Declaração dos Direitos Fundamentais do Trabalho, anexada em 1946 à Constituição da OIT. Basicamente, essa declaração condiciona que os Estados que ainda não sejam parte de uma convenção específica não deixem de proteger direitos mínimos relativos à convenção ou recomendações, caso contrário haveria uma afronta aos próprios princípios da OIT.

A Convenção de 189 da OIT recentemente ratificada é composta de 27 artigos e possui uma recomendação de nº 201 com 26 artigos. Disposições referentes à direitos humanos e direitos fundamentais do trabalho, proteção contra abusos, assédio e violência, condições de emprego equitativas e trabalho decente, jornada de trabalho, remuneração, inspeção do trabalho fazem parte de seu conteúdo.

A ratificação desse tratado demonstra que o Brasil respeita a OIT e seus princípios norteadores velando pela efetiva proteção dos direitos dos trabalhadores domésticos em nosso país.
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*Rachel Martinho Santos é advogada e pós-graduanda em Direito Processual na PUC.


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