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Da responsabilidade social da empresa nas relações de emprego

Rafael Cenamo Junqueira

A responsabilidade social nas relações de emprego ganhou significativa relevância com as alterações socioeconômicas e jurídicas decorrentes da realidade mundial atual. A globalização da economia e das relações humanas levou à conscientização de grande parte das empresas acerca da importância em propiciar ao trabalhador um ambiente laboral salutar e digno.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Atualizado em 23 de fevereiro de 2018 11:35

I. Introdução

O presente artigo traz como tema central a análise das responsabilidades inerentes ao Poder Público e à iniciativa privada, como forma de se atingir o princípio da dignidade da pessoa humana nas relações de emprego e, nesse sentido, se fixa mais detidamente no exame das normas constitucionais, ordinárias e internacionais, nos impasses relativos à sua aplicação e nas respectivas soluções doutrinárias e jurisprudenciais.

A responsabilidade social nas relações de emprego ganhou significativa relevância com as alterações socioeconômicas e jurídicas decorrentes da realidade mundial atual. A globalização da economia e das relações humanas levou à conscientização de grande parte das empresas acerca da importância em propiciar ao trabalhador um ambiente laboral salutar e digno.

As companhias brasileiras têm desenvolvido políticas direcionadas para o respectivo cumprimento de sua responsabilidade social, de modo a observar os dispositivos constitucionais, ordinários e internacionais vigentes, dentre os quais aqueles relativos à dignidade da pessoa humana, aos valores sociais do trabalho e à iniciativa privada.

Já se verifica na doutrina e jurisprudência entendimentos de que há uma limitação ao direito potestativo do empregador de rescindir o contrato de trabalho sem justa causa quando a empresa não fornece ao seu empregado um ambiente saudável para o respectivo exercício de suas funções.

Vale destacar, ainda, que a adoção pelo Brasil das convenções 111 e 117, ambas expedidas pela OIT, demonstra inequivocamente a intenção do Estado em formular uma política nacional que tenha por fim promover a isonomia de oportunidades e de tratamento em matéria de emprego.

O presente artigo também adentra nas competências concernentes ao Poder Público e à iniciativa privada, de modo a tecer apontamentos sobre a ineficácia do Estado no respectivo cumprimento de suas responsabilidades, o que acaba por gerar um acúmulo de obrigações e deveres às empresas.

Discorrer-se-á, portanto, sobre a responsabilidade social da iniciativa privada nas relações de emprego, de modo a se ater mais detidamente no estudo das normas constitucionais, ordinárias e internacionais vigentes, nos impasses relativos à sua aplicação e nas respectivas soluções doutrinárias e jurisprudenciais.

II. Do sistema econômico de governo e suas implicações

O capitalismo passou a se mostrar mais evidente como sistema econômico, social e político a partir do século XV, sendo marca preponderante desse modelo o jogo entre a oferta e a procura de mercadorias, decorrentes da livre concorrência entre aqueles que pretendem comercializar seus produtos.

Como o sistema capitalista é regido pela lógica do lucro, do ganho sobre o trabalho de outrem, via de regra, quem patrocinou a produção de determinada mercadoria, pondera sobre a taxa de lucro pretendida, de modo a respeitar, por óbvio, às condições de mercado. Teoricamente, aquele que oferece o produto mais adequado, agregado à melhor qualidade e preço, sagra-se vitorioso em uma concorrência.

No modelo capitalista de governo observa-se a existência de duas classes sociais, sendo uma que detém a posse do capital, denominada burguesia, e outra, que vende sua força de trabalho para o dono do meio de produção, o proletariado.

Outra característica típica do sistema capitalista é a ideia de propriedade privada, na qual todos, ao menos na teoria, encontram-se aptos a ter sua residência e outras posses, desde que, obviamente, se esforcem para tanto. A utilização privada das coisas é a tônica do capitalismo.

Veja o que o economista Paul Singer entende por capitalismo:

Quando se fala de 'capitalismo', pensa-se em capital e sobretudo em capitalista, sujeito rico, poderoso, em geral dono ou dirigente de empresa industrial, comercial ou banco. Mas 'capitalismo' sugere também enorme variedade de produtos que são estridentemente propagandeados pelos meios de comunicação de massa. Os símbolos atuais deste aspecto do capitalismo talvez sejam o automóvel e principalmente a televisão, que é meio de consumo e veículo de publicidade ao mesmo tempo.

Finalmente, capitalismo lembra também especulação, o jogo do dinheiro de que todos participam - seja o play boy que aplica na bolsa de valores, seja a dona de casa que armazena mercadorias vendidas em liquidação. Deste ponto de vista, o capitalismo se assemelha a um gigantesco cassino, em que pobres sonham com riqueza súbita, jogando no bicho ou na loto, ao passo que ricos acumulam afanosamente signos de valor (moedas, saldos bancários, títulos de dívida) à procura de uma segurança que jamais encontram.

(SINGER, Paul. O Capitalismo, 10ª ed., São Paulo: Moderna, 1993, p. 7)

E, ante o modelo econômico adotado pela Constituição Federal de 1988, qual seja, o capitalismo, a iniciativa privada desempenha papel de extrema relevância no desenvolvimento social, sendo cada vez mais evidente a preocupação das empresas com a manutenção de um ambiente laboral salutar aos seus empregados.

Tal fato se constata não somente pelo receio dos empresários com possíveis condenações no caso de ajuizamento de reclamações trabalhistas pelos empregados, mas principalmente pela conscientização de que, ao adotar práticas de proteção à segurança e medicina do trabalho, assim como incentivos ao bem-estar do trabalhador, ao término do mês, certamente estes terão laborado com mais vigor e empenho, o que, via de regra, será refletido no acréscimo do lucro do empreendimento.

Na realidade, antes da efetiva consolidação do modelo capitalista, restaram constatadas inúmeras discussões a respeito da conveniência sobre a adoção deste sistema econômico para o país, de modo a se considerar, para tanto, suas consequências positivas e negativas para a sociedade, notadamente quando comparadas aos ideais socialistas, consagrados na obra do Manifesto Comunista, publicado em 1848, por Karl Marx e Friedrich Engels.

Havia uma enorme dúvida sobre a conveniência ou não em se adotar o modelo capitalista de governo entre as nações. Engels e Marx propunham uma nova forma de sociedade, na qual seria abolida a propriedade privada, assim como a exploração do homem pelo homem, ou seja, o lucro.

Para estabelecer uma sociedade igualitária, a presença do Estado se faria necessária e este teria que ser controlado pelos proletários.

O ápice da discussão se deu com a denominada Guerra Fria, protagonizada pelas duas potências mais representativas de cada sistema, de um lado, os Estados Unidos da América, o qual defendia e apoiava a difusão pelo mundo do modelo capitalista e, de outro, não menos importante, a então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, que pregava o ideal socialista.

Com o término da Guerra Fria, em razão da fragilidade da implantação do modelo econômico socialista, o capitalismo acabou por ser adotado na enorme maioria das nações.

Especificamente no Brasil, o modelo econômico capitalista fora consagrado, entre outras, na Constituição Federal de 1988, que, em seu artigo 1º, inciso IV, expressamente reconhece, não apenas a iniciativa privada, mas principalmente os seus valores sociais, como um dos fundamentos do novo ordenamento jurídico pátrio.

E para que se tenha a real noção da importância social que uma empresa desempenha, não apenas nas relações de trabalho, como também, e principalmente, no desenvolvimento sócio econômico do país, imperioso se faz uma breve análise das previsões contidas na Magna Carta.

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*Rafael Cenamo Junqueira é sócio proprietário do escritório Cenamo Junqueira Advogados Associados.

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