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Evolução legislativa incentiva compliance na administração pública

No Brasil, a evolução legislativa recente tende a incentivar práticas de compliance na administração pública (vg, art. 6º, III, da lei 13.334/16) e entre as entidades privadas que com ela venham a se relacionar.

terça-feira, 13 de março de 2018

Atualizado em 9 de março de 2018 13:14

O significado metafórico dos verbos querer, poder e saber reedita, em ambiente de crise, como aquele em que se encontra o país, persistentes questões na relação ''novas soluções-velhos problemas'' da gestão pública brasileira.

Cada verbo corresponde a um dos três planos em que se desdobra toda ação humana - estratégico, gerencial e operacional -, e repercute na gestão dos serviços públicos. O verbo querer se apresenta no plano estratégico, que é aquele no qual se definem os princípios, conceitos e prioridades balizadores do planejamento, este a traduzir o que a sociedade, por meio de seus governantes, tem por desejável para o desenvolvimento e a qualidade de vida. O verbo poder se move no plano gerencial, para o fim de mobilizar os meios e distribuir as competências para manejá-los nas estruturas organizacionais, almejando a realização dos resultados previstos no planejamento estratégico. O verbo saber exprime o conhecimento necessário e as habilitações indispensáveis a fazer com que a estrutura atue e produza, com eficiência e eficácia, aqueles resultados, em tempo adequado.

Nenhum desses verbos corresponde a ações que, isoladamente, sejam capazes de alcançar os objetivos do bem comum que a ninguém exclua dos benefícios que a sociedade tenha por desejáveis e compartilháveis. O querer - a chamada ''vontade política'' -, sem o poder e o saber, não passa de voluntarismo inconsequente, ou, pior, de consequências desastrosas. O poder - que estrutura a governança, ou seja, as cadeias de comando -, sem o querer e o saber, nada mais é do que manifestação esgoística e prepotente, que desequilibra qualquer sistema. O saber - que responde pela governabilidade, ou seja, saber fazer acontecer -, sem o querer e o poder, desagua em anarquia e frustração.

É nesse cenário que se tem mostrado relevante o conceito de compliance, incorporado pela legislação brasileira mais recente (as leis de responsabilidade das pessoas jurídicas e o estatuto das empresas estatais) com o fim de tornar obrigatória, nas organizações públicas e privadas, a adoção de programas, técnicas e procedimentos de permanente acompanhamento da gestão, a partir, sobretudo, dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, que o art. 37 da Constituição da República adota como regentes da administração pública.

No âmbito das contratações do estado e de suas empresas - palco tanto de investimentos para o desenvolvimento quanto de ''propinas'' para o retrocesso -, a vigente Lei Geral das Licitações e Contratações (8.666/93), embora não faça referência expressa ao conceito, não deixou de se ocupar, em várias de suas disposições, com a transparência, a fiscalização e o controle das relações entre particulares e a administração pública, quando contratam a realização de compras, obras, serviços e alienações de objetos de interesse público. Faltaram-lhe, talvez, o foco sistêmico e o apoio tecnológico, embrionários na gestão pública brasileira do final do século XX.

Dá-se, agora, importância à certificação dos programas de integridade (compliance) pelo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU), de modo a qualificá-los com o selo Pró-Ética. É de esperar-se que os certificadores atentem para a efetiva combinação do querer (vontade política), do poder (governança) e do saber (governabilidade). Diante do número de empresas inscritas (195) e daquelas contempladas com o selo (25), em 2016, percebe-se que há muito a avançar em matéria de boas práticas de gestão, envolventes daqueles três verbos harmonicamente integrados.

No horizonte internacional, normas de natureza legislativa e administrativa propõem a sistematização do tema. A título ilustrativo, confira-se, nos Estados Unidos, a FCPA (Foreign Corrupt Practices Act), de 1977, bem como a Sarbanes-Oxley Act, de 2002, editadas em resposta a diversos escândalos envolvendo corrupção corporativa com repercussão na esfera pública.

No Brasil, a evolução legislativa recente tende a incentivar práticas de compliance na administração pública (vg, art. 6º, III, da lei 13.334/16) e entre as entidades privadas que com ela venham a se relacionar. Soa como um caminho viável, no projeto que tramita no Congresso Nacional para atualizar a lei 8.666/93, incluir, como requisito para contratar com o poder público, que a empresa licitante tenha implantado programa de compliance certificado pelo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU) com o selo Pró-Ética, a impulsionar a efetividade dos princípios que norteiam a atividade pública entre os órgãos públicos e as empresas que com eles venham a contratar, todos adotantes de melhores práticas de governança corporativa. A menos que se tema que a emissão do selo venha a inaugurar outro nicho de tratamento favorecido...

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*Thaís Boia Marçal é advogada do escritório Lobo & Ibeas Advogados.

*Jessé Torres Pereira Junior é desembargador do TJ/RJ.

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