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A corrupção como tema global: a busca por integridade planetária na OCDE em Paris, no ano de 2018

Bárbara Luiza Coutinho do Nascimento e Alexandre Rodrigues de Oliveira

Cada uma das palestrantes apresentou exemplos de grandes escândalos de corrupção em seus países natais.

sexta-feira, 4 de maio de 2018

Atualizado às 09:07

"Integridade Planetária não é um sonho distante, é uma necessidade urgente. Nossos cidadãos estão perdendo a fé"1. Com essas palavras o Secretário Geral da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, Angel Gurría, abriu, nos dias 27 e 28 de março de 2018, o "6th OECD Global Anti-Corruption & Integrity Forum", na sede da Organização que chefia, em Paris. Com quase 2.000 participantes de diversos países, o fórum multidisciplinar visou a debater como uma cultura de integridade pode cultivar um campo igualitário nos negócios, reduzir desigualdades econômicas e tornar políticas públicas mais efetivas, melhorando os benefícios da globalização para todos.

O subtítulo escolhido para essa edição foi "Integridade Planetária: Construindo Uma Sociedade Mais Justa". À abertura de Angel Gurría, seguiu-se o painel de líderes, integrado por Katrín Jakobsdóttir (Primeira Ministra da Islândia), Erna Solberg (Primeira Ministra da Noruega), Gabriela Michetti (Vice-Presidente da Argentina) e Frans Timmermans (Primeiro Vice-Presidente da Comissão Europeia ou, como o próprio denominou-se em sua exposição, "um daqueles burocratas sem rosto não-eleitos").

O último destacou que "ou a pessoa é honesta ou não é": não há meio termo no campo da integridade. Complementou que não há um país da união europeia que não tenha problema com integridade ou corrupção, pois se trata de uma questão endêmica, da natureza humana, cujo enfrentamento deve ser contínuo.

Por isso, propôs aos ouvintes a adoção das medidas de transparência que a Comissão Europeia toma: seja transparente com quem você se encontra, mantendo o registro público de todas as pessoas com as quais você se reuniu e o que vocês discutiram; seja transparente com o que você escreve; mostre o que você faz, como você age; tenha certeza de que há total acesso público aos documentos que você produz. Segundo Timmermans, transparência traz maior segurança para o que você faz e, caso você cometa equívocos, ela garantirá que eles sejam corrigidos.

O palestrante afirmou ainda que "como qualquer outro ser humano, um político não quer ir para a cadeia, mas como qualquer outro ser humano, um político deve ser levado à justiça." Insistiu no fato de que uma cultura de democracia é elemento essencial na luta contra a corrupção e pela manutenção da integridade, pois se ao perder uma eleição as pessoas acreditarem que não mais existirão na esfera pública e serão excluídas do debate, uma vez no poder elas farão de tudo para nunca mais perder uma eleição, incluindo fraudá-las, evitar a justiça, ser corrupto e cooptar forças econômicas por meios corruptos. A democracia exige respeito aos que perderam a eleição e a justiça é um elemento essencial da democracia. Conclui o orador que se um contrato social não mais entregar justiça, o povo irá rasga-lo.2

Aos palestrantes supra referidos juntou-se Delia Ferreira Rubio, presidente da Transparência Internacional. Esta proferiu uma citação que rapidamente se espalhou pelas redes sociais:

"Uma coisa que continuamente escutamos de políticos é que eles estão comprometidos com a luta contra a corrupção. Minha impressão é de que eles estão cientes do que corrupção significa, mas não estão muito cientes do que compromisso significa."3

Gabriela Michetti arrancou risos da plateia ao notar que tanto a mesa como o auditório era integrado, em sua maioria, por mulheres, insinuando que estas seriam mais dedicadas ao combate à corrupção do que os homens.

Cada uma das palestrantes apresentou exemplos de grandes escândalos de corrupção em seus países natais.

Concluído o primeiro painel, tiveram início as sessões paralelas. No meio do hall que conectava as salas de conferência, um enorme barco de madeira representava a globalização, e eram expostos pôsteres de pesquisa de jovens acadêmicos de toda a parte do mundo, vencedores de uma competição capitaneada pela OCDE.

O painel jurídico sobre soluções extrajudiciais para casos de propina internacional foi o mais badalado, com pessoas sentadas no chão para assisti-lo.

Os demais painéis caracterizavam-se por possuir como palestrantes, em regra, um representante governamental, um representante do setor privado, um representante da sociedade civil organizada, um jornalista e um acadêmico, com algumas variações.

No mar de informações relevantes e atuais, bem como debates sobre pesquisas de ponta, alguns tópicos merecem destaque.

Foi lançada a publicação insights comportamentais para a integridade pública4, que concluiu que:

I) integridade é uma questão de escolha do ser humano, devendo este fator comportamental ser considerado quando da elaboração de políticas públicas;

II) não é tudo sobre controle e enforcement, uma vez que o excesso de controle pode desmotivar as pessoas. A confiança é um caminho mais efetivo;

III) não existem super-homens éticos: existem incontáveis formas de tomar uma decisão imoral;

IV) a culpa é menor quando a responsabilidade é difusa: decisões compartilhadas e publicidade de informações não garantem escolhas éticas.

Resumidamente, a ideia é que as escolhas morais não são garantidas ou pré-determinadas, mas sim dependem das situações pontuais, estando sujeitas a erros e julgamentos equivocados. Quando, contudo, essas escolhas ruins são feitas por líderes políticos, as consequências são catastróficas. A repetição de tal conduta ao redor do mundo gera o declínio da confiança pública nas instituições políticas e governamentais. Dessa forma, abordagens tradicionais a instituições falham, pois ignoram o fator humano que está na base de qualquer processo decisório.

Igualmente inovador foi o painel sobre educação para a integridade5, que destacou a importância do preparo das próximas gerações não apenas nas escolas como também dentro das famílias, nos esportes coletivos e até mesmo nos livros infantis.

A discussão acerca do papel da mídia e do jornalismo investigativo centrou-se na liberdade de imprensa, na proteção aos whistleblowers, no acesso à informação e na abertura de dados.

A questão dos dados abertos foi objeto de painel específico, no qual frisou-se que não é suficiente divulgar documentos públicos online, devendo também ser sistematizada a sua interpretação.

O tema também foi abordado em duas apresentações estilo TED Talk de acadêmicas brasileiras vencedoras da competição de jovens pesquisadores: a Promotora de Justiça Bárbara Luiza Coutinho do Nascimento apresentou estudo sobre o uso de aplicativos da web para combater a corrupção, analisando o caso do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, enquanto a pesquisadora da FGV Ana Luiza Aranha apresentou um mapa do fluxo do controle da corrupção no Brasil, destacando as instituições federais.

A pesquisa do psicólogo israelense Dar Peleg, "Testando Robin Hood em um Detector de Mentiras", revelou que um maior número de pessoas tende a achar que um ato de corrupção é justificável quando acreditam que ele beneficiará a coletividade, e não justificado quando visa ao enriquecimento pessoal.

Quinze outras pesquisas acadêmicas foram apresentadas, de diversas partes do mundo. Todos os trabalhos podem ser acessados no site do fórum, clique aqui, assim como os pôsteres de pesquisa expostos.

Ouvimos a lava-jato ser citada apenas uma vez - pela própria Delia Ferreira Rubio, em painel específico sobre corrupção em empresas públicas.

Dessa forma, especialmente para o Brasil, acreditamos que as seguintes lições podem ser tiradas:

1) Sim, a lava-jato é uma operação importante, contudo não é o centro do debate acerca do tema da corrupção no mundo. Cada representante de cada um dos diferentes países possuía ao menos um exemplo de um grande escândalo de corrupção da sua nação para contar. O tema central, portanto, é a integridade pública;

2) Empresas e organizações do setor privado precisam assumir um papel mais ativo quanto ao compliance;

3) Precisamos ensinar valores de integridade aos nossos jovens. O debate acerca da corrupção deve ocorrer nas escolas desde a idade mais tenra, bem como nos espaços de interação, como durante a prática de esportes, e dentro da própria casa. A experiência intergeracional deve ser valorizada;

4) A confiança dos cidadãos nas instituições públicas deve ser reconstruída, o que pressupõe transparência efetiva, com abertura de dados e documentos públicos;

5) Funcionários públicos devem ser não apenas cobrados, como também recompensados por sua honestidade. Em que pese ser um dever do servidor, os estudos indicam que o reforço do fator psicológico gera resultados preventivos positivos;

6) Servidores públicos designados para o combate à corrupção devem possuir uma integridade impecável. Não pode haver dúvida acerca de suas motivações ou de seus históricos funcionais, que não podem possuir o mínimo indício de desvio;

7) E o principal: precisamos desenvolver uma cultura de integridade em todas as esferas da sociedade. Como disse C.S. Lewis, integridade é fazer a coisa certa mesmo quando ninguém está olhando. Integridade é fazer a coisa certa mesmo quando ela não é conveniente para nós. Integridade é escolher agir dentro das regras do jogo, mesmo quando pensamos que podemos contorna-las sem sofrer consequências jurídicas, econômicas, sociais ou morais.

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1 2018 OECD Global Anti-Corruption & Integrity Forum: Planet Integrity: Building a Fairer Society

2 Day 1 - 2018 OECD Global Anti-Corruption & Integrity Fórum

3 HIGHLIGHTS

4 Behavioural Insights for Public Integrity

5 Education for Public Integrity

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*Bárbara Luiza Coutinho do Nascimento é promotora de Justiça do MPRJ. Mestre em Direito pela Uerj.

*Alexandre Rodrigues de Oliveira é Juiz de Direito do TJRJ. Especialista em Direito pela Emerj.

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