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A ordem cronológica dos pagamentos e o descumprimento por parte do Poder Público

Ricardo Dalle

Em linhas gerais, pode-se afirmar que nos valores devidos pelo ente público há uma parcela que contempla justamente sua ineficiência e os prejuízos causados aos contratados.

quinta-feira, 21 de junho de 2018

Atualizado em 12 de junho de 2018 11:23

Não é de hoje que fornecedores sofrem com a inadimplência do poder público, ocasionada, muitas vezes, por má gestão e falta de planejamento com as contas. Certamente a situação se agrava em virtude da crise econômica que assola o país bem como por frustração de receitas.

Com relação aos que contratam com o ente público, o não recebimento de suas faturas, acarreta, em muitas ocasiões, a quebra da empresa e a consequência de não cumprir seus compromissos trabalhistas, fiscais e comerciais, prejudica ainda terceiros diretamente afetados pelo calote do Estado. Do outro lado, mesmo sem estar tão evidente à primeira vista, a administração também sofre com seu próprio inadimplemento. Inicialmente, pelo fato de os licitantes que poderiam oferecer propostas mais vantajosas, não o fazerem, justamente por vislumbrar a ocorrência de desequilíbrio econômico-financeiro insustentável ao longo do contrato. Acabam optando, portanto por não concorrer ou mesmo oferecer preço que já contemple compensações por eventuais prejuízos, ou seja, em razão de não honrar seus compromissos bem como pela ausência de credibilidade, a administração, em regra, paga mais caro.

Em linhas gerais, pode-se afirmar que nos valores devidos pelo ente público há uma parcela que contempla justamente sua ineficiência e os prejuízos causados aos contratados. Não se pode esquecer que, em razão do calote sofrido, muitas vezes os particulares acabam por procurar o Poder Judiciário, ingressando com ações que pleiteiam a cobrança do valor em aberto. Ocorre que, em razão da morosidade da justiça, os créditos que poderiam ser quitados administrativamente, muitas vezes, se multiplicam, pois sofrem correção e juros, tornando, assim, mais custoso ao Estado.

No bojo do tema referente à inadimplência contumaz do poder público, que põe os contratados como reféns dos servidores, cumpre ressaltar o que estabelece o artigo 5º da Lei de Licitações - 8.666/93 - cujo teor determina que a administração, no pagamento de suas obrigações contratuais, deve obedecer, para cada fonte de recurso, a estrita ordem cronológica de suas exigibilidades, salvo quando presentes relevantes razões de interesse público e mediante prévia justificativa da autoridade competente, devidamente publicada. Este dispositivo é uma importante ferramenta para que os particulares possam exigir que a administração honre seus compromissos.

A redação apontada estabelece que a administração deve seguir uma linha do tempo para adimplir suas obrigações, o que significa que se o gestor der o calote em determinada empresa, estaria impedido de contratar outra, utilizando-se da mesma fonte de recurso. No entanto, na prática, certamente não é o que visualizamos, pois é comum que, em virtude da ausência de pagamento superior a noventa dias - artigo 78, inciso XV da lei 8.666/93 - haja a rescisão contratual entre o Poder Público e a empresa "X", mas, logo em seguida o mesmo órgão promova o início de processo para contratação de outro particular, do mesmo ramo de atividade daquele que ficou sem receber.

Portanto, se não houver justificativas razoáveis, conforme dispõe o artigo 5º da legislação aqui comentada, a realização de pagamentos de acordo com o interesse dos agentes administrativos fere de morte os princípios da administração pública, especialmente os da impessoalidade e da moralidade.

Por fim deve-se atentar que, em regra, o descumprimento da ordem cronológica de pagamento sugere medidas punitivas por parte dos órgãos de controle, os quais visam requerer a responsabilidade dos agentes administrativos envolvidos, inclusive de natureza penal, como expõe o artigo 92 da Lei de Licitações.

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*Ricardo Dalle é sócio fundador do escritório Coelho & Dalle Advogados.

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