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A promessa e a Constituição

Não podemos, com efeito, deixar de prestar atenção no que é factível ou não nos discursos dos candidatos à luz do texto da Constituição.

terça-feira, 21 de agosto de 2018

Atualizado em 26 de setembro de 2019 17:00

Candidatos a presidente têm feito promessas do tipo que aqui no Piauí chamamos de barro na parede: "se colar, colou". A ideia é levar o eleitor à crença de que tudo, mas tudo mesmo, pode ser feito pelo presidente da República, desde manter presos todos os que delinquirem até reduzir juros ou liberar o porte de armas indistintamente. Obviamente que tem muita gente prometendo o que não pode cumprir.

Para começo de conversa, quando empossado, o presidente da República presta o seguinte juramento: "Manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil." Ou seja, antes de mais nada, é preciso defender e cumprir a Constituição.

O cumprimento da Constituição implica saber que o presidente da República pode muito, mas não pode tudo. Os termos de sua autoridade estão bastante claros no Capítulo II (dos artigos 76 a 91) da Carta Magna. Todos os dispositivos ali contidos mantêm diálogo de saudável interdependência com os demais poderes, de modo a criar um sistema de contrapesos que limite o poder presidencial, harmonizando-o com outras instâncias de poder.

Muita gente considera sua escolha presidencial, levando em consideração o fato de o concorrente se declarar disposto a levar a efeito promessas ou propostas em total desacordo com a Constituição Federal. Um exemplo: estabelecer a pena de morte. Há um impeditivo constitucional para tanto (Art. 5º - (...): XLVII), que para muitos juristas é cláusula pétrea, ou seja, aquela que somente pode ser alterada, acrescida ou removida num novo texto constitucional.

O ponto, com efeito, é pode ser somente uma cortina de fumaça o rol de promessas e propostas feitas sem a devida observância de seu enquadramento constitucional. Não podemos, com efeito, deixar de prestar atenção no que é factível ou não nos discursos dos candidatos à luz do texto da Constituição.

Afora a questão mais ampla das vedações constitucionais à ação do presidente, convém observar questões relacionadas à lei. Não nos esqueçamos do juramento presidencial relacionado à legalidade do exercício da função. Neste ponto cabe-nos recordar o princípio basilar do Direito Administrativo: tudo o que estiver previsto em lei pode ser feito, o que não tiver previsão legal é vedado ser feito.

Parece elementar que se diga algo de modo tão simplista, mas é razoável, por exemplo, que um candidato a presidente da República saia por aí prometendo realizar coisas sem o devido amparo legal. Há uma normatização infraconstitucional que felizmente incapacita o Executivo federal a fazer tudo o que lhe der na telha. Isso é um mecanismo protetivo à sociedade - que evita certamente um político de plantão na Presidência de agir a seu bel prazer.

O Estado de direito até admite que uma vez em campanha uma pessoa possa prometer mundos e fundos ou bem mais que isso. Porém, esse mesmo Estado de direito assegura que uma vez eleito, o dirigente não se guie por suas palavras, mas pelos textos legais que ele jura defender e cumprir ao ser empossado.
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*Álvaro Fernando da Rocha Mota é advogado, procurador do Estado, ex-presidente da OAB-PI, mestre em Direito pela UFPE, presidente do Instituto dos Advogados Piauienses e atual presidente do Colégio de Presidentes dos Institutos dos Advogados do Brasil.

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