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A candidatura à CIPA durante o afastamento previdenciário e o abuso de direito

O direito cessa onde o abuso começa e não se pode admitir o uso abusivo de um direito, qualquer que seja, mesmo os conferidos por lei, pela razão irrefutável de que um ato não pode ser ao mesmo tempo conforme o direito e contrário a ele.

quarta-feira, 22 de agosto de 2018

Atualizado em 26 de setembro de 2019 17:42

A Comissão Interna de Prevenção de Acidentes tem como função primordial garantir que políticas de prevenção de acidentes sejam implantadas nas empresas e que haja comprometimento do empregador e dos trabalhadores em discuti-las e torna-las eficazes.

A comissão tripartite do Ministério do Trabalho e Emprego, que escreveu e homologou a Norma Regulamentadora-5, tinha como objetivo garantir que os cipeiros, principalmente os eleitos, pudessem promover a segurança e prevenção dos acidentes nas empresas, ou seja, a CIPA tem por objetivo intrínseco a proteção ao maior bem jurídico do ser humano que é a vida, bem este tutelado pela Constituição Federal em seu artigo 5º.

Fica cristalino que para que esse exercício ocorra de forma efetiva é fundamental que os representantes eleitos pelos trabalhadores exerçam ostensivamente o múnus para o qual foram confiados, sob pena de quebra de confiança dos empregados que os elegeram e violação as regras da Norma Regulamentadora, bem como da Carta Magna.

Nessa linha de intelecção, surge a controvérsia se o empregado em gozo de benefício previdenciário, seja ele de natureza ocupacional ou não, que está com seu contrato de trabalho suspenso pode se candidatar à CIPA.

Sobre esse aspecto específico, não há na legislação brasileira qualquer proibição expressa nesse sentido. Todavia, com o seu afastamento do labor surge um óbice de natureza prática à execução das tarefas do cipeiro, conquanto o afastamento pressupõe repouso e tratamento a fim de restabelecer a capacidade de trabalho. Parece-nos, salvo melhor juízo, que o empregado incapaz de desempenhar suas atividades rotineiras é, por via de consequência, incapaz de acompanhar os desdobramentos das políticas de segurança do trabalho implementadas na empresa e mais incapaz ainda de intervir nas ocasiões em que um cipeiro ordinário é convocado a agir e, portanto, não conseguirá cumprir com legitimidade as atribuições definidas no item 5.16 da NR-05, que prevê os deveres do membro da CIPA:

a) identificar os riscos do processo de trabalho, e elaborar o mapa de riscos, com a participação do maior número de trabalhadores, com assessoria do SESMT, onde houver; b) elaborar plano de trabalho que possibilite a ação preventiva na solução de problemas de segurança e saúde no trabalho; c) participar da implementação e do controle da qualidade das medidas de prevenção necessárias, bem como da avaliação das prioridades de ação nos locais de trabalho; d) realizar, periodicamente, verificações nos ambientes e condições de trabalho visando a identificação de situações que venham a trazer riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores; e) realizar, a cada reunião, avaliação do cumprimento das metas fixadas em seu plano de trabalho e discutir as situações de risco que foram identificadas; f) divulgar aos trabalhadores informações relativas à segurança e saúde no trabalho; g) participar, com o SESMT, onde houver, das discussões promovidas pelo empregador, para avaliar os impactos de alterações no ambiente e processo de trabalho relacionados à segurança e saúde dos trabalhadores; h) requerer ao SESMT, quando houver, ou ao empregador, a paralisação de máquina ou setor onde considere haver risco grave e iminente à segurança e saúde dos trabalhadores; i) colaborar no desenvolvimento e implementação do PCMSO e PPRA e de outros programas relacionados à segurança e saúde no trabalho; j) divulgar e promover o cumprimento das Normas Regulamentadoras, bem como cláusulas de acordos e convenções coletivas de trabalho, relativas à segurança e saúde no trabalho; l) participar, em conjunto com o SESMT, onde houver, ou com o empregador, da análise das causas das doenças e acidentes de trabalho e propor medidas de solução dos problemas identificados; m) requisitar ao empregador e analisar as informações sobre questões que tenham interferido na segurança e saúde dos trabalhadores; n) requisitar à empresa as cópias das CAT emitidas; o) promover, anualmente, em conjunto com o SESMT, onde houver, a Semana Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho - SIPAT; p) participar, anualmente, em conjunto com a empresa, de Campanhas de Prevenção da AIDS.

Além do mais, para ser integrante da CIPA é necessário comparecimento em reuniões periódicas ou extraordinárias, além de uma participação efetiva. Inclusive, o membro titular que faltar imotivadamente por quatro reuniões da comissão, as quais devem ser realizadas mensalmente, perderá o mandato e consequentemente a estabilidade, conforme prevê o item 5.30 da NR em comento.

Assim, apesar de não haver proibição legal para candidatura, é nítido que o empregado com contrato de trabalho suspenso não cumprirá as atribuições da CIPA exigidas pela NR5, pois em gozo de tratamento médico.

Todavia, é muito comum na seara laboral a candidatura à Comissão com o objetivo primordial de auferir a estabilidade que goza o cipista, sem, contudo, haver preocupação com o regular desenvolvimento das suas atividades. Sobre esse assunto já se posicionou o TST:

Não faria sentido a concessão de estabilidade a membro da comissão que não desempenha as atividades inerentes a ela e sequer comparece às reuniões.

Processo: AIRR - 3040-74.2006.5.15.0086 - Fase Atual: Numeração antiga: AIRR - 30/2006-086-15-40.9 Número no TRT de Origem: AI-3040/2006-0086-15.40 Órgão Judicante: 2ª Turma Relator: ministro Renato de Lacerda Paiva1

O que se deve evitar a todo custo é o abuso de direito à candidatura para participar da Comissão, haja vista que a saúde debilitada ocasiona, por consequência, o desempenho irregular do seu mister.

É ilegítimo o exercício de um direito quando o titular excede manifestadamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social desse direito, sendo considerado ato ilícito nos termos do artigo 187 do Código Civil.

O direito cessa onde o abuso começa e não se pode admitir o uso abusivo de um direito, qualquer que seja, mesmo os conferidos por lei, pela razão irrefutável de que um ato não pode ser ao mesmo tempo conforme o direito e contrário a ele.

O abuso de direito ocorre quando o agente, atuando dentro das prerrogativas que o ordenamento jurídico lhe concede, deixa de considerar a finalidade social do direito subjetivo e, ao utilizá-lo desconsideradamente causa dano a outrem. Nesse sentido, Paulo Nader2 afirma que "é espécie de ato ilícito, que pressupõe a violação de direito alheio mediante conduta intencional que exorbita o regular exercício de direito".

Da mesma forma, decidiu o STJ:

(...) Assim é o titular do direito subjetivo que se desvia do sentido teleológico (finalidade ou função social) da norma que lhe ampara (exercendo aos limites do razoável) e, após ter produzido em outrem uma determinada expectativa, contradiz seu próprio comportamento, incorre em abuso de direito encartado na máxima nemo potest venire cantra factum proprium.

STJ, 1ª seção, RESP nº 1.143.2016- RS, Rel. min. Luiz Fuz, j. 09 de agosto de 2010.

Ausente das funções da CIPA, incorrerá o cipista em negligência de atuação, podendo ser responsabilizado civil e criminalmente em caso, por exemplo, de um acidente do trabalho na empresa, pois impossibilitado de agir para prevenir ou evitar o evento danoso.

Ora, a candidatura deve se pautar na conveniência e no bom senso, pois o objetivo da CIPA é a fiscalização diária, exigindo-se a presença do cipeiro no estabelecimento e estando com contrato e trabalho suspenso isso não será possível. Nesse sentido, sendo a CIPA um canal de comunicação direta entre empregados, empregadores e profissionais do ramo, buscando o funcionamento das atividades laborais nas empresas, para serem executadas de forma salubre, é totalmente incompatível seu exercício por trabalhador afastado por problemas de saúde.

Como adverte Emanoel Macabu Moraes3, o indivíduo vive em sociedade e a utilização egoísta, excessivo ou anti-social de um direito, torna-o abusivo, adentrando, portanto, no caminho da ilicitude, independentemente da intenção do agente.

Por fim, conclui-se que, pela ausência de proibição legal para a candidatura à CIPA de empregado com contrato de trabalho suspenso, é temeroso que a empresa proíba sua candidatura, sendo-lhe recomendável sua impugnação perante o Ministério do Trabalho e Emprego, órgão responsável pela elaboração da Norma Regulamentadora que versa sobre a Comissão de Prevenção de Acidentes.

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1 Disponível em: clique aqui.

2 NADER, Paulo. Curso de Direito Civil. Parte Geral - vol. 1. Rio de Janeiro: Forense.

3 MORAES, Emanoel Macabu. Abuso de direito e abuso de poder.
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*Carla Beatriz Assumpção é advogada trabalhista, sócia da MoselloLima Advocacia.

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