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Múltiplas escolhas

José Francisco Siqueira Neto

A carreira de Direito é uma das mais promissoras pelas amplas possibilidades que oferece. Historicamente, sempre esteve associada a ascensão profissional, social e até mesmo política.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Atualizado em 20 de agosto de 2008 14:54


Múltiplas escolhas

José Francisco Siqueira Neto*

A carreira de Direito é uma das mais promissoras pelas amplas possibilidades que oferece. Historicamente, sempre esteve associada a ascensão profissional, social e até mesmo política.

Mesmo considerando o caráter elitista da educação superior e o conservadorismo preponderante das Faculdades nacionais, inegavelmente, no âmbito dos cursos de Direito foram geradas importantes referências culturais e políticas para o País.

Isso, contudo, não só pelos talentos individuais, mas, sobretudo, pela formação com ampla visão das estruturas jurídicas fundamentais e fortes articulações laterais com outros campos de conhecimentos correlatos, como a economia as ciências sociais.

Essa tradição de formação profissional vinha se mantendo, apesar de alguns percalços, até as últimas duas décadas, quando se verificou, de um lado, uma proliferação de novos cursos, e, de outro, uma demanda maior por serviços jurídicos, como resultado de uma sociedade democrática, cada vez mais urbana e complexa.

Pela lógica, essa nova realidade deveria impor ao ensino jurídico responsabilidades talvez maiores do que no passado, mas infelizmente isso não ocorreu. Ao contrário, tantas foram às facilidades à abertura de cursos, que o ensino jurídico passou a ser, no final das contas, apenas um bom e lucrativo negócio.

Um negócio que, na verdade, soube se aproveitar, da demanda reprimida entre ensino médio e superior, da tradição e do fato de continuar sendo o Direito, provavelmente dentre todas as demais carreiras, o que oferece o maior leque de oportunidades de ascensão profissional. No serviço público, por exemplo, as carreiras jurídicas são as mais bem remuneradas. E mesmo com forte tendência à proletarização (é cada vez maior o número de advogados empregados), ainda é na advocacia que se enxerga a figura do profissional liberal no sentido estrito dessa denominação.

Esse quadro vem pressionando, com a mesma intensidade, para a abertura de um número maior de cursos jurídicos (que já passam de mil, embora quinze anos atrás não chegassem a duzentos) e pelo fim das barreiras ao ingresso ao mercado, como o exame obrigatório aplicado pela Ordem dos Advogados do Brasil.

Os novos bacharéis têm pressa diante de um mercado cada vez mais competitivo.

Daí resulta, nessa área mais do que em qualquer outra, o fenômeno do "bacharel de concursos", que muito antes de subir o degrau do ensino superior - com todas as facilidades existentes - programa-se exclusivamente para uma das muitas carreiras estampadas nos editais de concursos públicos. Juiz, com certeza, é a mais atraente. Mas Promotor não fica muito atrás.

A perspectiva de um salário que permita formar patrimônio, da segurança de um plano de saúde, das delícias das férias, viagens, além, claro, do prestígio e da estabilidade, torna essas carreiras não apenas atraentes, mas, em muitos e muitos casos, razão de ser de todos os anos de estudos, das noites mal dormidas em cima de livros e apostilas. Não é para menos. Até porque não se deve censurar quem almeje, sonhe e lute pela melhoria de seu padrão de vida.

Mas se fôssemos confiar exclusivamente na sorte, o País baniria de seu território os empreendedores. A vida segue além das loterias, assim como dos concursos, que antes de serem encarados como uma obsessão, melhor seria se fossem vistos apenas como oportunidades naturais que a carreira oferece. Há uma nítida diferença entre preparar-se para uma carreira e preparar-se unicamente para concurso.

Preparar-se para uma carreira, significa assumir o espírito crítico que a formação jurídica exige, com ênfase no entendimento do papel regulador que o advogado, o juiz, o promotor exercem na sociedade. É necessário consolidar uma base humanística e ética para compreender que na esfera da administração da Justiça o rito de passagem se dá pelas portas de um bom curso do Direito. É este ambiente que capacitará seus alunos, inclusive, para prestar concursos públicos.

O desprezo desta etapa em nome da focalização nos concursos gera profissionais deficientes e infelizes a um custo futuro muito alto para a sociedade.

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*Advogado, Mestre (PUC/SP) e Doutor (USP) em Direito, Professor Titular e Coordenador da Pós-Graduação em Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Professor de Graduação da Direito GV










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