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A informatização do ambiente de trabalho

Com a grande difusão das comunicações por meio de correio eletrônico, a informatização do ambiente de trabalho vem aguçando a controvérsia acerca da abrangência do poder diretivo do empregador, pois embora tal discussão esteja presente no âmago da doutrina trabalhista desde sua origem, a utilização de novas tecnologias proporciona à empresa o exercício de sua autoridade de maneira muito mais ampla e irrestrita.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Atualizado em 22 de agosto de 2008 14:17


A informatização do ambiente de trabalho

Sylvia Romano*

Com a grande difusão das comunicações por meio de correio eletrônico, a informatização do ambiente de trabalho vem aguçando a controvérsia acerca da abrangência do poder diretivo do empregador, pois embora tal discussão esteja presente no âmago da doutrina trabalhista desde sua origem, a utilização de novas tecnologias proporciona à empresa o exercício de sua autoridade de maneira muito mais ampla e irrestrita.

Diante disso, surge a necessidade de delinear a fronteira entre o direito à intimidade do empregado e o poder de direção do empregador, por tratar-se de tema atual, de extrema importância e ainda insuficientemente abordado pelo ordenamento jurídico pátrio, no qual não se encontram diretrizes específicas para a regulamentação dos procedimentos de fiscalização dos correios eletrônicos no ambiente de trabalho.

Nesse sentido, o Professor Mauro César Martins de Souza justifica a fiscalização alegando que "o correio eletrônico é uma ferramenta de trabalho dada pelo empregador ao empregado para realização do trabalho, portanto sobre ele incide o poder de direção do patrão e conseqüentemente o direito do mesmo fiscalizar seu uso pelo funcionário. Os endereços eletrônicos gratuitos e/ou particulares, desde que acessados no local de trabalho, enquadram-se, em tese, no mesmo caso".

Partilhando da mesma opinião, Sérgio Ricardo Marques Gonçalves acredita que o e-mail particular consultado no equipamento da empresa torna-se passível de monitoramento, "pois durante o horário de trabalho este [o empregado] não deve ter sua atenção voltada para outra coisa senão os afazeres de seu ofício", concluindo que a consulta a e-mail particular e a navegação por páginas que não tenham relação com sua atividade podem configurar desídia no cumprimento de suas funções, portanto, motivo para rescisão do contrato por justa causa.

Contrário à fiscalização, Mário Antônio Lobato de Paiva acredita que, em se tratando de e-mail particular do trabalhador, "é evidente que qualquer intromissão poderá ser considerada uma violação a direitos constitucionais de cidadão". Porém, o doutrinador ressalta que a impossibilidade jurídica de fiscalização não impede que a empresa imponha a proibição ou restrição da utilização do correio eletrônico particular durante a jornada de trabalho.

Na mesma linha, Marcus Paredes pondera que, em relação ao correio eletrônico pessoal, a interceptação de dados é ato criminoso tipificado no artigo 1º da Lei 9.296/96 (clique aqui), mesmo quando realizada nas comunicações internas da companhia (por meio de Intranet), e, portanto, "não há justificativa juridicamente aceitável que autorize a violação de e-mails particulares do empregado, pois vulnera a intimidade e a privacidade como direitos da personalidade, além de incidir numa conduta criminosa".

Finalmente, tendo em vista o caráter eminentemente particular do correio eletrônico pessoal e o fato de que este é, indubitavelmente, de propriedade do próprio trabalhador, não havendo sido cedido pela empresa, entendemos que a violação do correio pessoal, onde quer que seja acessado, constitui patente invasão de privacidade estando, conseqüentemente, passível de reparação pelo dano sofrido.

Assim, a fiscalização do correio eletrônico pessoal acessado no ambiente de trabalho seria ilegal. Todavia, cabe ressaltar que, embora defendamos a permissão do "uso social", há faculdade legítima da empresa de obstar tal acesso por meio das ferramentas fornecidas por ela.

Assim, Bernardo Menicucci Grossi, Sérgio Ricardo Marques Gonçalves, Renato Opice Blum e Juliana Canha Abrusio entendem que o monitoramento é possível em caráter acautelador e, não, como vigília e invasão indiscriminada à privacidade do empregado, devendo ser precedido da prévia ciência do funcionário ou de ordem judicial específica, de forma a afastar definitivamente o prognóstico de uma rescisão indireta do contrato de trabalho ou indenização por danos morais.

No entendimento de Mário Antônio Lobato de Paiva, a fiscalização do correio eletrônico profissional é uma faculdade da empresa, "desde que comprove realmente que a medida serviu para o fim a que se destina, sem maiores intervenções que pudessem revestir-se de ilegalidade e lesão a direitos", pois a interceptação de forma arbitrária seria considerada lesiva aos direitos fundamentais do trabalhador.

Incumbe, ainda, lembrar a inteligência do Juiz do Trabalho Luiz Alberto de Vargas, que considera lícito esse monitoramento desde que: exista uma política transparente, obediente a regras de proporcionalidade, que conscientize o empregado do caráter não sigiloso de suas comunicações no local de trabalho; a empresa advirta os empregados de que todas as mensagens, de qualquer tipo, inclusive as protegidas por senhas, estão potencialmente disponíveis para o conhecimento da empresa e; não se pratique o monitoramento sem finalidade específica, por desproporcional.

Já, nos casos de e-mails enviados pelo empregado, a incidência do poder de fiscalização do empregador nos parece viável, cabendo reportar-nos aos entendimentos antes citados, desde que a atitude seja clara e previamente pactuada na relação de emprego e praticada de maneira justificada e parcimoniosa, sendo de conhecimento e anuência do empregado.

Ressalte-se que a anuência do empregado, seja individualmente ou por meio de representação sindical, é elemento essencial para a possibilidade legal da fiscalização do correio eletrônico, pois o consentimento do interessado é uma das hipóteses legítimas de limitação da proteção à intimidade da pessoa. Nas palavras de Vânia Siciliano Aieta, a aprovação do interessado "retira a invasão da intimidade do universo da ilegalidade, conferindo ao ato invasor um status de ato juridicamente perfeito".

Sem embargo, embora a maioria dos doutrinadores não atente para esse aspecto, devemos encarar a fiscalização do e-mail profissional recebido de maneira específica, pois nessa hipótese não só estariam conflitantes o poder diretivo do empregador e o direito à intimidade do empregado, mas, também, o direito à intimidade de terceiro, que enviou a mensagem e, notadamente, não pode ser abrangido pela ingerência do empregador.

Todavia devemos atentar ao fato de que, embora o empregado seja o destinatário do e-mail, o remetente pode ser pessoa estranha à empresa e não necessariamente terá conhecimento das normas do seu regulamento interno e, sendo assim, a fiscalização deste correio eletrônico representaria afronta à privacidade de terceiros.

Portanto, sendo certo que a prevalência do poder diretivo do empregador sobre o direito à intimidade estaria sujeita a certas condições, dentre as quais destaca-se o consentimento do interessado, resta inequívoco que a fiscalização do correio eletrônico profissional recebido deve ser repudiada, uma vez que confrontaria o direito à intimidade de terceiros, estando passível de indenização por eventual dano moral ou material causado.

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*Advogada do escritório Sylvia Romano Consultores Associados










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