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Produto vencido. Prisão em flagrante sem fiança!

Alexandre de Carvalho e Fábio Lobosco Silva

Os advogados defendem a aprovação do PL 1.903/11, para que o delegado possa arbitrar fiança nos casos de infração punida com detenção, independentemente da pena máxima aplicada.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Atualizado em 13 de setembro de 2011 15:21

Alexandre de Carvalho

Fábio Lobosco Silva

Produto vencido. Prisão em flagrante sem fiança!

Em 4/7/2011 entrou em vigor a lei Federal 12.403/11 (clique aqui), responsável por alterar parte do Código de Processo Penal (clique aqui) e gerar amplo debate perante a comunidade jurídica. Dentre seus pontos polêmicos, destaca-se a nova redação do artigo 322 de referido diploma legal, a qual tem gerado situações peculiares frente a determinados tipos penais.

Primeiramente, para plena compreensão da problemática, se faz necessário vislumbrar o texto anterior de tal artigo, o qual estabelecia que:

Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração punida com detenção ou prisão simples.

Parágrafo único. Nos demais casos do art. 323, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.

Pela letra do anterior dispositivo, se a pena cominada ao crime fosse de detenção, a autoridade policial era obrigada a arbitrar fiança independentemente da pena máxima aplicada ao delito, devendo colocar o preso em liberdade tão logo recolhido o valor arbitrado. Deste modo, a título de exemplo, diante de flagrante delito por suposta prática do crime previsto no inciso IX do artigo 7º da lei Federal 8.137/90 (clique aqui), na forma dolosa, o delegado de polícia obrigatoriamente arbitraria fiança, a qual, se recolhida, acarretava imediata expedição de alvará de soltura, uma vez que a pena cominada ao referido dispositivo legal é a de detenção, conforme transcrição abaixo:

Art. 7° - Constitui crime contra as relações de consumo:

(...)

IX - vender, ter em depósito para vender ou expor à venda ou, de qualquer forma, entregar matéria-prima ou mercadoria, em condições impróprias ao consumo;

Pena - detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa.

Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II, III e IX pune-se a modalidade culposa, reduzindo-se a pena e a detenção de 1/3 (um terço) ou a de multa à quinta parte.

Com a alteração estabelecida pela lei Federal 12.403/11, o artigo 322 passou a vigorar com a seguinte redação:

Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.

Parágrafo único. Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.

Como se nota, com a alteração acima mencionada, a autoridade policial somente está autorizada a arbitrar fiança para crime cuja pena máxima não seja superior a 4 (quatro) anos, independente da pena prevista ser de detenção ou de reclusão. Deste modo, utilizando-se do exemplo anterior, agora as pessoas presas em flagrante delito por suposta prática de exposição à venda de produto impróprio para o consumo, previsto no inciso IX do artigo 7º da lei Federal 8.137/90, não são mais colocadas em liberdade com o recolhimento de fiança junto à autoridade policial, já que a pena máxima atribuída ao delito é de 5 (cinco) anos.

Para o caso citado, a soltura do autuado em flagrante se procederá mediante apresentação despedida de liberdade provisória perante o juiz competente, com ou sem o arbitramento de fiança, portanto, afastando-se a possibilidade da imediata colocação do preso em liberdade.

Nesta esteira, para o exemplo em questão, recorrente nos procedimentos policiais diários, a nova redação do artigo 322 do CPP tem gerado enorme sentimento de injustiça, pois os autuados em flagrante por citado crime consumerista acabam sendo recolhidos em estabelecimento prisionais, aguardando por dias até uma decisão judicial, recolhimento de eventual fiança e expedição e comunicação do alvará de soltura. Por outro lado, crimes apenados com pena máxima de até 4 (quatro) anos, como furto, receptação, apropriação indébita, descaminho, contrabando, permitem que o autuado em flagrante seja solto rapidamente, se paga a fiança arbitrada diretamente pela autoridade policial.

Diante de tal contrassenso e dos protestos dos militantes da área criminal, o deputado Federal João Campos (PSDB/GO) apresentou o PL 1.903/11 (clique aqui), para que volte a constar expressamente a possibilidade de o delegado de polícia arbitrar fiança nos casos de infração punida com detenção, independentemente da pena máxima aplicada. De acordo com a proposta apresentada, o artigo 322 passaria a ter a seguinte redação:

Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração apenada com:

I - detenção;

II - reclusão, desde que a pena máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.

Por oportuno, referido PL possui regime de tramitação ordinária e se encontra desde 23/8/2011 na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). Enquanto não é aprovado, cientes da deficiência técnica do artigo em comento, os delegados de polícia buscam soluções alternativas, evitando o desnecessário confinamento dos autores de tais crimes contra as relações de consumo, os quais, na esmagadora maioria das vezes, não possuem perfil criminoso, incidindo no tipo penal em forma culposa.

Neste passo, em que pese caber ao magistrado analisar a culpabilidade do delito, alguns delegados têm classificado tal delito em citada forma culposa, aplicando os termos do parágrafo único do artigo 7º da lei 8.137/90, reduzindo a pena máxima em 1/3 (um terço), de 5 (cinco) anos para 3 (três) anos e 4 (quatro) meses, possibilitando assim o arbitramento de fiança pela autoridade policial.

Pelo exposto, nota-se a problemática trazida pela nova redação do artigo 322 do CPP, e, por consequência, vislumbra-se a urgência em se aprovar o projeto de lei de 1.903/11, sob pena de se perpetuarem situações de patente injustiça, gerando crescente reprovação social, fator contributivo para deslegitimar o direito.

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*Alexandre de Carvalho e Fábio Lobosco Silva são advogados do escritório Trigueiro Fontes Advogados, em São Paulo/SP

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