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Latinório

Esclarecendo dúvidas de latim.

Silvio Teixeira Moreira
terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Campus e Campi

Campus e Campi   Na coluna anterior, acenávamos para a possibilidades de alguns comentários sobre a grafia da palavra, já agora em Português, porque em Latim sabemos que a palavra é campus, i, substantivo masculino da 2ª declinação. O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, já agora em sua 5ª edição, é o órgão oficial que registra todas  as palavras que integram o nosso idioma. Dele não consta o vocábulo, mas, se constasse, como neologismo ("conjunto de edifícios e  terrenos de uma universidade"), deveria ser "câmpus", à semelhança de "ônus" e "bônus", por exemplo, invariável e com acento, sem necessidade de grafar entre aspas, ou itálico, e sabido que  o número seria determinado pelo artigo. Aí, a questão se tornaria bem mais simples: o  câmpus e os câmpus, como as demais do gênero. Mas ainda não é. Embora alguns gramáticos entendam condenável a forma híbrida, deve haver alguma elasticidade no encontro de soluções. Uma delas seria o uso de campus para o singular e de campi para  o plural, valendo-se o  escritor dos artigos e preposições: o, ao, do, etc. quanto a campus; e  os, aos, dos, pelos, etc. quando se tratassse de campi. É que o Latim se vale- de  terminações, indicadoras dos casos, que trazem em si artigos e preposições. A outra solução poderia ser o emprego de campus na forma invariável, mas os usos e costumes universitários já praticamente impuseram o plural  campi, com o significado  de mais de um campus. Manutenção esclarecedora. Parece-nos  razoável, enquanto o vocábulo não ingressa oficialmente no rol das palavras da língua portuguesa. Espera-se que ocorra logo. __________
terça-feira, 27 de novembro de 2012

Respondendo aos leitores I

Respondendo aos leitores O leitor, André Graeff Riczannek, indaga-nos o seguinte: "faço parte de uma equipe de redação de notícias. Neste afã, é comum nos depararmos com o termo "Campus" (no sentido de 'Matriz', 'Órgão Central'...) da Universidade tal. Subsequentemente, até onde sabemos, o termo "Campi" designa uma extensão do "Campus". Se existirem várias extensões de um mesmo "Campus", qual seria o plural de "Campi?". Em nome da equipe de redação da Rádio Ceres AM de Não Me Toques/RS. Atenciosamente, André Graeff   Rixkzannek" André e equipe, embora não haja necessidade de eu concordar com vocês, ou discordar, quanto aos termos em que está encaminhada a "consulta", vejo necessárias algumas distinções. Mesmo admitindo-se que Campus da Universidade tal possa significar sua Matriz, Órgão Central, e que campi viesse a designar "uma extensão do Campus" universitário, mesmo assim, a questão, como posta  - "se existirem várias extensões de um mesmo "Campus", qual seria o plural de 'Campi'?" - , parte de uma premissa ainda não debatida, tida como verdadeira,  a de que campi possa ser empregado como singular, quando se queira designar determinado campus  que seja apenas uma extensão de outro. Uma só extensão do Campus Universitário é também Campus. Aliás, "campi" só pode ser empregado, quando se pretenda falar ou de distintos "conjuntos de edifícios e terrenos de uma universidade", de universidades diferentes, ou quando se esteja referindo a duas ou mais  extensões de um mesmo Campus. Ou seja, "campi" já é plural e só pode significar mais de um "campus". Quando uma universidade tiver seu Campus, com uma única subdivisão, esta também será "Campus". A menos que se crie o neologismo "campi", para significar todo e qualquer "campus", que seja subdivisão do "Campus" Universitário. Mesmo assim, a criação soa arbitrária. Sempre entendi Campus como termo latino, mas cujo conceito aqui pertinente nos veio das universidades inglesas e americanas, com o significado de "conjunto de edifícios e terrenos de uma universidade". Não tenho experiência de organização universitária e pode ser que eu esteja sendo rigoroso ao adotar essa interpretação restritiva. Reitero: se se quer usar campi, o termo só terá as bênçãos de Latinório, se significar mais de uma subdivisão do Campus, ou diversos "conjuntos de edifícios e terrenos de uma outra  ou de mais de uma universidade". Na redação da próxima coluna, voltarei ao tema, ante a possibilidade de falar da palavra "campus" e seu emprego no texto em português.__________
terça-feira, 20 de novembro de 2012

Respondendo aos leitores

  Respondendo aos leitores O leitor, Dirceu Jacob de Souza, de Campo Mourão/PR, indaga: "haveria algum 'problema' se janeiro e março ficassem com 30 dias, para que fevereiro também tivesse 30 dias e, assim, acabar com o ano bissexto?". Caro Dirceu, lendo sua sugestão, quase aderi ao meu primeiro impulso que foi de indagar: "por que não pensei nisso antes?". Mas logo vi que sua proposta apenas igualaria os dias dos meses de janeiro, fevereiro e março, sem modificar-lhes a soma e permaneceriam os mesmos 365 anuais, cuja insuficiência exige a adoção do acréscimo de 1 dia a cada 4 anos. A modificação do número de dias dos meses seria apenas "problema político de calendário", mas não resolveria a necessidade da adoção do ano bissexto, que é "problema científico de calendário". Isto porque o problema está na busca da exata correspondência entre a duração do "ano trópico", que seria quase 365,25 dias, e a do ano do calendário, fixado em 365 dias, o que gera uma diferença de 6 horas anuais ou 24 ao final de quatro anos. O tema "calendário" é fascinante, mas nesta coluna não caberia nem mesmo a abordagem de alguns tópicos, como a explicação do que sejam ano sideral e ano trópico, conceitos influentes na explicação do acréscimo de 1 dia, a cada 4 anos, nos calendários, o juliano e o gregoriano, por exemplo. Uma sugestão a quem se interessar: veja na "Enciclopédia Mirador Internacional", vol. 5, o verbete Calendário. Excelente. Ou esta lição de Manuel Nunes Marques, diretor do Observatório Astronômico de Lisboa, em artigo na Internet, sob o título "Origem e evolução do nosso Calendário" (clique aqui): "Em Astronomia consideram-se várias espécies de ano, como o ano sideral (duração da revolução da Terra em torno do Sol ) - que é igual a 365 d 06 h 09 m 09,8 s. - e o ano trópico ( tempo decorrido entre duas passagens consecutivas do Sol médio pelo ponto vernal ) que é atualmente de 365 d 05 h 48 m 45,3 s. É mais curto do que o ano sideral, devido à precessão dos equinócios, que faz retrogradar o ponto vernal de 50,24 segundos de arco por ano. É o ano trópico que regula o retorno das estações e que intervém nos calendários solares". Está-se vendo que a matéria é de astronomia e extravasa do âmbito de Latinório, espaço reservado às análises de coisas simples do Latim. Aliás, não é de agora a observação: ne sutor supra crepidam. Examinando a escultura, um sapateiro não pode fazer críticas senão à sandália. Ou como se diz também lá em Minas Gerais: cada macaco no seu galho!   __________
terça-feira, 13 de novembro de 2012

Por que se diz "ano bissexto"?

Por que se diz "ano bissexto"? A velhice vai chegando, as doenças vão pintando, mais ou menos ameaçadoras, e a necessidade de "dar uma refrescada na cuca" vai-se tornando mais frequente. Era esse meu pensamento, ao meditar sobre qual o tema a ser proposto para o latinório: uma explicação ligeira sobre o significado da expressão "ano bissexto". Quebrei a cara, literalmente. A começar pelas consultas ao Google e similares, onde você encontra vasta matéria, mas sem a garantia da certeza da informação obtida, pois, quase sempre, de responsabilidade do autor. Vamos lá. Júlio César, já imperador (e também ditador), foi quem instituiu o calendário juliano e adotou o acréscimo de um dia ao último mês do ano, fevereiro, pois o ano, até então, principiava em março. Meus professores me haviam ensinado que Sosígenes, astrônomo de Alexandria, a quem Júlio César dera carta branca, em 46 A.C., não só preconizou o acréscimo de um dia a cada quatro anos, como também sugeriu que esse dia de acréscimo caísse entre o dia 23 e o dia 24 de fevereiro e não no último dia do mês, como seria de esperar. Diziam, então, as más línguas que a escolha do dia 23 traduziria uma "puxação" ao imperador, dia possivelmente de seu aniversário. Mas, me parece que a data de seu nascimento seria em julho, talvez dia 12. Cairia por terra a "fofoca". De qualquer forma, como o dia 23 era chamado de "sexto antes das calendas de março", o dia de acréscimo ficou sendo o "bis" sexto. Daí, o ano que continha esse "bis sexto" dia, ficou sendo o ano bissexto, como "bissexto" será todo acontecimento não muito frequente na nossa vida. A coluna promete voltar ao tema, que, além de refletir louvável iniciativa de Júlio Cesar, é cheio de informações surpreendentes, inclusive quanto ao modo romano de contagem dos dias dos meses, que era extremamente complicado, ao menos para o colunista. Ver-se-á por que o ano de 46 A.C., estendido para 445 dias (para acerto da diferença entre o ano trópico e o calendário) foi chamado "ano da confusão". __________
terça-feira, 30 de outubro de 2012

Respondendo a algumas indagações

Respondendo a algumas indagações O leitor Celso Luiz Catonio indaga qual seria o gênero da palavra decisum e quer saber qual das formas é a correta: 'a' decisum ou 'o' decisum. Decisus, a, um é o particípio passado do verbo decido, is, decidi, decisum, decidere (da 3ª conjugação), formado do prefixo/preposição de (com o sentido de afastamento ou privação) e de caedo, daí resultando diversos significados, como cortar, separar cortando, despedaçar a golpes, matar e, também, no sentido figurado de decidir, compor, harmonizar, transigir, etc. O decisum a que se refere o leitor será, certamente, algo objeto de uma decisão, ou seja, o decidido. Na terminologia forense, o acórdão, a sentença ou qualquer ato do juiz, que signifique aceitação ou rejeição de algum pleito das partes, pode ser chamado de decisum. Nesse sentido, decisum, que, ordinariamente, se acompanhado de substantivo, seria o adjetivo no neutro singular (nominativo, vocativo ou acusativo) ou o adjetivo decisus (no acusativo masculino singular), embora continúe ostentando a forma do adjetivo, passa a ser classificável como um substantivo - o decidido - porque sem um nome a ser qualificado. Isto acontece com todo adjetivo que seja utilizado em uma frase, estando ele sem o correspondente substantivo: passa a ser um substantivo. Mas, nunca é demais lembrar que o emprego do adjetivo neutro singular substantivado é raríssimo e, como ensinavam nossos professores, limita-se a alguns termos filosóficos ou abstratos: bonum, malum, honestum, turpe, verum, falsum, etc. E aqui cabe "decisum". O neutro plural substantivado é permitido no acusativo e nominativo, pois é facilmente reconhecível nesses casos. Para os outros casos, que têm forma única, exige a clareza que se empregue o substantivo "res". Por exemplo, falta de tudo: inopia omnium rerum, evitando-se inopia omnium, que geraria confusão. Porque a informação se afigura interessante, veja-se o substantivo "res, rei" (4ª, fem.) e o adjetivo omnis (m.f.), omne (n.) omnia (n. pl.) = todo, toda, todo, todos. Diz-se omnis res, omnes res, omni rei, omnium rerum, ominbus rebus, se se quer significar: toda coisa, todas as coisas, para toda coisa, de todas as coisas e para (por) todas as coisas. Mas, pode-se dizer omnia para significar todas as coisas. O leitor já concluiu que decisum é neutro singular em latim e, caso seja referido na roupagem latina, precedido de artigo definido ou indefinido em português, este será "o" ou "um". ____________
terça-feira, 23 de outubro de 2012

Análise gramatical de expressões latinas

Para facilitar a compreensão das expressões latinas, já publicadas nos latinórios "pós-mensalão", prossigo na análise das palavras: Bonis nocet si quis malis pepercerit: faz mal aos bons quem poupa os maus. Se alguém poupa (tenha poupado) os maus, faz mal aos bons (si quis malis pepercerit bonis nocet). Bonis (dativo plural de bonus): aos bons. Nocet (3ª pessoa, sing. do indicat. pres. de noceo, es, nocui, nocitum, nocere), fazer mal, prejudicar. Si (conj. condic): se. Quis (pron. interrogat. ou indefinido, nominativo sing.): quem, alguém. Malis (dativo plural masc. de malus, a, umi): aos maus. Pepercerit (3ª pessoa, do perfeito do subjuntivo do verbo parco, is, parsi ou peperci, parsum e parcitum, parcere = poupar, perdoar): tenha poupado, com efeitos no presente = ainda poupa). Pepercerit (perfeito do subjuntivo) daria ensejo a comentários sobre a consecutio temporum ou sobre o uso dos tempos verbais, o que fará oportunamente. Redde quod debes: restitui o que deves. Redde (2ª pess. do imperativo de reddo, is, redidi, redditum, reddere : devolver, repor, recolocar; 3ª conjugação): devolve. Quod (acusativo neutro singular do pronome relativo qui, quae, quod). "Quod" é objeto de debes. Aqui, o antecedente de quod é id (is, ea, id), também acusativo neutro, como objeto de redde. Debeo, es, debui, debitum (proparox.), debere (parox.) = dever. A sentença seria assim desdobrada: Redde id quod debes: devolve aquilo que deves. Dat veniam corvis, vexat censura columbas: a censura perdoa os corvos e ataca as pombas. Dat (do, das, dedi, datum, dare): dá. Veniam (acusat. singular): graça, favor, perdão. Corvis (dativo plural de corvus, i, masc. 2ª decl.): aos corvos. Vexat: (vexo, vexatum: vexar, atacar, maltratar, afligir, atormentar): ataca. Censura (nomin. sing., fem.): censura, juízo, crítica...): censura. Columbas (acusativo plural de columba, a = pomba;): as pombas. Ensinam os doutos que o provérbio (verso de Juvenal) é muito citado para indicar uma situação de injustiça clamorosa, descarada. Corruptissima republica, plurimae leges: Estado corrupto, múltiplas (muitíssimas) leis. Corruptissima: superlativo regular de corrupta. Está no ablativo feminino, pois concorda com republica. Republica: ablativo feminino de respublica ou res pública. Os dois termos (res e publica) são sempre declináveis: res, rei (quinta declinação) e publica (adjet. feminino, 1ª classe.). Por exemplo: rerum publicarum ou rerumpublicarum (das coisas públicas). Plurimae (superlativo irregular de multae): muitíssimas. Leges (nomin. plural de lex, legis, subst, fem, da 3ª decl.): leis. Observação necessária: Plurimus, a, um: é o superlativo de multus, a, um; ambos declinam-se regularmente. O comparativo de multus é plus, pluris, que, no singular, é neutro e só tem o nominativo, o acusativo e genitivo. No plural, tem todos os casos e declina-se como os adjetivos de 2ª classe. Plures é masculino ou feminino, conforme o substantivo a que se refira. O neutro é plura ou (raramente) pluria.
terça-feira, 16 de outubro de 2012

Análise gramatical das citações latinas II

Continuamos apresentando breve análise gramatical das citações latinas sugeridas, de alguma forma, pelos debates do "mensalão". In dubiis, abstine = na dúvida, abstém-te. In = Prepos. regendo ablativo = em. Dubiis = ablat. plural de dubium, ii (neutro da 2ª decl.) = dúvida, hesitação. O adjetivo dubius, a, um, significa dúbio, hesitante, indeciso e, também, "o que vai para um e para outro lado". Abstine = imperat. sing. de abstineo, abstines, abstinui, abstentumm abstinere = abstém-te (abstine e abstines têm pronúncia proparoxítona). Affirmanti incumbit probatio. A prova incumbe ao que afirma (acusa). Afirmanti = dativo sing. de affirmans, particípio pres. de affirmo, as, avi, atum, are = ao que afirma. Incumbit (3ª pes. indicat. pres. de incumbo, is, ui, itum, ere = incumbir, cumprir; anote-se que o verbo carrega consigo o sentido de "deitar-se sobre"). Probatio, onis (subst. fem. 3ª decl.) = prova. Está no nominativo porque é sujeito de incumbit. Ubi lex voluit dixit, ubi noluit tacuit: quando a lei quis falar, falou, quando não quis, calou (onde a lei quis, ela disse, onde não quis, calou). Ubi (adv. de lugar) = onde. Lex, legis (subst, fem 3ª decl.) = Lei. Voluit (perfeito do indicativo do verbo volo, vis, vult, volui, velle, querer): quis. Dixit: Perf. indicat. de dico, dicis, dixi, dictum, dicere: (proparox.) = disse. Noluit (3ª pess. do perf. do indicat. de nolo, non vis, nolui, nolle = não querer): não quis). Tacuit: perf. indicat. de taceo, taces, tacui, tacitum, tacere (paroxítona) , verbo da 2ª conjugação = calou-se. Em breve teremos mais.
Em nossas colunas anteriores, apresentamos algumas frases latinas que o julgamento do "mensalão" podia lembrar.   Pareceu-nos oportuno e necessário fazer breve análise de cada palavra, para melhor compreensão pelos leitores.   Judex damnatur ubi nocens absolvitur: quando o culpado é absolvido, o juiz é condenado.   Judex, judicis (subst., 3ª decl.; judicis: proparoxítona ) = juiz. Damnatur (3ª pess. sing. do pres. do indicativo de damnari, voz passiva de damnare) = é condenado. Ubi (advérbio ) = onde, quando. Nocens (part. pres. de noceo, nocere paroxítona; verbo da 2ª conjugação)= aquele que causa dano; (como subst.): um culpado, um criminoso. Absolvitur (proparox., 3ª p.sing. de absolvi, voz passiva de absolvere : proparox., 3ª conjug. ) = é absolvido.   Cui prodest scelus, is fecit: cometeu o crime quem dele se aproveitou.   A frase poderia ser dita assim: "fecit scelus is cui scelus prodest" (cometeu o crime aquele a quem o crime aproveita), mas o Latim é língua que preza a concisão e a perfeição, motivo por que se evitou repetir a palavra scelus.   Habemus reum confitentem: temos um réu confesso (que confessa).   Habemus: 1ª pes. do indicat. pres. do verbo habeo, habes, habui, habitum, habere = ter. Reum: acus. sing, de reus, rei = subst. masc. da 2ª decl. = réu. Confitentem = acus. sing. de confitens (proparox.), partic. pres. de confiteor, eris, confessus sum, confiteri, verbo depoente da 2ª conjug, = confitente, confesso.   Continuaremos na próxima.
Divagações em torno do processo e julgamento do mensalão   Ao iniciarem-se, no Supremo Tribunal Federal, os preparativos para o julgamento da ação penal originária, conhecida como "mensalão", ouvia-se das pessoas que o processo não daria em nada. Ao procurar saber dos interlocutores o significado de "dar em nada", deles obtinha, sempre, a resposta de que significava que ninguém seria condenado.   Mas, as pessoas, que assim pensavam ou pensam, incidiam em dois equívocos. Primeiramente, quando uma ação penal é proposta contra alguém, seu esperado desfecho é que dela possa surgir tanto uma absolvição, quanto uma condenação. O "dar em nada", sinônimo de não desejado término por absolvição, traduz mentalidade repressora, informada pela parcialidade caolha, que, só na condenação, admite ver a realização do ideal de Justiça.   Mas, o Supremo Tribunal Federal saberá encontrar a solução adequada, que os pregoeiros da maledicência e da descrença haverão de engolir. E aí estará clara a resposta dos senhores ministros ao segundo equívoco: imaginar que o mais alto Tribunal do país seja integrado por juízes comprometidos com o governo que os nomeou, suposição que, se admitida, constituiria, no mínimo, abominável imputação de fraqueza moral.   A propósito, veja o leitor alguns nomes ou modalidades de penas que, ao tempo dos Romanos, eram aplicadas nas condenações: - datio ad bestias: lançamento (entrega) às feras; - aquae et ignis interdictio: interdição da água e do fogo, ficar privado da água e do fogo (forma de desterro, de exílio); - vivi crematio: cremação de pessoa viva; morte, pelo fogo; - damnare in metallum,- condemnare ad metalla, - metallo plecti ou puniri: condenar ou ser condenado a trabalho nas minas; - capite punire: punir com a pena de morte; - capite puniri: ser punido com a pena de morte; - capite plectere: punir com a pena de morte (aplicar); - capite plecti: ser punido com a pena de morte; - capite damnare: condenar à pena de morte; - capitis poena ou poena magna ou ultima poena: pena de morte. Ainda bem que, de lá pra cá, a humanização das penas operou maravilhas e não mais se cogita dessas "carícias". Muitos, porém, não escondem que, no fundo, no fundo, até aplaudiriam o retorno àqueles tempos da fogueira, da forca ou de uma "crucificaçãozinha", porque adequadas ao fortalecimento do caráter retributivo da pena (punitur quia peccatum est: pune-se porque é crime, é pecado, porque foi cometido um crime) e eficazes como prevenção geral e especial (punitur ne peccetur: pune-se para que não se venha a pecar, a cometer crime). E, obviamente, desde que tais penas só fossem aplicáveis...aos outros!   __________
terça-feira, 18 de setembro de 2012

A propósito de uma citação

terça-feira, 4 de setembro de 2012

De volta ao estudo dos verbos

De volta ao estudo dos verbos Já tivemos oportunidade de falar, ainda que rapidamente, dos verbos da voz ativa (amo Deum, amo a Deus), da passiva (amor a Deo, sou amado por Deus) e dos depoentes (imitor, eu imito), das quatro conjugações e dos respectivos tempos. Existe, porém, um verbo, que não pertence a nenhuma das quatro conjugações, é um verbo auxiliar dos demais, sobretudo na conjugação destes na voz passiva, motivo por que merece estudo à parte: é o verbo sum, es, fui, esse: SER. Seus compostos: abesse, estar ausente; adesse, estar presente; deesse, faltar; inesse, estar em; obesse, prejudicar; posse = poder; praeesse = estar à frente; prodesse, ser útil. São conjugados como o verbo sum, com variações: pro, antes de vogal, torna-se prod (cui prodest?, a quem aproveita?) Em posse, pot subsiste antes de vogal, mas torna-se pos, antes de s e faz cair o f do perfeito (potui, pude). Os compostos não se usam no imperativo, futuro do infinitivo e particípio futuro, reservados ao verbo sum (p.ex.: imperativo presente: es, este; futuro: es ou esto, este ou estote, 2ª pessoa, e sunto na 3ª do plural). O verbo sum tem dois radicais: "es" e "fui". Indicativo: presente: sum, es, est, sumus, estis, sunt; imperfeito: eram, eras, erat, eramus, eratis, erant; perfeito: fui, fuisti, fuit, fuimus, fuistis, fuerunt; + q. perfeito: fueram, fueras, fuerat, fueramus, fueratis. fuerant, Subjuntivo presente: sim, sis, sit, simus, sitis, sint. A conjugação de verbos, sobretudo dos irregulares e, mais ainda, do verbo esse, é muito enfadonha. Fiquemos nos exemplos acima. Veniam petimus damusque vicissim! Como diria o velho Horácio. Estamos na Semana da Pátria. Não podemos deixar de lembrar o lema dos Inconfidentes: Libertas quae sera tamen! Extraído (o lema, não o ouro) da Écloga I de Vergílio. Noutra ocasião, poderei comentar as polêmicas em torno da tradução e do contexto, mas já adianto que Alvarenga Peixoto, Gonzaga e Cláudio Manoel da Costa, latinistas mais do que exímios, sabiam o que procuravam: liberdade, ainda que tardia! __________
terça-feira, 28 de agosto de 2012

Procuração apud acta

Procuração apud acta Atendendo a alguns pedidos, pretende-se fazer algumas considerações sobre o que vem a ser "procuração apud acta". Nesta coluna, a preocupação primeira haverá de ser a busca do significado das duas palavras latinas. Apud, como já registrado, é uma preposição que rege acusativo e significa, basicamente, "junto a", "em", "entre", "no meio de", "em face de", etc. Por sua vez, acta (neutro, plural) significará "ações", "obras", "feitos", "registros", "assentamentos", "autos", etc., como, p.ex., em acta forensia, "causas", "processos", "demanda", "autos". A procuração é o instrumento do contrato de mandato, que habilita o mandatário ou procurador (no nosso caso, o advogado) a atuar, em juízo, na defesa dos interesses do mandante. Procuração, ato de procurar. Dá a ideia perfeita de "cuidar em prol de" (pro + curare). Sem procuração, o advogado não pode, em princípio, cuidar da causa de alguém. Teríamos, então, procuração nos autos, junto aos autos, como significado literal de "procuração apud acta". Já se vê que foi uma outorga de poderes feita ao advogado, mas "dentro dos autos". Diz o artigo 266 do CPP que "a constituição de defensor independerá de instrumento de mandato, se o acusado o indicar por ocasião do interrogatório". Percebe-se, pois, que a constituição de defensor pelo réu pode ocorrer com assinatura de procuração, que é a forma natural de instrumentalizar o contrato de mandato. A expressão apud acta aparece, por exemplo, na lei 8.457/92 (Organização Judiciária da Justiça Militar), quando fala das atribuições dos Diretores de Secretaria (art.79, inciso VI: "lavrar procuração apud acta") e das do Técnico Judiciário (art. 80, inciso III: "lavrar procuração apud acta, quando estiver funcionando em audiência"). O registro na ata ou assentada de audiência, sem indicações de outros, significará a outorga dos poderes da cláusula ad judicia. Poderes especiais dependerão de manifestação expressa do outorgante a constar do termo. Com a modificação hoje introduzida no CPP, deixando o interrogatório para o final da audiência de instrução (art. 400, CPP) e tornando obrigatória a defesa preliminar a que se refere o art. 396, torna-se difícil chegar-se à audiência de instrução, com o interrogatório do réu como último ato de instrução, sem que já haja defensor - constituído ou nomeado. Ou seja, ao iniciar-se a audiência de instrução, já terá atuado a defesa, fato que pressupõe a constituição ou nomeação de defensor, bem antes do interrogatório, oportunidade em que ocorreria a procuração apud acta. A menos que se chegue à audiência de instrução, logo depois de renúncia ou destituição do defensor. Restringindo-me às considerações em torno da "procuração apud acta", outras indagações de ordem não processual penal poderão ser abordadas oportunamente. __________
terça-feira, 21 de agosto de 2012

Mandamus: vale também para habeas corpus?

Mandamus : vale também para habeas corpus? A propósito da chamada no Migalhas de 1/8/2012 "... o cruzeirense Thomaz Bastos decidiu na segunda-feira renunciar à defesa de Cachoeira. Foi um presente que se deu, em seu aniversário de 77 anos. Os dissabores com o cliente irascível, mais os HCs não-concedidos (coisa rara em mandamus com sua assinatura), não compensavam os honorários, embora estes fossem gorduchos", o leitor Luiz Felipe da Silva Andrade faz a ponderação: "Verifica-se que nesta chamada fora utilizada a expressão mandamus para se referir aos HCs impetrados pelo causídico. Assim sendo, pergunta-se: mandamus não é expressão latina utilizada para se referir ao Mandado de Segurança?". Pois é, caro leitor, assim sempre me pareceu. Mas, uma passada de olhos pela jurisprudência dos Tribunais nos mostrará que mandamus aparece como referência a mandado de segurança e, também, a impetração de habeas corpus. O mesmo ocorre com "writ", palavra inglesa que significa escrito, ordem, mandado, etc. Mandamus é a 1ª pessoa do indicativo plural de mandare e significa "nós mandamos". Habeas Corpus tem origem no Interdictum de Homine Libero Exhibendo, do Direito Romano, pelo qual se pleiteava a exibição do homem livre, isto é, o cidadão era apresentado perante a autoridade romana, tomava conhecimento da acusação, defendia-se e, caso sua detenção fosse arbitrária, era posto em liberdade. Já se vê que é uma ordem de juiz ou Tribunal. Migalhas tem sua coluna "Migalaw English", a cargo da tradutora e advogada, Luciana Carvalho Fonseca. Em mais de uma oportunidade, Luciana mostra o correto emprego de palavras do direito inglês, tomadas do Direito Romano. Embora não sendo língua neolatina, o vocabulário inglês é inundado de palavras originadas do Latim, com forte repercussão nos termos judiciais. O mandado de segurança é uma ação mandamental, fundada na garantia constitucional de proteção a todo direito líquido e certo, não amparável por habeas corpus ou habeas data, cabendo ressaltar que o habeas corpus protege o direito ir, vir ou permanecer, lesado ou ameaçado de lesão. Ao pé da letra, habeas corpus significa "que tenhas corpo" e habeas data, "tenhas dados" (a teu respeito). No meu entender, como tanto o mandado de segurança quanto o habeas corpus se destinam a proteger direito líquido e certo, seria bem mais simples se o habeas corpus se destinasse a tal proteção em matéria criminal, reservando-se ao mandado de segurança aquela fora do âmbito penal. Pretendo, se e quando puder, retomar o assunto e tratá-lo em termos mais jurídicos, depois de impetrada uma ordem de "habeas patientiam", em favor dos leitores ameaçados no seu direito de ler o que lhes aprouver. __________
terça-feira, 7 de agosto de 2012

Então está explicado

  Então está explicado Meu amigo e também desembargador aposentado, Alyrio Cavallieri, retransmite-me o seguinte e-mail: "ENTÁO ESTÁ EXPLICADO! LATIM, Língua maravilhosa. O vocábulo 'maestro' vem do latim 'magister' e este, por sua vez, do advérbio 'magis', que significa 'mais' ou 'mais que'. Na antiga Roma o 'magister' era o que estava acima dos restantes, pelos seus conhecimentos e habilitações. Por exemplo um 'Magister equitum' era o chefe de cavalaria, e um 'Magister Militum' era um chefe militar. Já o vocábulo 'ministro' vem do latim 'minister' e este, por sua vez, do advérbio 'minus' que significa 'menos' ou 'menos que'. Na antiga Roma o 'minister' era o servente ou o subordinado que apenas tinha habilidades ou era 'jeitoso'. Como se vê, o Latim explica a razão por que qualquer imbecil pode ser ministro... mas não maestro!" Acrescento, quanto ao Latim: militum é o genitivo plural de miles, militis, (substantivo, masculino, da terceira declinação); significa "soldado" e, também, "exército". Equitum é o genitivo plural de eques, equitis, (subst. masc. da 3ª), e tem o significado de "cavaleiro". Magister, magistri é substantivo masculino da 2ª declinação, com significados como: "o que manda", dirige, ordena, guia, conduz, etc., Pode aparecer como adjetivo (magister, maistra, meagistrum, com o significado de "magistral", "de mestre" - p. ex. ars magistra = "perfeita habilidade", "destreza consumada"). Vejam outras palavras: magister consulum (ditador; cônsul, consulis = cônsul ), magister peditum (comandante supremo da infantaria; pedes, peditis = o que vai a pé, peão), magister morum (censor; morum = dos constumes), etc. etc. __________
terça-feira, 31 de julho de 2012

Poderes da cláusula ad juditia ou ad judicia?

Poderes da cláusula ad juditia ou ad judicia?   O leitor, Victor Lopes de Araújo, indaga: "qual a melhor tradução para o latim de procuração 'para o foro em geral': procuração 'ad juditia' ou 'ad judicia'? Além disso, como devo nomear o instrumento quando houver outorga de poderes especiais (p. ex.: para receber citação)? A expressão 'et extra' serve a este fim?" Bom cuidar, primeiramente, da indagação do leitor, quanto ao significado e à grafia da parte latina, quando se fala em "procuração ad judicia". A cláusula se denomina ad judicia (com "c" e não com "t", pois judicia é o acusativo plural de judicium, que vem de judex, judicis, em cuja formação não aparece a letra "t"). Judicium significa juízo, lugar em que se administra a justiça, tribunal, etc.. Ao pé da letra: "para os juízos", ou seja, procuração com poderes para atuar "nos processos judiciais", praticando atos gerais, necessários ao exercício da representação do outorgante em juízo. A inserção da cláusula ad judicia habilita o outorgado a ingressar em juízo e praticar os atos necessários ao normal andamento do processo. É a procuração geral para o foro, a que se refere o art. 38 do Código de Processo Civil ("a procuração geral para o foro, conferida por instrumento público ou particular, assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, salvo..."), ao mesmo tempo em que deixa claro quais os poderes considerados especiais e que devem estar explicitados na procuração: receber citação inicial, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir do pedido, renunciar ao direito sobre que se funda a ação, receber, dar quitação e firmar compromisso. A expressão et extra significa "e fora". Ad judicia et extra judicia (para os juízos e fora dos juízos). No contexto ora examinado, et extra não tem o significado de exercício de "poderes especiais", em juízo - como imaginam alguns - mas a outorga de poderes de representação, para exercício fora deste. Um exemplo: em repartições públicas, pedir certidões, guias, apresentar documentos, etc. Quanto ao título, sempre entendi que, se pudermos simplificar, não deveremos complicar. Se a procuração é a corriqueira, aquela geral para o foro, só com os poderes da cláusula ad judicia, se quiser destacar um título, por que não colocar apenas "PROCURAÇÃO"? Caso sejam também conferidos poderes especiais: "PROCURAÇÃO COM PODERES GERAIS E ESPECIAIS". Veja bem: não estou banalizando a figura do mandato. Estou querendo deixar claro que não há necessidade sequer do título "Procuração": o importante é constar do instrumento a outorga dos poderes necessários, segundo a exigência de cada caso, mas ciente o advogado de que não deve constranger seu constituinte, com a inclusão de poderes desnecessários, ou - o pior - prejudicá-lo com a omissão de algum, de inserção obrigatória. __________
terça-feira, 24 de julho de 2012

Abrindo o verbo...ou a gramática?

Outro dia, estendendo-me sobre furúnculos e ladrõezinhos, fiz a promessa de que voltaria a falar - mais e melhor - dos verbos depoentes. Vejo, porém, necessário buscarmos na gramática latina algumas noções sobre verbos em geral, valendo-me, para tanto, da Gramática Latina Ragon, Editora do Brasil, 3ª ed., pág. 66 e seguintes. Os verbos exprimem o estado ou a ação e têm as vozes, os tempos e os modos. Três são as vozes: ativa, passiva e voz depoente. Dispenso-me de explicar que os verbos ativos podem ser transitivos diretos (exigem o objeto no acusativo), indiretos (dativo). Intransitivos: não têm objeto. Enquanto nos ativos o sujeito faz a ação, nos passivos, ele a sofre. Já se nota que somente os transitivos podem ter voz passiva. Semelhante ao Português. Depoentes são aqueles verbos que, embora conservando a forma passiva, depuseram a significação desta, para assumir a ativa. Alguns são transitivos (imitor = eu imito) e a maioria, intransitivos (morior = eu morro). Da forma ativa, os depoentes conservaram o particípio presente, o particípio futuro, o gerúndio e o supino. O particípio passado tem sentido ativo: imitatus = tendo imitado. Já o adjetivo verbal (ou gerundivo) tem o sentido passivo: imitandus = que deve (devendo) ser imitado. Observe-se que este só se encontra nos verbos de sentido transitivo. Os depoentes, na sua maioria, seguem a primeira conjugação. Uns poucos, as demais. Faltam-me tempo e espaço, no momento. Em outra oportunidade, direi mais alguma coisa sobre as vozes, os tempos e os modos verbais. Sempre há algo a esclarecer. Mas, quis leget haec? (Quem lerá isto?), como indagaria a sátira de Pérsio.
Juiz a quo - juiz ad quem. Instância, como fica? Um exame de arrazoados, sentenças, acórdãos, ou mesmo livros, leva-nos a afirmar que a praxe forense parece admitir as expressões a quo e ad quem, para significar, respectivamente, "do qual" e "para o qual", "de onde se recorre" e "para onde se recorre". A quo e ad quem - invariáveis - sem se atentar para gênero e número do antecedente. A regra de sintaxe é: o pronome relativo concorda em gênero e número com seu antecedente e é empregado no "caso" exigido pela função que desempenha na oração. Quando o antecedente é palavra latina, parece não haver problema: o pronome, que a substitui, concorda com ela. Mas, deverá haver concordância - em gênero e número - do pronome relativo latino com o seu antecedente não latino? Ao pé da letra, a quo significa "do qual", "desde o qual", sabido que 'a' é uma preposição que rege o "ablativo" e significa "de", "desde", "a partir de". Semelhante ao "from" da língua inglesa. E quo é o ablativo (masculino ou neutro) dos pronomes relativos qui (masc.) e quod (neutro), com o significado de "o qual" (masculino e neutro), cujo feminino é quae = "a qual" . O acusativo singular é quem (masculino), quam (feminino) e quod (neutro). Ad quem, por sua vez, indicaria o juiz ou tribunal para o qual se recorre. Ad é preposição que rege o "acusativo" e significa "para", "no sentido de". Esse significado se mostra bem claro nas expressões dies a quo e dies ad quem, quando se quer referir ao termo inicial ou final de um determinado prazo. Mas, aqui, temos dois vocábulos latinos em perfeita concordância. Dies (subst. masc., da 5ª decl.) = dia. A quo = "do qual", "desde o qual". Quo é o ablativo (exigido pela preposição a) do pronome relativo qui (masculino) que substitui dies, mas com ele concorda em gênero e número. Uma das funções do pronome relativo é quebrar a dureza ou aspereza da frase, que a repetição da palavra ocasionaria. Judex a quo (juiz do qual, de origem) judex ad quem (juiz para o qual, destinatário): antecedente masculino, singular; judicium a quo (juízo do qual, de origem), judicium ad quod (juízo para o qual, destinatário): antecedente neutro, singular; Instantia a qua (instância da qual, de origem), instantia ad quam (instância para a qual, destinatária): antecedente feminino, singular. É assim que deveria ser, com antecedente latino. Mas, com o antecedente em português, o que ocorre, tribunais afora, é a forma invariável: a quo e ad quem. __________
terça-feira, 10 de julho de 2012

Alea jacta est

Esse brado, atribuído a Júlio César, é sinônimo de afirmação de irreversibilidade da decisão tomada sobre o que fazer, numa situação de grave perigo, afastada totalmente a possibilidade de voltar atrás. Conta-nos Antônio Filardi Luiz, em seu cuidadoso e excelente "Dicionário de Expressões Latinas", Ed. Atlas, 2000, p. 33: "Alea jacta est. A sorte está lançada. O Senado Romano, para garantir Roma contra o general que comandasse na Gália, havia declarado sacrílego e parricida quem atravessasse o rio Rubicão, que separava a Gália Cisalpina da Itália. Quando o Senado recusou a César o consulado e a continuação de seu governo, estando ele nas Gálias (atualmente região da Espanha), resolveu marchar sobre Roma e derrubar Pompeu. Às margens do Rubicão, hesitou, mas em seguida exclamou: alea jacta est, atravessou o rio e partiu para Roma, onde, triunfante, foi aclamado pelo povo". Renzo Tosi registra, em seu não menos cuidadoso e mais abrangente "Dicionário de Sentenças Latinas e Gregas", tradução de Ivone Castilho Benedetti, Martins Fontes, SP, 1996, p. 725/726: "Alea iacta est. O dado está lançado. ... Segundo Suetônio (Vida de César, 32), ela foi realmente pronunciada por Júlio César em 10/11 de janeiro de 49 a.C., no momento em que atravessou o Rubicão, rio da Romanha que marcava as fronteiras da Itália e que, portanto nenhum comandante poderia atravessar armado, sem tornar-se, automaticamente, inimigo de Roma: esse ato foi indicado como início oficial da guerra civil contra Pompeu. Na realidade, o texto de Suetônio diz Iacta alea est e, com ótimos motivos, foi corrigido por Erasmo para Iacta alea esto, 'o dado seja lançado'". No imperativo. Acrescenta Renzo Tosi: "deve-se notar que, no original antigo, há um matiz semântico diferente, no que diz respeito à acepção ora atribuída ao provérbio: com o imperativo não se põe a tônica numa decisão já tomada, mas no risco que se decide correr" (idem, ibidem). Breves observações: na grafia latina, não me acostumei a adotar a substituição do "jota" por "i". Assim, "jacta", e não "iacta"; "Jesus" e não "Iesus", etc. "Alea" tanto significa o "dado", como a "sorte". Daí nós ouvimos dizer que um resultado é "aleatório", quando baseado exclusivamente na sorte. "Jacta" é o particípio passado feminino, do verbo "jacere", que deve ser pronunciado "jácere" e significa "lançar, arremessar", etc. Não pode ser confundido com "jacere", que se pronuncia "jacére" e significa "jazer", "estar deitado". Assim, "jaceo, jaces, jacui, jacitum, jacere" (verbo intrans. da 2ª conj.) = estar estendido, estar deitado, descansar, estar na cama, estar doente de cama, jazer, etc., afastada a ideia de movimento. Mas: "jacio, jacis, jeci, jactum, jacere" (verbo, trans. da 3ª conj,) = lançar, arremessar, atirar, etc., sempre com a ideia de movimento. Uma curiosidade: o objeto de forma cúbica, com as faces marcadas, geralmente por números de 1 a 6, é o "dado", de etimologia incerta, utilizado em jogos. Poderia provir de "datum", do verbo "dare", ganho da sorte, ou do árabe "dad", jogo. Os soldados romanos, principalmente, costumavam "jogar dados", valendo-se de um osso do tarso, que mais se aproxima do formato do cubo: o astrágalo, que em Latim é "astragalus, i", ou "astragalum, i" (masculino ou neutro) e vem do Grego "astrágalos" = articulação, ossinho, astrágalo. Os dicionários latinos registram, ainda, a palavra "astragalizontes, ium" (masc. plural), que significa "jogadores de dados".
terça-feira, 3 de julho de 2012

Cidades e pessoas

Cidades e pessoas O leitor, Evaldo Melo, indaga: "Como escrever em latim a expressão 'cidades e pessoas', referindo-se às cidades contemporâneas e às pessoas, conhecidas ou anônimas, que as habitam? Consultei alguns dicionários de latim/português, mas fiquei ainda com mais dúvidas, pois são muitas as grafias apresentadas para as palavras 'cidades' e 'pessoas'. Agradeço...". Desde já peço desculpas ao leitor se as considerações que apresentarei, a seguir, não corresponderem ao que ele pretendia com suas indagações. Para o termo "cidade" o Latim reserva as palavras "urbs, is" (subst. fem. 3ª decl.), "oppidum, i" (subst. neutro, 2ª decl.) e "civitas, atis" (subst. fem. 3ª decl.). Para "pessoa", teríamos: "persona, ae" (fem. da 1ª decl.), "incola, ae" (subst. masc. e fem. 1ª decl., que significa "habitante") e "civis, is" (sub. masc. e fem. da 3ª decl., significando "cidadão, cidadã"). Teremos no nominativo plural: "urbes", "oppida", "civitates", "personae", "incolae", "cives". E para a conjunção aditiva "e": "et", "que", "atque". Anote-se: "que" vem colocada depois da palavra e se liga a ela: "Arma virumque cano" é como Vergilio começa a Eneida: "As armas e um varão eu canto...". Atque é mais empregada antes de vogal, como nesta frase de Cícero: "haec urbs atque imperium" = esta cidade e este império. Postos, assim, os ingredientes, é só partir para a execução da receita, elaborar, criar: "urbes et personae" = as cidades e as pessoas; "oppida et personae" = as cidades fortificadas e as pessoas; "civitates et personae" = as cidades e as pessoas. Experimente as demais combinações, com incolae e cives. É verdade que essas palavras têm uma infinidade de significados e acabam tornando-se uma pedra no caminho de todos nós, que não dominamos o Latim. Civitas pode significar cidade, o povo da cidade, reunião de cidadãos, nação, Estado, forma de governo de uma nação, etc., etc., mas também cidadania, o direito de cidadão romano, pátria, foro. E muito mais. Urbs é, também, sinônimo de Roma, "a cidade por excelência", como na expressão "ab urbe condita", que se traduz por "desde a fundação de Roma". Urbs tem origem na palavra "orbis", que significa orbe, toda figura esférica, etc. O círculo ao redor da "urbs" marcava-lhe o perímetro urbano. Seria hoje uma espécie de cinturão urbano, uma avenida do contorno. Oppidum (de ops = força, poder, esforços e dare = dar) é mais a cidade fortificada, a fortaleza. Aparece também como sinônimo de Roma. Persona (de personare = ressoar, retumbar) significa tanto a máscara teatral, a personagem de teatro, o próprio ator ou o papel que ele representa, mas tem, também, o sentido de pessoa, indivíduo. Vamos em frente, cozinhemos a sopa de pedras... __________
terça-feira, 26 de junho de 2012

Ladrão na caixa d´água

  Lites habent sua sidera ou Habent sua sidera lites   O migalheiro, Carlos Augusto Rodrigues, quer saber o significado da expressão "lites habent sua sidera" (também: "Habent sua sidera lites"). Primeiramente, vamos examinar seus termos : "Lites" é o nominativo plural de "lis, litis", substantivo feminino que significa lide, processo. Sidera é o acusativo plural de sidus, sideris, substantivo neutro da 3ª declinação cujo significado é astro, estrela. Habent = têm. Sua (acusativo plural de suum) = os seus, as suas. Traduzindo: os processos (as lides) têm os seus astros. Isto significaria que o resultado, a sorte dos processos dependeria das posições e conjunções astrais, pois já estaria "escrito nas estrelas", desde o ajuizamento. Uma espécie de maktub processual que poderia servir de explicação para os insucessos da causa, ou os cochilos do patrono. Mas, também, uma inegável deselegância para com os magistrados, postos, gratuitamente, à mercê de astrologias caseiras, de vidências e videntes. Foi sob esse primeiro impacto que Calamandrei, mestre de todos nós, completou seu pensamento, justificadamente inflamado: "...Mas você, jovem advogado, não se afeiçoe a esse mote de resignação imbele, debilitante como um narcótico; queime o papel em que o encontrar escrito e, quando aceitar uma causa que achar boa, ponha-se ardentemente ao trabalho, com a certeza de que quem tem fé na justiça sempre consegue, a despeito dos astrólogos, mudar o curso das estrelas" (Eles, os Juizes...", Martins Fontes, S.Paulo, 2000). Sabe-se que, bem mais tarde, Calamandrei adota uma espécie de releitura de seu discurso, mas sem fazer um mea culpa, pois apenas lhe deus novos contornos.   __________
terça-feira, 12 de junho de 2012

Mens in corpore tantum molem regit

Mens in corpore tantum molem regit O migalheiro, Dirceu Jacob de Souza, quer saber a tradução da frase "mens in corpore tantum molen regit". Primeiramente, colega, posso afiançar-lhe que a grafia correta é molem e não molen, pois moles, is é substantivo feminino da 3ª declinação e não registra - em qualquer de seus "casos" - terminação com a letra "N". Dentre os significados de "moles, is" temos: massa, volume, corpo, massa de matéria, mole, esforço, empenho, trabalho, fadiga, embaraço, estorvo, etc., etc". Na frase, "molem" é acusativo singular, funcionando como objeto direto de regit (3ª pessoa do singular, presente do indicativo) do verbo regere - reger, dirigir, cujo sujeito é mens (s. fem.): mente, espírito. Tantum, aqui, funciona como advérbio, modificando o verbo regit e podendo significar: tanto, só, somente. In corpore = no corpo, ablativo de corpus, corporis (subst. neutro da 3ª). Pondo na ordem de tradução: mens tantum regit molem in corpore: a mente dirige, rege toda a matéria no corpo. Sintetizando: O espírito é que dirige todo o corpo. Observações: a) Há quem afirme tratar-se de anagrama construído a partir das iniciais M.I.C.T.M.R. nome de um maçom(?) e que guardaria relação com lemas ou gestos maçônicos. Um princípio ou um dos modos de reconhecimento. Abstenho-me, porém, de entrar nessa área, para não correr o risco de ser chamado de "goteira". b) Vejo, apenas, uma ampliação - in pejus - da frase extraída do discurso de Anquises, pai de Enéas, sobre a origem celeste das almas e sobre o ciclo perpétuo de encarnação, morte e reencarnação. Na Eneida (L. VI, verso 727?) aparece: Mens agitat molem : "uma mente movimenta toda a massa" no sentido de que "um espírito faz mover o mundo", (cf. "Dicionário Latino Saraiva", verbete "mens") e é este o significado que a tradução de "Mens in corpore tantum molem regit" deve buscar, dada a grande semelhança entre "mens regit molem" e "mens agitat molem": no corpo a mente comanda (rege, dirige, conduz, movimenta) a massa, a matéria. __________
terça-feira, 5 de junho de 2012

Abreviaturas e termos latinos

No Brasil temos regras e normas para tudo e para todos, inclusive as que, cuidando das redações oficiais, tratam das abreviaturas e notas de textos, mormente as citações de pé de página. Não me perguntem se são seguidas...   Bom número delas é constituído de termos latinos, como se verá da relação abaixo, meramente exemplificativa: p. ( apud) - junto a, citado por, segundo   cf. - compare, confronte, confira   cf. infra - conferir linhas ou páginas adiante ou abaixo   cf. supra - conferir linhas ou páginas atrás, isto é, acima   ed. cit. - edição citada   e.g. (exempli gratia) - por exemplo   et al. (et alii ou et aliae) - e outros ou e outras   ex. - exemplo   ibid. ( ibidem) - na mesma obra, no mesmo lugar   id. ( idem ) - o mesmo, a mesma coisa   i.e. (id est) - isto é   il. ou ilust. - ilustrações ou ilustrado   in - em   infra - abaixo   ip. lit. (ipsis litteris) - literalmente, com as mesmas letras   loc. cit. (locus citatus) - lugar citado   n. - número   n.b. (nota bene) - observe bem   op. cit. (opus citatum) - obra citada   p. ou pag. - página   pass. ou passim - aqui e ali, em diversas partes   s.d. - sem data   s.ed. - sem editor, sem lugar de publicação ou local   seq. (sequentia) - seguinte ou que se segue   sic - assim mesmo, tal qual   supra - acima   v. - volume, veja, ou ver   vid. - vide   v.g. (verbi gratia) - por exemplo   v.o. - ver original Anote o leitor (cuja paciência não me canso de agradecer) que a maioria das expressões diz respeito a alguma fonte já citada com todas as letras. Melhor esclarecendo, quando a obra é citada pela primeira vez, a remissão deve ser completa (p. ex.: René DESCARTES, Discours de la méthode, VIe partie, Paris, Vrin, 1967, p.62). Se ocorre nova citação da mesma fonte, mas, suponhamos, contida na Vª parte da obra, caberá: Idem, Ve partie, p.30. Se, ainda, vier logo a seguir outra citação da mesma obra, soará bem "idem, ibidem" (ou id. ibid), sobretudo se a página for a mesma da anterior.   O "sic" merece ligeira observação. É uma "faca de dois legumes", como poderia dizer aquele ex-presidente de certo clube paulista de futebol. Com o "sic", você deixa claro que está citando o tópico tal como lhe veio às mãos (ou aos olhos), embora algo lhe pareça errado ou suspeito. A ressalva poderá trazer-lhe a tranquilidade de ter deixado explícito que estava atento e "não comeu gato por lebre", mas dela lhe advirá, no mínimo, um cordial desafeto.   Vamos ficar por aqui.