MIGALHAS QUENTES

  1. Home >
  2. Quentes >
  3. Início da Vida e Células-Tronco Embrionárias

Início da Vida e Células-Tronco Embrionárias

Um artigo que discute um dos temas mais polêmicos

Da Redação

segunda-feira, 18 de julho de 2005

Atualizado em 14 de julho de 2005 15:57

 

Início da Vida e Células-Tronco Embrionárias

 

*Marco Segre e Gabriela Guz

 

O que é vida? Biologicamente, é um conjunto de características, absolutamente variáveis de uma espécie para outra (veja-se, a título de exemplo, as diferenças entre uma bactéria e um ser humano), todas elas observadas e verificadas por estudiosos.

 

Mas essa caracterização da vida é vista "de fora". O que significa isso? Que a descrição desses aspectos todos nos permite saber "o que consideramos vida", mas não o que a vida de fato é. A essência da vida está na subjetividade, na forma como cada um a percebe e, portanto, ela é indefinível, e sua experiência, inefável. Se nos louvarmos nas religiões, a vida precede a concepção e o nascimento e ultrapassa a morte -todos fenômenos biológicos percebidos "de fora".

 

É preciso lembrar que, fazendo ciência, estão cientistas. Indivíduos, como outros, dotados de valores, crenças e culturas

 

Se não conseguimos definir o que é "vida", dentro dessa óptica, muito menos poderemos definir quando ela tem início nem quando termina. Mesmo nessa visão "de fora", quando procuramos dizer que há vida a partir de determinadas manifestações, abrangeremos como vivas cada uma das células de um organismo, um espermatozóide, um óvulo e, ainda, uma pessoa em coma profundo, só para exemplificarmos a partir de seres humanos.

 

O que importa, portanto, e desejamos que fique bem claro, é definir a partir de quando, e até quando, queremos considerar e respeitar "algo" como vivo. Não havendo possibilidade de dissociarmos o que queremos considerar "vivo" de aspectos biológicos -portanto, vistos "de fora"-, admitamos que a impossibilidade de estabelecer o início e o fim da vida nos obriga a dar um caráter aleatório a essas demarcações. É necessário, sim, estabelecer esses parâmetros, precipuamente, para sabermos a partir de quando e até quando, de acordo com os valores de nossa sociedade, devemos respeitar a vida.

 

Com essa introdução, desejamos colocar ênfase no fato de que não é o cientista, o biólogo ou o médico quem nos dirá quando a vida humana começa ou termina, cabendo a esses profissionais, tão-somente, a descrição dos fenômenos biológicos. A fixação desses parâmetros (começo e fim da vida) somente será determinada a partir de fatores culturais, religiosos etc.

 

A atual discussão acerca da utilização de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa e terapia reflete claramente que o conceito de "vida" e, conseqüentemente, a definição de seu início passam, fundamentalmente, por valores individuais de pessoas, sejam elas cientistas ou leigas.

 

É o que explica o fato de a própria comunidade científica não apresentar um conceito único de início da vida humana. Assim, é preciso lembrar que, fazendo ciência, estão cientistas -indivíduos que, como quaisquer outros, são dotados de valores, crenças e culturas.

 

Se não cabe à ciência determinar quando começa a vida, caberá ao direito definir a partir de que momento ela deve ser protegida?

 

Não há dúvidas de que se faz necessário estabelecer a partir de que momento a vida será passível de proteção jurídica. Entretanto, é preciso entender que o direito não constitui uma "entidade" à parte da sociedade. Ao contrário, é instrumento por ela e para ela criado. Em outras palavras, é o direito que serve a sociedade, e não a sociedade que serve o direito.

 

Portanto, para que determinada demarcação de início da vida venha a ser traduzida em lei, deverá ser o resultado de um processo democrático de escolha exclusivamente da sociedade. É o que ocorre, por exemplo, na Itália, onde se realizou recentemente um referendo sobre normas referentes à procriação assistida.

 

Para tanto, é fundamental que se promovam debates nos quais prevaleçam a clareza, a transparência e, acima, de tudo, o respeito à pluralidade de opiniões.

 

Definir a partir de que momento a vida humana deverá ser passível de proteção jurídica é questão extremamente difícil, mas que deverá ser enfrentada pela sociedade, porque somente por ela poderá ser decidida.

 

 

Fonte: Folha Opinião

 

_________

 

*Marco Segre, médico, é professor emérito da Faculdade de Medicina da USP, presidente da Sociedade de Bioética de São Paulo e membro da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde. Gabriela Guz, advogada, professora de ética médica da Unisa (Universidade de Santo Amaro), é especialista em bioética pela USP.