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Entrevista - João Gilberto, procurador de Taubaté, diz estar assustado com a política atual

Da Redação

segunda-feira, 12 de setembro de 2005

Atualizado em 9 de setembro de 2005 11:33


Entrevista


João Gilberto Gonçalves Filho

Procurador diz estar assustado com a crise política atual e considera um exagero a proporção que o escândalo vem assumindo na mídia e na opinião pública

Quem é leitor de Migalhas há mais de um ano já ouviu falar da "dupla dinâmica do Vale do Paraíba", composta pelo Procurador da República no Município de Taubaté, João Gilberto Gonçalves Filho, e pelo juiz federal Paulo Alberto Jorge, de Guaratinguetá. Esta dupla se tornou muito conhecida no meio jurídico nacional por atuar em questões sensíveis à população.

Hoje, Migalhas tem a honra de apresentar aos leitores uma entrevista exclusiva com o procurador João Gilberto Gonçalves Filho. Ele, que já faz parte deste informativo, mostra, em suas respostas, que sua busca é pelos direitos humanos fundamentais.

Leia abaixo a entrevista.

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Migalhas
- No ano passado, o sr. - juntamente com o juiz federal Paulo Alberto Jorge, de Guaratinguetá, também do Vale do Paraíba - tornou-se muito conhecido do meio jurídico nacional por atuar em questões sensíveis à população. A questão da abertura dos arquivos da ditadura, a suspensão do pagamento de pensões reparatórias aos anistiados e o casamento homossexual foram alguns dos pontos abordados. Nós, assim como os leitores, temos curiosidade em saber como o sr. escolhe os temas que serão alvo da atuação especial do sr.?


João Gilberto Gonçalves Filho
- Não tenho um roteiro pré-definido a seguir. O princípio geral básico pelo qual norteio a minha atuação como membro do MPF é o da maior utilidade e eficácia social possíveis. Estou convencido de que juízes federais e procuradores da república são muito bem remunerados, com dinheiro público, para dedicarem as suas vidas a manter pobres na cadeia. E isso é o que acontece no dia-a-dia do processo penal. A maioria dos processos e inquéritos penais trata do crime de moeda falsa, geralmente sobre uma única nota de R$ 50,00 (cinquenta reais); ou apropriação indébita previdenciária, que (geralmente) só pega empresário falido, já que aquele que tem dinheiro paga o débito antes da denúncia e tem extinta a sua punibilidade; ou ainda os crimes de contrabando e descaminho, envolvendo sacoleiros miseráveis que se amontoam num ônibus para trazer quinquilharias do Paraguai e vendê-las em camelôs, que, diga-se de passagem, já tomaram conta das ruas desse país devido à grave crise de desemprego. Sem consciência de si próprio, o sistema judiciário vai funcionando como cão de guarda pela manutenção do status quo. Consciente de que faço parte desse sistema, vou refletindo sobre o mundo à minha volta e me preocupo em saber de que modo a minha atuação pode ser realmente útil à sociedade, principalmente na perspectiva de concretização de direitos humanos fundamentais, vale dizer, como posso valer-me das minhas atribuições e dos instrumentos jurídicos a meu alcance para diminuir preconceitos, transmitir a paz social, proteger o patrimônio público, sempre do modo mais eficaz possível.

Migalhas - Tal o dinamismo da atuação dos srs, mereceu em Migalhas a que fossem honrosamente chamados de a "dupla dinâmica do Vale do Paraíba". No entanto, critica-se muito, não só em Migalhas, alguns membros do parquet por agirem com motivação política. O sr. é filiado, ou já foi, em algum partido político ?

J. G. G. F. - Não sou nem nunca fui filiado a partido político. Atualmente, com a vinda com a EC n.° 45, mesmo que quisesse sê-lo ( e não quero), não poderia, devido à nova redação do art. 128, § 5°, inc. II, letra "e", da CF. A verdade é que neutralidade política não existe em nenhum ser humano, todos temos nossas convicções e preferências pessoais. O que devem fazer os magistrados e membros do Ministério Público é terem consciência dessas suas convicções e preferências políticas, justamente para evitar ao máximo que elas contaminem a própria atuação funcional e afetem de qualquer forma a imparcialidade. Todavia, é necessário agregar um componente à discussão. Antes de ficar perquirindo qual o viés político de um membro do Ministério Público, o mais importante é analisar criticamente se a sua atuação, em determinado caso concreto, tem ou não tem respaldo jurídico. Tenha ou não motivação política a atuação de um membro do Ministério Público, não há como recriminá-lo se ele estiver realmente combatendo uma situação eivada de ilegalidade.

Migalhas - No início deste ano, o senhor ajuizou Ação Civil Pública para permitir a pesquisa com células tronco. O sr. é um estudioso do assunto?

J. G. G. F. - Tanto nos estudos feitos para a propositura da ação como nos debates que lhe sucederam, aprendi bastante sobre o tema, inclusive quanto a minúcias técnicas. Comprei mais de 10 livros de biodireito para propor essa ação. Sinto na pele a importância dessas pesquisas e de todas mais que possam trazer benefícios à saúde humana, já que meu pai está em coma com seqüelas de meningite e tenho um filho com síndrome do X-frágil. Se a ciência e as inovações tecnológicas trouxeram tantos males à humanidade (direito ambiental que o diga), temos o dever de explorar aquilo que possa trazer de bem, como é o caso das pesquisas com células tronco embrionárias.

Migalhas - Como o senhor avalia a posição do promotor Sebastião Sérgio da Silveira, do Gaerco (Grupo de Atuação Especial e Repressão ao Crime Organizado de Ribeirão Preto), que ouviu o depoimento do advogado em Ribeirão Preto, Rogério Tadeu Buratti, e depois - antes de acabá-lo - revelou à imprensa as acusações que o advogado fez ao ministro da Fazenda?

J. G. G. F. - Sob o ponto de vista estritamente jurídico, não vejo como reprovar-se a conduta do promotor de justiça. Se não estava decretado o sigilo na investigação naquele momento do depoimento do Sr. Buratti, então, a rigor, qualquer pessoa, inclusive os jornalistas ali presentes, poderiam ter presenciado a própria colheita da oitiva. Ou o procedimento é público ou não é. Se era público (pelo menos naquele momento), qualquer um poderia ter assistido ao vivo o depoimento. Aliás, é exatamente isso o que acontece nas CPIs. Os depoimentos são transmitidos ao vivo pela televisão (TV Câmara e TV Senado) e ninguém diz que a transmissão, por si só, seja abusiva. Muitos parlamentares que criticaram esse promotor de justiça colhem depoimentos na CPI que chegam ao conhecimento do público em tempo real. Engraçado que a imprensa, que sempre reclamou fervorosamente contra os inquéritos sigilosos da época da ditadura, de um modo geral atacou a postura do promotor de justiça. Vi vários editoriais de jornais nesse sentido. O que é que a imprensa queria afinal, que lhes fossem negadas as informações sobre um procedimento de investigação público? A par dessa consideração, que me pareceu sonegada na discussão sobre esse episódio, eu também concordo que, sob o ponto de vista da conveniência social, o vazamento desse depoimento foi infeliz. Nós estamos atravessando um momento de grave crise política e a balbúrdia não interessa a ninguém. Lembremos que, na Revolução Francesa, não foi o rei o único decapitado; todos os seus líderes também o foram, tamanho o descontrole popular. Talvez a única coisa que segure o país de pé seja a estabilidade econômica. Quem tem até uns 22 ou 23 anos provavelmente não lembra disso, mas quem tem um pouco mais de idade certamente se lembra do que é viver num país com 80% de inflação ao mês. Lembro que o preço de uma bolacha de chocolate aumentava umas três vezes ao dia no mesmo Supermercado.Tendo sido feita uma acusação contra o Ministro de Estado da Fazenda, seria preciso fazer no ato uma ponderação entre o interesse social à livre informação e o interesse social na estabilidade do mercado econômico. Devido à fragilidade das nossas instituições, à incipiência da democracia e à grave crise política pela qual atravessamos, tenho opinião de que o nobre promotor deveria ter a sensibilidade de manter a informação sob sigilo. É isso o que eu faria, se eu estivesse atuando nas mesmas circunstâncias.

Migalhas - A crise política fez seu primeiro cadáver. A Velhinha de Taubaté, personagem criada há 22 anos, morreu de desgosto, no último dia 19/8, como anunciou o cronista Luis Fernando Verissimo. Ao noticiar a passagem da velhinha, Migalhas questionou os possíveis motivos da morte e entregou o caso à dinâmica dupla do Vale. O senhor, conterrâneo da de cujus, tem alguma justificativa? Mesmo sendo um caso simbólico, porém de peso, como o senhor vê esta morte?

J. G. G. F. - A crise política atual me assusta. Assusta porque o Brasil ainda padece de tanta miséria e o nosso povo ainda sofre de tantas necessidades básicas que não podemos nos dar ao luxo de afundar as nossas mazelas ainda mais, com uma crise institucional. E a situação assume tal gravidade quando setores expressivos do meio jurídico passam a defender abertamente uma nova assembléia constituinte, como se uma nova constituição fosse a panacéia para a resolução de todos os nossos problemas; como se a atual Constituição houvesse sido um dia totalmente cumprida. Por outro lado, parece-me que há um nítido exagero na proporção que o escândalo vem assumindo na mídia e na opinião pública. Há casos de corrupção no Poder Executivo e no Poder Judiciário, tanto federal como estaduais, muito mais escabrosos que os noticiados no âmbito do Congresso Nacional. Estou convencido que a sangria de dinheiro público que escorre das fraudes em benefícios fantasmas no INSS, nas desapropriações superfaturadas do INCRA e nas licitações dirigidas têm um potencial absurdamente mais lesivo ao Brasil do que qualquer pagamento de "mensalões" para dar apoio político ao partido "A" ou "B", sem desconsiderar que qualquer corrupção deva ser combatida.

Migalhas - O sr. apareceu muito nos jornais. O sr. guarda essas matérias para ver o que a imprensa publicou a respeito?

J. G. G. F. - Não guardo matérias jornalísticas a meu respeito porque acredito que esse tipo de vaidade não faz bem. A história humana é rica em surpresas e vicissitudes e seria muito egocentrismo de minha parte ter qualquer tipo de glamour com o meu passado. Pouco me interessa o que passou, salvo pelas lições sábias que o estudo da história nos lega. Pouco me interessa o que fiz de bom até agora, seja no MPF ou mesmo com a minha vida pessoal, mas sim o que ainda posso e devo fazer. As minhas preocupações são centradas no futuro.

Migalhas - O sr. poderia nos adiantar qual seria o próximo grande caso envolvendo a "dupla do Vale" ? Nessa crise política, não seria hora de entrar em ação?

J. G. G. F. - Quem sabe o próximo grande caso não venha de algum leitor de Migalhas? Fica aqui o meu convite a todos os leitores de Migalhas para que exerçam o seu direito de cidadania, dando sugestões, idéias e subsídios para a propositura de ações ou procedimentos de atribuição do Ministério Público Federal. Estejam à vontade para comunicá-las comigo pelo e-mail [email protected]. Qualquer crítica ao meu trabalho também será bem vinda e terá a minha reflexão. Quanto à "dupla dinâmica do Vale do Paraíba", eu não oficio mais com o Dr. Paulo, Juiz Federal em Guaratinguetá, porque foi criada agora uma nova Procuradoria da República lá, onde atua um colega meu recém-empossado (Dr. Adjame). Terei saudades do nosso convívio profissional porque ele, além de ótimo juiz, é um excelente ser humano, com uma boa visão crítica da realidade e um poço de simpatia no trato pessoal, não só comigo, mas também com qualquer advogado ali atuante; mas a vida continua e não deixarei de defender a sociedade em juízo, seja quem for o juiz das minhas causas. Tenho sérias dúvidas sobre até que ponto o Poder Judiciário pode intervir na crise política e minha primeira impressão é a de que não deve intervir, salvo para a garantia de direitos fundamentais individuais porventura lesados em atos concretos da CPIs. Mesmo essa atividade, outrossim, deve ser feita com redobrada cautela, porque o Poder Judiciário não se sobrepõe de modo nenhum ao Legislativo e encontrar o equilíbrio nessa relação entre os poderes, que pode gerar algum atrito, não é uma tarefa simples. Se esse raciocínio vale para o Supremo Tribunal Federal, que é o órgão de cúpula do Poder Judiciário, com muito maior razão se aplica a qualquer juiz de primeiro grau. Vou dar um exemplo concreto. Numa decisão monocrática e em caráter liminar da Min. Ellen Gracie, o STF acabou de decidir que uma juíza federal está dispensada de prestar depoimento na CPI dos Bingos, sob o fundamento de que o Legislativo não pode fazer correição no Poder Judiciário, implicando a violação ao princípio de separação entre os poderes. Ora, se fosse assim, com o mesmo argumento, então também nenhum funcionário do Poder Executivo estaria obrigado a prestar depoimento em CPIs. Se elas têm poderes de investigação próprios de autoridades judiciárias, como diz a CF, e se até Ministros de Estado podem ter o seu comparecimento forçado para prestarem depoimento, parece-me inadmissível tal decisão. Isso não significa, contudo, que o Judiciário deva postar-se passivamente diante dos movimentos populares de reivindicação; se há uma crise de autoridade dos demais poderes, que não dão conta de atender satisfatoriamente aos anseios populares, é dever do Poder Judiciário fazer cumprir a Constituição, tendo como único limite a reserva do materialmente possível.

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