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À espera de um milagre. Foro de Goiânia/GO tem 160 ações com mais de 25 anos que ainda não foram apreciadas definitivamente pelos juízes

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Da Redação

segunda-feira, 12 de dezembro de 2005

Atualizado às 10:26


À espera de um milagre. Foro de Goiânia/GO tem 160 ações com mais de 25 anos que ainda não foram apreciadas definitivamente pelos juízes


Em 1965, Flauzina Martins Rezende entrou com processo na Justiça contra a empresa Comercial e Importadora Sotel, de Goiânia, tentando anular a venda de 2.999 ações que ela havia herdado do marido e que teriam sido vendidas, sem sua autorização, na bolsa de valores por um dos proprietários da companhia. Há poucos anos, Flauzina morreu sem presenciar o desfecho final do processo, que até hoje não foi julgado em definitivo pela 9ª Vara Cível da capital. Além dessa ação, que completou 40 anos no dia 22 de fevereiro passado, tramitam na capital outros 160 processos iniciados no período de 1º de janeiro de 1970 a 31 de dezembro de 1980 e que ainda não foram apreciados definitivamente pelos juízes.


O levantamento que apurou o número de ações mais antigas em tramitação em Goiânia/GO foi solicitado à Coordenadoria Judiciária do Foro da capital pelo jornal O Popular. A exemplo do processo de Flauzina, a maioria dos casos mais morosos ainda sem julgamento corre nas varas cíveis e nas de família e sucessões. Predominantemente são ações de execução, separação litigiosa, inventários e partilhas. Mas também foram registrados em menor número processos que envolvem pedidos de indenização, busca e apreensão, reintegração de posse e rescisão contratual.


Essa radiografia do andamento processual demonstra de forma clara que muitos goianos realmente têm de esperar indefinidamente pela apreciação final do seu caso pela Justiça. Ela também é importante porque, no dia 29 de novembro, o CNJ determinou ao TJ/GO que designe um juiz e profira sentença em 60 dias em uma ação que tramita há 38 anos na comarca de Iaciara, no nordeste goiano. Essa foi a primeira vez que o CNJ julgou representação por morosidade no andamento de processos depois que o órgão foi criado este ano pela Emenda Constitucional 45, que tratou da reforma do Judiciário.


O ministro-corregedor do CNJ responsável pela decisão, Antônio Pádua Ribeiro, sinaliza com a possibilidade de se manifestar sempre favoravelmente às partes que se sentirem prejudicadas com a demora na prestação jurisdicional. O caso apreciado pelo CNJ foi apresentado pelo advogado Wilson Sabino, que pediu providências para o atraso no julgamento de ação divisória cumulada com ação demarcatória de terras. A última audiência marcada para o caso ocorreu em março de 2004, mas, até hoje, não foi proferida a sentença.


Um processo tramita na 3ª Vara da Fazenda Pública Estadual e foi proposto em 1972 por 94 proprietários de imóveis localizados no Jardim Goiás (00002149-2/195). A área foi desapropriada pelo Estado para a construção do Estádio Serra Dourada. Ao longo desses 33 anos, muitos donos não conseguiram ser indenizados e outros esperam o recebimento de precatórios emitidos pelo Estado.


O juiz responsável pelo caso, Ari Ferreira de Queiroz, garante que a demora na apreciação da ação o incomoda mais do que às próprias partes. Ele afirma que a dificuldade em julgar o processo se deve ao fato de existirem muitas partes envolvidas. Sempre que é feita a avaliação dos imóveis, tanto o Estado quanto os donos não concordam com o que foi apurado, levando a novas diligências, que se prolongam indefinidamente, explica o juiz, que assegura que deseja pôr fim à perlenga o mais brevemente possível.


A advogada Tânia Morato também convive com a frustração de ver vários de seus processos sem desfecho final. Em um deles, ela representa a Petrobrás Distribuidora, que tenta receber dívida no valor de Cr$ 445.700,93, da Comércio e Representação Camelo. A ação foi protocolada em 1980, quando a moeda vigente era o cruzeiro. De lá para cá, a empresa já fechou suas portas e a estatal agora quer obter autorização judicial para pedir aos bancos a lista de clientes para tentar localizar o devedor. O pedido ainda não foi julgado. A advogada também representa a Marmoria Serra Dourada, que executou um cliente que não quitou débito de Cr$ 174.528,00. Um dos sócios da empresa, Paulo Gouthier, conta que a empresa já foi dissolvida e que, até hoje, amarga o dissabor de não ter recebido a dívida.


Além da má-fama, o retardamento no julgamento prejudica as partes, fazendo com que o Judiciário deixe de cumprir seu papel, que é a promoção da Justiça.

 

O presidente do TJ/GO, desembargador Jamil Pereira de Macedo, admite a existência de muitos processos antigos, originados ainda nas décadas de 60, 70, 80 e 90 sem apreciação dos juízes. Apesar disso, garante que esse tipo de situação é minoria no Estado, que, de acordo com ele, atualmente conta com uma das Justiças mais céleres do País. Segundo Jamil, tramitam em Goiás 1,2 milhão de ações. Desse total, diz, cerca de 90 mil são julgadas todos os meses. Mas como o número de novas ações é equivalente ao daquelas apreciadas, o gargalo sempre continua, assegura o presidente da OAB/GO, Miguel Ângelo Cançado, que garante que a entidade sempre registra queixas de advogados que denunciam a morosidade processual.

 

Ao anotar as reclamações, a OAB/GO encaminha os pedidos à Corregedoria-Geral de Justiça. Segundo Cançado, os casos que chegam a ser denunciados têm resposta positiva do Judiciário. Apesar disso, como o número de ações não pára de crescer, aumentando cerca de 30% ao ano, sempre existem profissionais insatisfeitos com a demora na prestação jurisdicional, principalmente quando atua como representantes da parte autora.

 

A reclamação dos advogados é corroborada por uma pesquisa encomendada pelo STF e divulgada no segundo trimestre deste ano. O estudo demonstrou que a instância de primeiro grau da Justiça estadual goiana é o gargalo do Judiciário no Estado, com um congestionamento de processos que supera os 80%. Apesar dos dados do levantamento serem referentes a 2003, eles com certeza ainda são o retrato do desempenho e da estrutura do Judiciário.

 

As estatísticas indicam que a taxa de congestionamento na tramitação de processo em Goiás é de 0,83 (numa avaliação em que o pior índice é 1). Em termos porcentuais, o cálculo apontou uma taxa de congestionamento de processos em primeiro grau no Estado de 83,4%. O resultado colocou Goiás como o oitavo pior no ranking nacional de eficiência do Judiciário na Justiça de primeiro grau.

 

Para pôr fim à morosidade e impulsionar de vez os julgamentos, Jamil de Macedo garante que é preciso promover mudanças infraconstitucionais, com a redução da possibilidade de interposição de recursos, muitos deles somente para atrasar o resultado final. Além disso, diz, é preciso aumentar o número de magistrados em atuação. Isso porque, em Goiás, há um déficit de 119 juízes - há 387 cargos de juiz nas 119 comarcas. O Tribunal empossou 17 juízes substitutos aprovados no concurso público realizado este ano e está previsto novo concurso para o próximo ano, caso haja condições financeiras, assegura.

 

Miguel Cançado, concorda com Jamil, assegurando que se o número de juízes em atividade aumentar, o andamento processual pode ser impulsionado. Mas, segundo ele, o problema não será totalmente resolvido porque no País as regras processuais ainda são arcaicas, permitindo que as partes usem artifícios legais para emperrar o andamento do feito.

 

O excesso de formalismo, também na opinião do procurador-geral de Justiça, Saulo de Castro Bezerra, faz com que a morosidade incomode o cidadão que busca os serviços do Judiciário. Segundo ele, os profissionais do Direito estão mais apegados ao formalismo do que ao mérito.

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Fonte: OAB e jornal O Popular

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