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Golpe da linha telefônica já provocou muitos dissabores

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Da Redação

quinta-feira, 6 de julho de 2006

Atualizado às 08:07


Linha cruzada

Golpe da linha telefônica causa prejuízos

Em Migalhas 1.447, 5/7, sob o título "novidade", uma migalha contava o que seria um novo golpe praticado. Falsários estariam solicitando a instalação de telefone em nome de outras pessoas, causando imensos transtornos, vez que as operadoras de telefonia, depois de alguns meses sem receber pelas ligações, "negativam" o nome da pessoa, que sequer sabia da existência da linha. No entanto, Migalhas errou. E errou porque o caso não é novo. Já foi até levado para as Cortes brasileiras.

Veja abaixo o brilhante voto do desembargador Ruy Coppola, do TJ/SP, em caso análogo.

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Apelação com Revisão nº 910.884-0/6

Apelantes e Apelados : Maria José Cursino de Souza e Telecomunicações de São Paulo S/A - TELESP

Comarca : São Bernardo do Campo - 8ª Vara Cível

Relator Ruy Coppola

Voto nº 10.648

EMENTA

Ação de indenização. Dano moral. Inclusão do nome da autora em cadastro de inadimplentes. Alegação de débito decorrente de instalação de linhas telefônicas. Ausência de prova, pela concessionária prestadora de serviços, de que a autora realmente requereu a instalação de várias linhas telefônicas em endereços diversos do seu. Contratação feita via telefônica. Responsabilidade da prestadora de serviço quanto à segurança da contratação. Responsabilidade que decorre do risco profissional da prestadora de serviços. Mera alegação, não provada, de extravio de documentos de forma a permitir que terceiro, indevidamente, tenha feito a contratação em nome da autora.

Inclusão do nome em cadastro de inadimplentes. Ato que por si só implica em dano moral à pessoa do consumidor. Desnecessidade de outras provas em razão das graves conseqüências advindas da negativação.

Dano moral. Valor que deve ser fixado após a análise dos vários fatores existentes em cada caso concreto, que condicionam a justa apreciação de todos os aspectos envolvidos, principalmente atentando-se ao dano causado e ao poder aquisitivo do responsável e da vítima, sem, no entanto, constituir fonte de enriquecimento ilícito para o autor.

 

Recursos improvidos.

Vistos.

Trata-se de ação de indenização decorrente de prestação de serviços, promovida por Maria José Cursino de Souza em face de Telecomunicações de São Paulo S/A - TELESP, que foi julgada procedente em parte pela r. sentença proferida a fls. 59/64, cujo relatório se adota, condenada a ré a pagar à autora indenização por danos morais no valor de 15 salários mínimos, pagáveis em única parcela, com juros de mora a partir da citação, carreando à demandada o pagamento das custas e despesas e honorários de 20% sobre o valor da condenação.

Apela a ré (fls. 75/84), alegando, em resumo, que: a apelante agiu regularmente; todos os dados pessoais da autora foram fornecidos quando do pedido para instalação de linhas telefônicas; a requisição se fez por telefone; a apelada é a única responsável por seus documentos pessoais; se terceiros usaram os documentos da apelada não existe culpa da apelante; diante da inadimplência foi regular a conduta da apelante; não existe prova do dano moral sofrido; não se indeniza dano hipotético; o valor da condenação é desproporcional e deve ser reduzido.

Apela adesivamente a autora (fls. 69/70) buscando elevar o valor da condenação.

Recurso respondido, preparado o da ré.

É o Relatório.

A autora teve seu nome inserido em cadastro de inadimplentes por ato praticado pela ré. Isso é pacífico.

A ré alega que agiu corretamente, pois havia inadimplência quanto ao pagamento de linhas telefônicas instaladas a pedido da autora.

Contudo, a autora não requereu a instalação dessas linhas e a ré não comprovou, como deveria, que houve por parte da ré ou de pessoa a ela ligada, essa solicitação.

Na verdade a solicitação de instalação de linhas se faz por via telefônica, como asseverado pela ré em sua defesa.

Se assim ocorre, o mínimo que se exige da concessionária é um grau de certeza quanto à correção da solicitação em nome de alguém.

A ré apenas faz suposições de que a autora não cuidou de seus documentos pessoais, dando margem a que terceiro, de posse dos mesmos, tenha requerido a instalação das linhas, não podendo ser responsabilizada pela falta de zelo da autora com seus documentos.

Só que não existe qualquer prova a respeito desse fato.

A ré, como forma de abonar sua conduta, alegou que:

"Outrossim, assevera-se que a solicitação para instalação das aludidas linhas deu-se por telefone, o que de forma alguma pode caracterizar imprudência ou negligência da Ré.

Isso porque a modernização dos contratos segue a marcha social, pois, com o advento do comércio eletrônico, os contratos de venda e compra, bem como de prestação de serviços, também passaram a existir sem contato físico entre comprador e vendedor, da mesma forma que o relacionamento entre cliente e banco também sofreu modificações expressivas, já que tais operações são, crescentemente, substituídas por acessos à Internet ou ligações telefônicas.

Desta forma, num momento em que, por uma exigência social, os números dos documentos, dos cartões de crédito e senhas eletrônicas fazem as vezes das pessoas, salutar que tais dados sejam privativos ao seu titular, sob pena de permanentes prejuízos e facilitação de fraudes. Não se pode admitir, contudo, o regresso nas formas contratuais e a burocratização dos sistemas, o que prejudicaria toda a coletividade, unicamente pela desídia de alguns" (fls. 25).

Como dito pela nobre magistrada, de reconhecida competência, a ré procura apenas, sem qualquer prova, transferir para a autora um problema que não lhe diz respeito.

A forma de garantir a segurança das contratações é da prestadora de serviços e não da autora.

Note-se que a autora apenas contava com uma linha telefônica instalada em sua residência.

O pedido que se fez, por telefone, foi de instalação de mais quatro linhas, em endereços diversos daquele que é utilizado pela autora.

Não é crível que uma companhia do porte da ré não tome as condições mínimas de segurança no exercício de suas atividades. Se não o faz, deve responder por sua omissão.

Não se trata de retornar ao contato físico entre o comprador e o vendedor, mas de empreender relações seguras usando dos meios tecnológicos disponíveis.

Além disso, e aqui vem o pior, como sempre acontece, não existe um só documento dando conta de que a autora tenha sido avisada, como deveria, a respeito do débito, antes de ter seu nome negativado.

Como consta da r. sentença, desde o início do ano de 2003 o nome da autora esteve no cadastro de inadimplentes, sem que ela soubesse.

Só tomou conhecimento quando foi efetuar uma compra e ficou sabendo da restrição ao crédito.

Ou seja, a ré, com toda sua competência tecnológica não notificou a autora da existência do débito, quando poderia ficar sabendo, sem incorrer no ilícito, do que realmente havia ocorrido.

Já se decidiu que:

"DANO MORAL - Injustificada negativação do nome do autor nos cadastros de proteção ao crédito - Hipótese em que os débitos se originaram de uma indesejada contratação dos serviços via telefone - Pessoa física - Fato que enseja o dever de indenizar, independe de comprovação dos prejuízos - Aplicabilidade da teoria do risco profissional - Ação procedente - Valor fixado com moderação, prudência e equilíbrio - Recurso não provido." (Apelação nº 1.303.942-2 - São Paulo - 8ª Câmara do extinto 1º TAC - 11.08.04 - Rel. Juiz RUBENS CURY).

Prova do dano moral, no caso, era de todo desnecessária.

Aplico, neste caso, a mesma solução que dei em outro processo, envolvendo a mesma conduta ilícita, qual seja, a negativação do nome de pessoa que não guarda condição de inadimplente.

Naquele julgamento assentei que (Apelação c/ Revisão nº 756.110-0/2):

"Está demonstrado que o nome da autora foi parar no cadastro de inadimplentes quando nada justificava tal conduta.

No apelo o banco acena com a falta de prova do dano alegado.

Será mesmo?

Ouçam-se todos aqueles que de maneira indevida foram parar no cadastro do Serasa e do SPC.

A narrativa é assombrosa.

O cheque emitido é consultado em segundos e a devolução ao emitente se faz na hora, acompanhada de um sorriso maroto de quem o havia recebido.

As explicações, por outro lado, dependem do grau de qualificação do recebedor (nem sempre elevada) e são oferecidas na frente de tantos quantos estejam presentes ao local.

Podem variar de um simples "Seria melhor o senhor consultar o seu Banco pois está havendo algum mal entendido", para um enérgico "Seu nome está no cadastro de inadimplentes" .

 

E a cara do emitente?

Não existe aí constrangimento indevido?

O sistema de consulta on-line oferecido pelo Serasa não deixa qualquer escolha ao emitente correto e honesto que teve seu nome lançado indevidamente no cadastro.

Dá para argumentar? Dá para explicar?

Recolhe-se o cheque e inicia-se uma verdadeira romaria para tentar 'limpar' o nome do infeliz emitente.

Só quem já passou é que pode avaliar.

Ninguém mais.

Só posso imaginar e pela simples imaginação posso concluir, sem medo de errar, que a situação é mais do que incômoda, é mais do que simples mal estar.

Gabriel Stiglitz e Carlos Echevesti, citados por Antonio Jeová Santos (Dano moral indenizável, 1ª ed., São Paulo, Lejus, 1997, expõem que: 'Diferente do que ocorre com o dano material, a alteração desvaliosa do bem-estar psicofísico do indivíduo deve apresentar certa magnitude para ser reconhecida como prejuízo moral. Um mal-estar trivial, de escassa importância, próprio do risco cotidiano da convivência ou da atividade que o indivíduo desenvolva, nunca o configurará. Isto quer dizer que existe um 'piso' de incômodos, inconvenientes ou desgostos a partir dos quais este prejuízo se configura juridicamente e procede sua reclamação' (in "Responsabilidade civil" , p. 243).

E quem tem seu nome lançado no cadastro do Serasa e do SPC passa a ser um morto-vivo no sistema financeiro e comercial.

Que prova mais pretende o apelante?"

O valor da indenização, por outro lado, não pode ser reduzido ou aumentado, como pretende o autor em seu apelo adesivo.

O eminente Desembargador Antonio Rigolin, da 31ª Câmara deste Tribunal, já deixou anotado que "A indenização pela reparação do dano moral deve ser fixada em valor que permita propiciar uma compensação razoável à vítima, a guardar conformidade com o grau da culpa e a influenciar no ânimo do ofensor, de modo a não repetir a conduta. Reconhecida a ocorrência da devida proporcionalidade, deve prevalecer o critério adotado pela sentença." (Ap. c/ Rev. 589.890-00/1).

Ou seja, deve existir proporção entre a lesão e o valor da reparação.

Como dito pelo eminente Juiz desta E. Câmara, Orlando Pistoresi, quando integrava a Colenda 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça:

"Com efeito, 'O dano moral, se não é verdadeiramente, dano suscetível de fixação pecuniária equivalencial, tem-se de reparar equitativamente' (Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, T. 54,5.536, no. 1, p.61). 'O importante é a par do princípio da reparabilidade, admitir o da indenizabilidade, para que, como assinalam os autores, não fique a lesão moral sem recomposição, nem impune aquele que por ela é responsável, fatores, ambos, que seriam de perpetuação de desequilíbrios sócio-jurídicos' (R. Limongi França, Reparação do Dano Moral, in RT 631/135).

 

Por outro lado, 'Resta para a Justiça, a penosa tarefa de dosar a indenização, porquanto haverá de ser feita em dinheiro, para compensar uma lesão que, por sua própria natureza, não se mede pelos padrões monetários'.

'O problema haverá de ser solucionado dentro do princípio do prudente arbítrio do julgador, sem parâmetros apriorísticos e à luz das peculiaridades de cada caso, principalmente em função do nível socio-econômico dos litigantes e da maior ou menor gravidade da lesão' (Humberto Theodoro Junior, Alguns Impactos da Nova Ordem Constitucional sobre o Direito Civil, in RT 662/9) (Ap.c/Rev. no. 263.455-1/9)".

Deste modo, conclui-se que os danos morais devem ser fixados após a análise dos vários fatores existentes no caso concreto, que condicionam a justa apreciação de todos os aspectos envolvidos, principalmente atentando-se ao dano causado e ao poder aquisitivo do responsável e da vítima, sem, no entanto, constituir fonte de enriquecimento ilícito para o autor, mostrando-se suficiente, tendo em vista as peculiaridade do caso em análise, o arbitramento da quantia apontada na r. sentença.

Ante o exposto, pelo meu voto, NEGO PROVIMENTO aos recursos.

RUY COPPOLA

RELATOR

PODER JUDICIÁRIO

SÃO PAULO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA - SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO

Apelação com Revisão n° 910.884-0/6

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