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Entrevista

Com José Martins Pinheiro Neto

Da Redação

quinta-feira, 29 de julho de 2004

Atualizado às 10:06

 

Entrevista

 

José Martins Pinheiro Neto, que completa 87 anos em 21 de agosto próximo, construiu o maior escritório de advocacia do país e da América Latina: o Pinheiro Neto Advogados. Sua bem-sucedida trajetória profissional fez com que se tornasse um mito entre os advogados brasileiros.

 

Pinheiro Neto foi o pioneiro na cobrança de honorários por hora de trabalho. Todo o tempo gasto na execução de um serviço para um determinado cliente é anotado na respectiva ficha de controle. Os métodos por ele criados para desenvolver a banca - que sempre tratou como a uma empresa - foram e são seguidos pelos colegas.

 

Pelo Pinheiro Neto Advogados passaram muitos advogados famosos. Uns encontram-se hoje à testa de bancas bem sucedidas.Outros estão lá desde os tempos de estágio. Por isso, o escritório é tido como uma espécie de "navio-escola" da advocacia.

 

Dr. Pinheiro, como é chamado por todos, tem na Inglaterra sua segunda pátria. Em plena Segunda Guerra Mundial, aos 21 anos e já formado em Direito, fugiu dos pais e da namorada e foi para Londres, onde chegou em janeiro de 1940. Lá ficou por 14 meses trabalhando na BBC.

 

Os primeiros seis meses transcorreram sem problemas, mas depois a guerra intensificou-se e o perigo era uma constante. "Estava lá quando houve o black out, a invasão dos Países Baixos e da França, a retirada de Dunquerque, os primeiros ataques aéreos, a batalha de Londres em setembro, o incêndio da cidade no fim do ano", relata.

 

A ligação com a Inglaterra prosseguiu por aqui, onde durante 25 anos dirigiu a Sociedade Brasileira de Cultura Inglesa, da qual seu pai foi um dos fundadores. Tanta dedicação foi reconhecida pela rainha Elizabeth II, que, em 1987, o sagrou Cavaleiro do Império Britânico (Knight of de British Empire). Sir Pinheiro Neto é também Cavaleiro da Ordem de Orange e Nassau, do reino da Holanda.

 

Em 1941, voltou ao Brasil e foi trabalhar no escritório do pai no Largo da Misericórdia, onde acaba a rua Direita. Em 1942, seu pai aposentou-se e foi morar no Rio de Janeiro. Sozinho, Pinheiro Neto começou a desenvolver sua carreira. As relações que estabelecera em Londres e a fluência no inglês renderam-lhe os primeiros clientes estrangeiros. O escritório começou a crescer e precisava de instalações maiores. Foi mudando de endereço, sempre no centro da cidade, até que, em 1964, estabeleceu-se no atual endereço, na rua Boa Vista.

 

Hoje, o escritório conta com 650 profissionais, dos quais 60 sócios, 280 associados, 160 estagiários e 150 paralegais, sem falar no staff administrativo e de outras áreas complementares. Em março de 2004, Pinheiro Neto Advogados foi eleito o melhor escritório brasileiro na área de direito bancário em pesquisa realizada pela Revista Latin Finance. E na classificação da Thomson Financial, instituição que prepara rankings de escritórios de advocacia e bancos de investimentos com maior atuação em operações de fusão e aquisição na América Latina, Pinheiro Neto Advogados obteve a melhor colocação: em relação ao volume de dinheiro global envolvido nas transações em que atuou durante o ano, o escritório foi o primeiro colocado em termos de operações completadas.

 

Para a edição comemorativa dos 30 anos do Jornal do Advogado, Pinheiro Neto concedeu esta entrevista especial, onde fala, com seu estilo direto, sobre sua história pessoal e profissional.

 

Como o sr. vê o Brasil hoje. Melhorou ou não?

 

Você conhece um ditado que diz avança um passo e recua dois? Pois é, o Brasil é assim. Está levando muito mais tempo do que outros países porque dá um passo à frente e engata dois para trás. Tem melhorado alguma coisa. Creio que está mais sério. E tem avançado um pouco no tema social. Porque atualmente, quer se queira quer não, todo o mundo se vê obrigado até a pensar no assunto. Isso é um começo.

 

E na economia?

 

Basta você ver o que tem por aí. Tem investidor estrangeiro que já esteve aqui, saiu e se arrependeu. Alguns estão pensando em voltar. Outros vieram, aprenderam e cresceram. De modo que a economia brasileira apresenta aspectos muito interessantes. O país é muito grande. Somos 170 milhões de pessoas, um enorme mercado em potencial. Isso é bom para os que querem trabalhar a sério. Eu li em algum lugar um artigo sobre o país que não sabe dizer não, que é o Brasil. O Brasil diz sim, talvez, vamos ver. E é preciso saber dizer não. Fica esse lero-lero de fica não fica, vai não vai. Não é bom. É preciso mais firmeza na condução do país.

 

As perspectivas de crescimento no Brasil, então, são boas?

 

São. É só trabalhar.

 

Mas não é tão simples.

 

Claro que é. É só fazer bem feito. Quando me perguntam o que é que eu fiz, eu respondo que trabalhei. Meu conselho é trabalho. Quem trabalha sempre obtém resultados, o trabalho aparece. Só.

 

O governo vem dizendo que o país está no caminho certo, que a situação está tranqüila, mas os investidores não estão muito convencidos, não é?

 

Claro. Quando o presidente se chama Lula, a inquietude toma conta de todos, dos estrangeiros e da população brasileira. Eles dizem que está tudo lindo, mas não está. A primeira coisa que eles precisam fazer é com que as pessoas acreditem no que estão dizendo e fazendo. Se as pessoas não estão acreditando, então, há problemas.

 

E o que é que o sr. acha que está faltando?

 

Dizer não, como já disse anteriormente.

 

Dizer não a quê?

 

A todas as fantasias que nos pintam. Pintam fantasias audaciosas, que está na cara que não dá para concretizar. Mas se disserem não, vão perder eleitores. Se perderem eleitores, podem perder a eleição. Então, ninguém diz não.

 

O Brasil, na sua opinião, tem ocupado um lugar de liderança na América Latina?

 

Você tocou num ponto que me aborrece muito, porque eu vejo, mais uma vez, a fuga de uma oportunidade. O Brasil tem população, tem economia, tem extensão territorial mais do que suficiente para ser o líder da América Latina, do México para baixo. No entanto, não consegue exercer esse papel. Ninguém leva o Brasil a sério. O Lula é evidentemente inteligente, mas é inexperiente.

 

No escritório, quais as áreas que estão mais aquecidas?

 

Na área empresarial, que é o carro-chefe do escritório, durante o primeiro semestre, ameaçou esquentar o segmento de fusões e aquisições, mas a expectativa de crescimento está neste segundo semestre. Agora, desde o ano passado, nota-se um aumento expressivo no movimento do contencioso do escritório, e em todas as áreas, incluindo fiscal e trabalhista.

 

Falando em contencioso, o que sr. acha imprescindível fazer na reforma do Judiciário?

 

Dar crédito aos juízes. Nós temos excelentes juízes. Eu me recordo de ir ao fórum conversar com juízes sobre alguma coisa de mais sério que me preocupava. Nunca ninguém me deu nome feio por isso. Hoje, o sujeito entra na sala do juiz já tem nome feio, porque todo o mundo pensa que ele vai lá comprar o juiz. De onde veio essa idéia do comprar o juiz? Não pode. Juiz é, em geral, um sujeito íntegro, capaz, que sabe distinguir o que é bom do que é ruim. Se você for lá explicar a ele, ele sabe distinguir o que deve e o que não deve ser feito. É claro que há exceções, mas que só confirmam a regra. Outra coisa, juiz precisa ser bem remunerado. Ele precisa voltar para casa e saber que tem uma remuneração tal que vai lhe permitir alimentar a sua família, mandar os filhos para uma boa escola, viver em condições dignas. É preciso ter cuidado, porque há uma tendência de denegrir o Judiciário, uma certa campanha da mídia contra o Judiciário.

 

Qual sua opinião sobre a súmula vinculante?

 

Sou favorável. Se eu tenho um pai severo, que me diz não toda a vez que eu quero ir a uma festa, eu sei que a minha súmula vinculante é ele a dizer-me não quando eu quero ir a certa festa que ele não quer. Então, vamos nos acertar, para não gastarmos esforços inúteis. Se eu sei que no fim da escada, lá no topo, eu vou apanhar, para que é que eu vou subir a escada?

 

E o controle externo do Judiciário?

 

Todos nós sofremos controle externo. Eu sofro de controle externo porque tenho clientes, e eles ficam ou vão embora.

 

As empresas estão mais dispostas a usar a arbitragem?

 

Estão. Têm demonstrado interesse no assunto. Estão procurando informar-se mais a respeito. Está se tornando mais freqüente a inclusão de cláusula de arbitragem nos contratos.

 

Como o sr. avalia a reforma tributária?

 

Quando você chega à minha idade, você chega até a compreender que pagar imposto é necessário. É necessário, mas não pode e não deve ser mudado todo o dia. Não deve ser aumentado a bel prazer da administração. Precisamos saber, precisamos ter segurança do quanto vamos ter de pagar. Eu se for fazer qualquer coisa em minha casa, preciso ter alguma segurança. Vou analisar quanto vou gastar, para decidir se é possível e viável. Acima de tudo, as regras tributárias precisam ser estáveis.

 

E a reforma sindical?

 

É preciso diminuir a quantidade de sindicatos. Há alguns que não representam ninguém, a não ser os próprios dirigentes. Precisamos de sindicatos mais representativos.

 

O Pinheiro Neto Advogados tem uma forma de atuação e administração que é tida como exemplo para os outros escritórios. Qual é o segredo?

 

Muito trabalho. Trabalho bem feito. Organizei o escritório como se fosse uma empresa. E depois é preciso dar participação a todos os advogados. Fica todo o mundo satisfeito e trabalha melhor, contribuindo para o sucesso do escritório. Só isso.

 

Não é tão simples assim. O sr. sempre liderou e esteve à frente de tudo o que acontecia no escritório...

 

É simples, sim. É só trabalhar bem, com responsabilidade, e gostar do que se faz. Tanto é que o escritório hoje funciona sem mim. É só dar oportunidade para que as pessoas possam desenvolver-se e mostrar o seu talento.

 

Como foi quando o sr. precisou delegar tarefas?

 

Tive medo, mas era necessário. Felizmente deu certo. Tive muita sorte.

 

E como o sr. se relaciona com o escritório atualmente?

 

Todas as terças-feiras reúno-me com o grupo executivo, que é composto por Clemência Wolthers, Celso Mori e Antonio Mendes, todos eles excelentes profissionais. Eles me contam o que se passa e eu dou palpites quando quero.

 

De que maneira o sr. escolhia as pessoas para trabalharem no escritório?

 

Olhando nos olhos e com uma boa conversa, onde tratávamos de todos os tipos de assunto.

 

Desde que o sr. começou a carreira, há mais de 60 anos, quais as maiores mudanças que verificou na advocacia?

 

Criaram escolas de Direito demais. Dá-se diploma, ou coisa que o valha, a Deus e todo o mundo. Isso é péssimo. Saem dessas escolas pessoas sem nenhumas condições de exercer a profissão.

 

Com tudo isso, ainda vale a pena ser advogado?

 

Fazendo uma boa escola, sem a menor dúvida. O que é preciso fazer? Trabalhar muito e estudar sempre. Esforçar-se, fazer duas, três, dez, quantas vezes for preciso para obter um bom resultado naquilo que está sendo feito. Eu gosto muito de ser advogado. Se me dessem outra vida, seria advogado novamente.

 

Então o sr. fez Direito por vocação.

 

Não. Foi por acaso. Meu pai queria que eu fosse médico, mas eu detesto sangue. Como nunca fui um aluno brilhante, escolhi Direito porque era mais fácil. Mesmo assim, passei raspando no vestibular.

 

O sr. mantém seus primeiros clientes?

 

Alguns. Meu primeiro cliente, um norte-americano, me acompanha até hoje.

 

Como o sr. conseguiu tanto clientes estrangeiros naquela época?

 

Naquela época era fácil. Ninguém sabia falar inglês e eu falava. Então levava vantagem sobre os outros. Só por isso. Depois, vinha o trabalho, trabalho sério, esforçado, honesto.

 

O sr. não teme a concorrência dos escritórios estrangeiros?

 

Não. Há escritórios de fora que emprestam seu nome para estar no Brasil, porque o Brasil está crescendo e eles não podem deixar de estar aqui. Não creio que eles nos façam concorrência, nem ameacem o mercado de trabalho dos advogados brasileiros. Para eles poderem advogar eles próprios aqui, têm de fazer o curso de Direito e eles não vão fazer. Então vão associar-se a escritórios daqui, vão empregar gente daqui. Vão, portanto, contratar os advogados locais.

 

Como é sua rotina hoje?

 

Durmo às 21h30, acordo às 5h. De manhã tento me informar sobre o que está acontecendo no Brasil e no mundo. Almoço às 11h30, mas antes do almoço tomo uma ou duas gin-tônicas. À tarde, descanso. Antes do jantar tomo uns dois ou três uísques. E viajo sempre que posso. Nos fins de semana vou para Ibiúna e às vezes vou para Londres, que é minha segunda cidade.

 

E a cidade de São Paulo? Está melhor ou pior?

 

Cresceu demais. Está com aqueles problemas de quem se desenvolveu demais. Está difícil, chegando a um ponto de saturação. Mas gosto muito da minha cidade. É uma cidade vibrante e cheia de histórias.

 

Como o sr. vê a OAB hoje?

 

Eu sonho com uma OAB como era há 40 anos. Uma Ordem de pulso firme, sabendo guiar e sabendo mostrar como é que se faz. Precisa saber impor, saber mandar, dizer não. Tem de pôr na cadeia, mesmo, aquele advogado que pega o dinheiro do cliente e fica com ele. Os tribunais de ética e disciplina da Ordem devem ser absolutamente rigorosos, para o bem de todos os advogados.

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*Fonte: Jornal do Advogado da OAB/SP, edição de Julho 2004.

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