MIGALHAS QUENTES

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Esmigalhando o latim

Uma verdadeira lição da língua aos migalheiros

Da Redação

segunda-feira, 15 de dezembro de 2003

Atualizado às 10:59

 

Missiva

 

Veja abaixo a missiva enviada para a redação de Migalhas por Paulo Penteado de Faria e Silva Junior sobre a língua de Cícero em Migalhas nº 867:

 

"Esmigalhando o Latim...

 

Preclaros:

 

Na abertura da edição 827, ao tratar do assassinato do Prefeito Celso Daniel, a segunda nota comete outro assassinato, paradoxalmente de uma língua morta (pero no mucho), o Latim.

Não é Latim, nem mesmo bárbaro, umbra bonis iuris.

 

O catador responsável pela notícia a respeito da "sombra do bom direito" achou, talvez, mais eufônico escrever "bonis juris". E cometeu a violação que não ficará impune.

 

A sombra ou a fumaça do bom direito exige, em Latim, que o conjunto substantivo + adjetivo seja grafado no GENITIVO; como bonus, a, um é da segunda declinação, o genitivo é BONI (do bom), da mesma forma que se diz que o Direito é ars boni et aequi.

 

A moda, infelizmente, está pegando. Porque também não é Latim o enjoativo e teratológico inaudita altera pars que algum pretensioso e ignaro aprendiz de latinista cometeu em data incerta e local não identificado e que, à maneira do insidioso HIV, propagou-se celeremente no fértil solo de celulose que aceita qualquer coisa que nele se lance. Aquela execrável expressão é hoje encontrada em petições subscritas por OABs tanto de quatro como de seis dígitos, em VV. Acórdãos e até em Doutrina.

 

A esse respeito, vamos por partes. E, já que de partes tratamos, fique claro que é ABLATIVO ABSOLUTO inaudita altera parte ou, no plural, inauditis alteribus partibus (no caso de dois ou mais requeridos). Todas as palavras da expressão vão para o ablativo. O analfabeto que criou a tal inaudita altera pars abriu um dicionário e viu que a palavra parte vem do Latim pars (nominativo), partis (genitivo). E achou "chique no urtimo" usar o nominativo dentro de um ablativo absoluto, que exige PARTE (ablativo).

 

Conclamo os (poucos) Migalheiros que - como eu - estudaram Latim no Ginásio e no Colégio (e tiveram de enfrentá-lo garbosamente no Vestibular) para que iniciemos um movimento destinado a convencer os candidatos a usuários da língua morta (pero no mucho) da absoluta inutilidade dos termos, das expressões e dos brocardos latinos como meio de convencimento dos Magistrados (cuja imensa maioria entende seu significado tanto quanto sabem o que quer dizer Allgemeinestateslehre).

 

Ou, se insistem em escrever algo em Latim (até porque fica bonito e dá um certo tom de erudição) que escrevam certo, ad majorem Juris gloriam.

 

Estou certo de que toda a gigantesca Equipe de Revisão desse conceituado rotativo virtual estava, presente às manifestações de aclamação ao inefável DIRETOR, quando de seus sobrevôos à planta gráfica, festejando (MIGALHAS 826) a isenção de impostos que ameaçavam recair sobre sua frota de aeronaves e embarcações de luxo. Do imenso vazio daquele enorme Departamento de Revisão espalhou-se sobre a sede mundial de MIGALHAS aquela negreganda SOMBRA do crime perpetrado contra uma indefesa língua morta (pero no mucho) tão mal utilizada na notícia dada na edição seguinte.

 

Infelizmente, a coisa passou!

 

Quanto à centena de funcionários que compõem o Departamento de Revisão desse portentoso Diário Virtual, o conselho (mesmo sabendo que, se bom, vendido seria e não dado) é para que, a cada nova manifestação pública de apreço pelo incomparável DIRETOR, fiquem deles uns poucos dez ou vinte de plantão, para evitar a repetição de fatos gravíssimos como o denunciado.

 

Ao mesmo tempo, encaminho minha súplica ao temível e por vezes desumano DIRETOR, para que releve (ainda que por esta e única vez) a falta de seus humílimos subalternos, não permitindo que os empregos daquela plêiade de Companheiros Revisores passe a integrar o triste rol daqueles classificados na perigosa zona do "por um fio", na qual se encontra o migalheiro responsável pelo erro histórico cometido na notícia sobre Apolônio de Carvalho, na mesma edição 827.

 

Vale!"

 

Paulo Penteado de Faria e Silva Junior

 

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