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Em defesa da democracia

O Estatuto da Ordem dos Advogados de 1.963 estabelecia, no art.18, caber à OAB defender a ordem jurídica e a Constituição da República. Na Conferência Nacional dos Advogados, em 1.972, no Rio de Janeiro, o então presidente José Ribeiro de Castro reclamava contra a permanência da ameaça aos direitos fundamentais da pessoa e o advogado Heleno Fragoso exigia a imediata revogação do Ato Institucional n° 5 e a cessação da censura.

terça-feira, 9 de março de 2010

Atualizado em 8 de março de 2010 17:43


Em defesa da democracia

Miguel Reale Júnior*

O Estatuto da Ordem dos Advogados de 1963 estabelecia, no art.18, caber à OAB defender a ordem jurídica e a Constituição da República. Na Conferência Nacional dos Advogados, em 1972, no Rio de Janeiro, o então presidente José Ribeiro de Castro reclamava contra a permanência da ameaça aos direitos fundamentais da pessoa e o advogado Heleno Fragoso exigia a imediata revogação do Ato Institucional 5 e a cessação da censura.

Em 1977, presidia eu a Associação dos Advogados de São Paulo, que se transformou em centro de debates político-institucionais, com palestras de intelectuais como Gianfrancesco Guarnieri, Flávio Rangel, Carlos Guilherme Mota e dos senadores de oposição, Paulo Brossard e Theotônio Villela, mobilizando-se a sociedade civil no sentido da volta à normalidade democrática. Em agosto de 1977, a Carta aos Brasileiros, idealizada por jovens advogados, foi escrita e lida por Goffredo da Silva Telles na Faculdade do Largo de São Francisco. Conselheiros da Associação vieram a ser os primeiros signatários da Carta aos Brasileiros, bradando-se: Estado de Direito, Já.

A Conferência Nacional dos Advogados de 1978, em Curitiba, foi uma grande reunião da Desobediência Civil em prol da democracia e da Constituinte. Quando do projeto de lei da Anistia, a OAB formulou emendas apresentadas por deputado da oposição, buscando ampliar o leque da pacificação nacional. A luta por eleições diretas em 1983 e 84 teve a participação ativa da Ordem por meio do seu presidente Mário Sérgio Duarte Garcia.

René Ariel Dotti, José Carlos Dias, Fábio Comparato e eu escrevemos o núcleo do texto do pedido de impeachment de Collor, apresentado ao Conselho Federal que autorizou seu presidente, Marcelo Lavenere, a ser o primeiro signatário da petição.

Em 1994, sobreveio o novo Estatuto da Ordem que igualmente diz cumprir à OAB defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social.

Quando do mensalão do PT, entidades de classe dos advogados e a OAB de São Paulo subscreveram manifesto em prol de investigação dos fatos séria e irrestrita. O Conselho Federal da OAB, por sua vez, solicitou à Procuradoria que apurasse os fatos que comprometiam o processo democrático. Como se vê, ao longo do tempo, a Ordem cumpriu o seu dever de defesa da Constituição e da ordem jurídica que compreende a preservação da moralidade no exercício do poder político, uma das balizas do Estado Democrático de Direito.

Agora, o denominado Mensalão do DEM, envolvendo governador, vice-governador e deputados distritais de Brasília, apresenta fatos e fotos comprometedores das instituições democráticas e justifica que se requeira apuração e até mesmo intervenção federal para a proteção do princípio republicano.

Em início de gestão, o novel presidente de nossa entidade, todavia, exagerou, pois foi além da missão de defesa das instituições e da constituição, para pessoalizar a ação da OAB ao solicitar ao Ministério Público que requeresse a prisão preventiva do governador, fazendo assim com que, no processo, a balança do contraditório pendesse a favor da acusação, em prejuízo da defesa entregue a um colega. A Ordem Federal foi ainda mais longe: pediu em medida cautelar o bloqueio de bens do governador, sem ter legitimidade para atuar no processo de improbidade administrativa. Assim, cabe razão aos advogados, que assinam artigo publicado quarta passada na página 2 deste jornal, no ponto em que destacam serem as atribuições políticas da OAB institucionais não devendo pessoalizar e instigar a prisão de quem quer que seja.

O presidente nacional da OAB festejou a prisão preventiva por servir de exemplo. Ora, a OAB deve lutar contra a corrupção ao pedir e acompanhar a apuração imparcial de fatos graves, mas jamais aplaudir e requerer a prisão cautelar de alguém para ser um "marco contra a corrupção". Deixa de agir em defesa da democracia no campo político, para atuar no âmbito penal contra alguém, longe de seus fins institucionais.

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Publicado no caderno Aliás do jornal O Estado de S. Paulo

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*Advogado do escritório Reale e Moreira Porto Advogados Associados

 

 

 

 

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