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O novo governo e a legislação trabalhista

Luís Guilherme Migliora

O grande desafio do novo governo será conciliar restrições orçamentárias e demandas da sociedade. A demanda natural do setor produtivo é pela redução dos custos agregados à folha de pagamento. A demanda das classes trabalhadoras é de mais empregos.

sexta-feira, 4 de abril de 2003

Atualizado em 3 de abril de 2003 16:36

O novo governo e a legislação trabalhista

Qual a reforma possível e desejável ?

Luís Guilherme Migliora*

O grande desafio do novo governo será conciliar restrições orçamentárias e demandas da sociedade. A demanda natural do setor produtivo é pela redução dos custos agregados à folha de pagamento. A demanda das classes trabalhadoras é de mais empregos.

Os críticos da legislação brasileira têm uma visão distorcida do ambiente a ser modificado. Grandes empresas baseiam suas teorias na experiência que elas têm em um ambiente no qual direitos mínimos são garantidos sem problemas. Neste ambiente, se torna muito fácil defender uma reforma da legislação trabalhista.

A experiência e a origem do PT sugerem que o novo governo deve ter uma sensibilidade mais apurada das distorções que tornam as propostas de reforma da legislação trabalhista inaplicáveis à imensa maioria dos trabalhadores. Este governo certamente não desprezará o fato de que uma parcela muito significativa dos trabalhadores não tem sequer seus direitos mais básicos (como salário mínimo e condições dignas de segurança no trabalho) respeitados.

Esta clara disparidade sugere que se trace uma linha divisória imaginária a viabilizar propostas de reforma sem cair no lugar comum da inexeqüibilidade.

Deve-se definir de início qual o grupo de trabalhadores que estaria sujeito a uma flexibilização de direitos trabalhistas, ou seja, quais têm determinados direitos consolidados e condições reais de negociá-los. Imagine-se, por exemplo, que a flexibilização de direitos seja limitada aos que ganham mais de R$ 2 mil. Como uma mudança na legislação mais profunda pressupõe algum poder de barganha por parte dos trabalhadores, este patamar mínimo salarial parece razoável para garantir o poder de barganha.

Estabelecida esta linha divisória, a maior parte dos direitos desses trabalhadores seria mantida. Diz-se a maior parte, pois há alguns direitos que representam custo sem o equivalente benefício e devem e podem ser modificados para todos os trabalhadores. O melhor exemplo é o FGTS, uma forma de empréstimo compulsório em favor do governo, com um custo muito inferior ao do mercado. Poderia o FGTS ser substituído pelo pagamento de valor equivalente mensalmente, de forma que cada trabalhador pudesse gerir sua poupança.

O mesmo deveria ser feito com o 13o salário e com o bônus de um terço de férias, que poderiam ser pagos mensalmente a cada empregado pelo seu valor hoje estabelecido. Estas medidas diminuiriam a burocracia das empresas e colocariam mais dinheiro na mão dos trabalhadores, sem diminui o custo de mão de obra.

Traçada a divisão, resta definir os direitos que deveriam ser flexibilizados para quem ganha acima desse patamar. A lei trata trabalhadores de níveis médio e alto como totalmente desprovidos de autonomia da vontade, impondo uma verdadeira camisa de força aos empresários , já que esses empregados deveriam ser remunerados de acordo com os resultados do negócio.

O exemplo mais eloqüente está na jornada de trabalho. No Brasil, apenas quem exerce funções externas ou tem cargo de confiança está isento do controle de horário. Como os serviços realmente externos são poucos e a definição de cargo de confiança é limitativa, há com freqüência desobediência por parte das empresas. É raro empresas controlarem a jornada de empregados de nível médio, muitos com responsabilidade sobre seus negócios. Elas preferem abrir mão do controle, a partir de um determinado nível de empregados, mesmo correndo o risco de futuras ações trabalhistas. E por quê isso ?: porque (a) o controle de horário pode ser um limitador da flexibilidade de horas de quem deve ter como foco o resultado final; (b) ele obriga pagamento de horas extras e aumenta a remuneração dos que dedicam mais horas, mesmo sem atingir melhores resultados; e (c) empregados de nível médio e elevado não se sujeitam facilmente ao controle de jornada.

Diante disso, pode-se pensar em duas propostas: eliminação total do controle de jornada e do pagamento de horas extras para quem ganha mais de R$ 2 mil, com acréscimo ao salário de uma parcela variável de remuneração, sob a forma de PPLR (Lei 10.001/00), baseada em cumprimento de metas pré-estabelecidas, não inferior a 30% da remuneração anual. Assim, trocar-se-ia a horas extras por um bônus vinculado ao alcance de metas.

Outra proposta é a de que os que ganham acima de R$ 2 mil mensais possam firmar com os empregadores acordos individuais de compensação de jornada dentro do período máximo de 12 meses previsto para o caso de banco de horas. Tais acordos teriam que respeitar limites mensais de 220 horas, sem limites diários ou semanais. Assim, empregadospoderiam trabalhar mais quando necessário e compensar em tempos de menor volume de negócios. A desvantagem desta alternativa é não eliminar o controle de jornada.

Além de liberdade para definir jornada, estes empregados deveriam poder definir com o empregador como e quais os bônus que lhes seriam devidos (incluindo o 13o), quantos dias de férias anuais, como seriam gozados, etc. Na prática, isto já acontece em várias empresas, não se refletindo nos registros oficiais para evitar autuações.

Do ponto de vista do direito das empresas, outra regra que deve ser flexibilizada é a que regula a equiparação salarial entre empregados. Dois funcionários com as mesmas funções e diferença de tempo no exercício da mesma inferior a dois anos devem receber salários iguais. Embora a lei fale em produtividade, isso é pouco utilizado, pois a apuração é imprecisa. Muito se ganharia se a lei permitisse que os trabalhadores fossem tratados de forma isonômica (princípio geral e mais flexível), ficando a critério do empregador a livre definição do salário de cada empregado. O que se deve ter em mente é que o tratamento dado pela legislação brasileira aos trabalhadores não é adequado. Se muitos precisam de proteção mais rígida de direitos mínimos, outros teriam melhores oportunidades sem essa rigidez. O que se propõe é simplesmente tratar de forma desigual os desiguais, gerando uma mudança de cultura e tornando os trabalhadores elementos associados e não dissociados do empreendimento do qual participam.

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*sócio do escritório Veirano Advogados.

 

 

 

 

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