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A inocência no Balcão

Cyro Marcos da Silva

Na primeira metade do século passado, uma peça teatral escrita por Jean Genet, ficou proibida durante alguns anos de ser encenada na França, na mesma França liberal, de onde o Presidente Lula, no início deste, disse que "o Brasil merece muito mais do que isto." A peça é "O BALCÃO", nome de um bordel, ou como exige sua mantenedora, uma "Casa de Ilusões".

segunda-feira, 22 de agosto de 2005

Atualizado às 09:47


A inocência no Balcão


Cyro Marcos da Silva*

"A criança é julgada pura, inocente, e aquele que descrever as coisas de alguma outra maneira pode ser acusado de ímpio, sacrílego dos ternos e sagrados sentimentos da humanidade." ( FREUD, Sigmund - "A vida sexual dos seres humanos - Vol. XVI- Amorrortu Editores )

Na primeira metade do século passado, uma peça teatral escrita por Jean Genet, ficou proibida durante alguns anos de ser encenada na França, na mesma França liberal, de onde o Presidente Lula, no início deste, disse que "o Brasil merece muito mais do que isto." A peça é "O BALCÃO", nome de um bordel, ou como exige sua mantenedora, uma "Casa de Ilusões".

Balcon em francês é terraço, uma varanda, alpendre, suspenso sobre uma fachada de edifício. Em português, lembra mais um lugar onde se compra e vende mercadoria. Naquela época, numa entrevista que fizeram a Jean Genet, este lembrou numa só navalhada, uma dura verdade: "A inocência é perversa".

Nesta época turbulenta em que estamos vendo as instituições governamentais do país se afundarem numa lama movediça de corrupção, o que se tem ainda tentado salvar é uma célula de inocência, a do mandatário supremo da nação. Se praticou ou não a corrupção com suas próprias mãos, nada disto foi dito. Até agora não há notícia alguma de que a lama tenha chegado ao asssento principal. Muitos ainda têm o presidente como inocente. Pois bem: ainda que o inocente seja aquele que não conhece o nocere , o prejudicar, o mal, conforme nos ensina a etimologia da palavra inocente, sua responsabilidade, por isto, não é nem um milímetro menor daquela que, neste caso, é de lhe ser exigida. Por que? Porque o lugar que Presidente da República é dado sustentar, foi-lhe outorgado por via de um mandato advindo de milhões de votos de confiança que o elegeram para o cargo. Se o Brasil merece coisa muito melhor, é preciso esclarecer primeiramente, que coisa é esta, e ainda: muito melhor do que o que? E ainda se pode perguntar: de onde, de quem, de que posição, viria até o Brasil esta tal coisa melhor que ele estaria a merecer?

Há algum ato da parte do chefe da nação, no sentido de fazer com que se possa pelo menos ter uma idéia de qual seria o mérito do Brasil? Ou seremos forçados a pensar que a tal coisa melhor seria apenas um devaneio de palácios europeus, cenários de fantasioso clima de perfeição de corte imperial, onde o deslumbramento de valsas - ou de canções juninas - continue sempre a tocar enquanto o TITANIC afunda?

Voltemos a LE BALCON ( ou ao balcão )e lembremo-nos que nesta peça, um bordel abriga, maternalmente, aqueles inocentes senhores do povo, que ali se instalam algumas horas, travestindo-se das mais significativas insígnias de um Estado ( de juiz que condena, general que comanda e bispo que perdoa ). Ali no bordel reina, o tempo todo, a absoluta, monótona, severa e rígida ordem de uma cena inalterável para que o desfrute, o gozar, não se abale nem se atrapalhe com as mazelas da vida diária. Enquanto isto, narra esta peça teatral, do lado de fora o mundo está caindo, as instituições todas postas na berlinda.

Será que alguém, que ficou detido pela fantasia, deslumbrado com a roupagem da mesma, dela já gozando há algum tempo no calorzinho do quarto de um bordel, conseguirá, do lado de fora, onde aí sim, está uma verdadeira zona, enxergar o perigo e o tamanho da fantasia e fazer funcionar um trabalho?

Será que no final desta história teremos o que teve o final do Balcão de Genet?

Qual o final?

Ah....é preciso ler a peça.

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* Magistrado aposentado, atualmente psicanalista





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