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A publicação das demonstrações financeiras pelas sociedades limitadas

Bruno Machado Ferla e Fabio Lowenthal

A Câmara dos Deputados Federal está discutindo o Projeto de Lei nº 3.741, de autoria do Poder. O PL 3.741 altera e revoga dispositivos contábeis da Lei nº 6.404/76, a Lei das Sociedades por Ações e introduz novidades que podem afetar diversas sociedades, ainda que não estejam constituídas sob a forma de sociedades por ações.

sexta-feira, 25 de abril de 2003

Atualizado às 16:39

 

A publicação das demonstrações financeiras pelas sociedades limitadas

Bruno Machado Ferla

Fabio Lowenthal*

I. - INTRODUÇÃO

1. - A Câmara dos Deputados Federal está discutindo o Projeto de Lei nº 3.741 ("PL 3.741"), de autoria do Poder Executivo e que tinha como relator o então deputado federal Emerson Kapaz. O PL 3.741 altera e revoga dispositivos contábeis da Lei nº 6.404/76, a Lei das Sociedades por Ações ("LSA") e introduz novidades que podem afetar diversas sociedades, ainda que não estejam constituídas sob a forma de sociedades por ações.

2. - O PL 3.741, neste momento, aguarda parecer da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, mas desde já entendemos que as novidades que se pretende introduzir devem ser discutidas no meio jurídico e empresarial.

3. - Dentre outras alterações propostas para as regras contábeis aplicáveis às sociedades por ações, o artigo 3º do PL 3.741 estende às sociedades de grande porte (conforme definição abaixo) que tenham por objeto a produção de bens e serviços, mesmo quando não forem constituídas sob a forma de sociedades por ações, a obrigatoriedade de publicação de suas demonstrações financeiras e de realização de auditoria independente.

4. - Conforme definição do PL 3.741, são consideradas de grande porte as empresas ou conjunto de empresas sob controle comum que possuam ativo total acima de R$ 240 milhões ou receita bruta anual superior a R$ 300 milhões, quer seja seu capital representado por ações ou por quotas.

5. - Não obstante o legislador pretender nitidamente equiparar tais sociedades às sociedades anônimas, o PL 3.741 procura adotar uma postura moderna ao determinar que as demonstrações das sociedades de grande porte deverão ser divulgadas apenas pela internet, eliminando o custo de publicação dessas informações em jornais de grande circulação. Com isso, a publicidade ficará restrita àqueles que tiverem interesse em acessar o site da sociedade em questão e obter informações a respeito do resultado de suas operações.

6. - O PL 3.741 fixa multa no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) para as sociedades de grande porte que não cumprirem as normas da LSA relativas à escrituração contábil ou que não divulgarem suas demonstrações financeiras.

II. - PRINCÍPIOS DO PL 3.741

7. - Conforme mencionado na exposição de motivos do parecer do relator, o PL 3.741 justifica o estabelecimento, para as sociedades de grande porte, de nível de disclosure de informações similar àquele previsto para as companhias abertas, sob o argumento de que tais sociedades são igualmente relevantes no panorama econômico e social. Entretanto, supomos que o interesse maior em obter tais informações será de fato das empresas concorrentes, já que o resultado das operações de uma sociedade limitada já é de conhecimento de autoridades fiscais e previdenciárias e de seus eventuais credores.

8. - O projeto tem também como premissa o argumento de que a falta de divulgação de informações pelas sociedades de grande porte prejudica a expansão e a melhoria da qualidade das informações prestadas pelas companhias abertas, desestimulando a abertura de capital pelas empresas e o desenvolvimento do mercado acionário brasileiro.

9. - Em outras palavras, a fundamentação do PL 3.741 é de que a imposição, às sociedades limitadas de grande porte, de obrigações de divulgação idênticas às das sociedades abertas (o que incluiria também a obrigação de realizar de auditoria independente), poderia levar essas empresas a abandonar o formato de limitadas e abrir seu capital através da emissão de ações. O legislador se esquece, entretanto, de que o maior empecilho à abertura de capital é o custo associado ao processo de abertura e a dificuldade de acessar investimentos, e não pura e simplesmente a manutenção de sigilo quanto às suas operações.

10. - Outra forma de ver a questão seria sustentar que a divulgação de informações por todos os players de grande porte, independentemente de serem organizados sob a forma de sociedades por ações ou como sociedades limitadas, poderia fazer com que seus competidores locais não temessem abrir seu capital e divulgar suas próprias informações. Mais uma vez, entendemos que essas premissas não encontram respaldo na realidade econômica e na situação atual do mercado de capitais brasileiro.

III. - PUBLICAÇÃO DE DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS PELAS SOCIEDADES LIMITADAS

11. - Na nossa opinião, os argumentos elencados no PL 3.741 não justificam de modo algum a obrigatoriedade das sociedades limitadas terem que divulgar suas informações, pelo simples fato de terem grande porte e projeção no cenário econômico nacional. É público e notório que o desenvolvimento do mercado de capitais nacional depende de alterações drásticas da política pública de captação de recursos e não simplesmente da publicação de demonstrações financeiras por sociedades de grande porte.

12. - O fato é que, as sociedades limitadas, independentemente do seu tamanho e da identidade de seus sócios, têm como marca registrada a gestão pouco dispendiosa de seus aspectos societários e o seu absoluto desinteresse na captação de recursos junto ao grande público. As sociedades limitadas são eminentemente de pessoas em contraposição às sociedades por ações que foram concebidas como sociedades eminentemente de capitais. Como conseqüência, por definição, as limitadas não têm investidores estranhos à sociedade e, portanto, exceto se seus sócios assim o exigirem, não há qualquer necessidade de publicidade de suas contas ou mesmo de realizar auditoria independente, como se pretende que seja feito.

13. - A idéia de submeter as limitadas a um regime de divulgação de suas informações contábeis não é nova. Tramitou anteriormente no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 2.813/99 ("PL 2.813"), de autoria do Senado Federal, que pretendia estabelecer a obrigatoriedade de publicação das demonstrações financeiras das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, alterando o Decreto 3.708/1919 que então regia esse tipo societário.

14. - Conforme referido projeto, as limitadas deveriam publicar o balanço patrimonial, a demonstração dos lucros ou prejuízos acumulados, a demonstração do resultado do exercício e a demonstração das origens e aplicações de recursos. A justificativa para tanto seria a transparência necessária para aperfeiçoamento do funcionamento da economia brasileira e para que essas empresas tomassem maior cuidado com seus atos contábeis.

15. - Ocorre que o Código Civil de 2002 (Lei 10.406/02) ("Novo Código Civil") revogou tacitamente o Decreto 3.708/19 e passou a reger as sociedades limitadas brasileiras. Como conseqüência, o PL 2.813 foi retirado da pauta das discussões, não permitindo o amplo debate sobre a matéria.

16. - O Novo Código Civil trouxe, em um primeiro momento, dúvidas com relação à necessidade de publicação do balanço patrimonial pelas sociedades limitadas, quando estabeleceu que os sócios devem se reunir anualmente para aprovar as contas da sociedade com relação ao exercício anterior. Porém, essa questão já foi dirimida pela doutrina e é pacífico o entendimento de que a aprovação das contas é um ato que só interessa aos sócios, não havendo obrigação de publicação, nem de arquivamento do balanço patrimonial no Registro do Comércio, independentemente do tamanho da sociedade e do número de sócios.

17. - A questão da publicidade das demonstrações das sociedades limitadas também foi abordada em Anteprojeto de Lei ("Anteprojeto"), elaborado pelos Professores Arnoldo Wald, Jorge Lobo, Alfredo Lamy Filho, Egberto Lacerda Teixeira e Waldírio Bulgarelli, e que nem chegou a ser discutido no Congresso Nacional. Esse Anteprojeto trazia uma reformulação profunda no tratamento legal desse tipo societário, mas preservava o caráter privado da sociedade e de seus negócios.

18. - O Anteprojeto garantia aos sócios o direito à informação precisa, ampla e completa dos negócios sociais. Os administradores da sociedade deveriam enviar aos sócios (e não ao público em geral) um relatório sobre os principais fatos, atos e negócios jurídicos da sociedade e, ao final de cada exercício, cópia das demonstrações financeiras, as quais deveriam exprimir com clareza a situação patrimonial da sociedade e registrar a destinação dos lucros líquidos.

19. - Mais ainda, de acordo com a proposta do Anteprojeto, as sociedades de responsabilidade limitada não estariam obrigadas a publicar suas demonstrações financeiras, devendo apenas mantê-las arquivadas na sede social. A contratação de auditoria externa poderia estar prevista no contrato social, mas não seria obrigatória, o que nos parece lógico.

IV. - CONCLUSÃO

20. - A LSA, ao estabelecer para as sociedades por ações, a publicidade de suas demonstrações financeiras, teve como objetivo garantir o acesso a essas informações a terceiros que porventura tenham investido ou possam vir a estar interessados em investir nessas companhias. Para as companhias abertas, tal obrigação, acrescida da obrigatoriedade de ter suas contas auditadas por auditores independentes, tem maior relevância, diante de sua relação intrínseca com a poupança popular e da decisão do investidor de alocar seus recursos em uma atividade de risco.

21. - As sociedades limitadas, por sua vez, via de regra são constituídas e exploradas por poucos sócios, independentemente de seu porte, sendo naturalmente voltadas aos interesses desses sócios e não do público em geral. Portanto, a divulgação de suas demonstrações financeiras e a obrigação de ter suas contas auditadas por terceiros é absurda e não nos parece que traria qualquer benefício para a sociedade ou para seus sócios.

22. - O argumento de que a publicação das contas irá incrementar a quantidade de sociedades abertas representa uma falácia, e não justifica essa obrigação, na medida em que o desenvolvimento e o fortalecimento do mercado de capitais depende muito mais da expansão da oferta de recursos disponíveis para as sociedades brasileiras e da retração da captação de recursos pelo setor público, do que da divulgação de informações por sociedades limitadas.

23. - Como mencionado acima, essas regras não estão em vigor, sendo ora tratadas em projeto de lei que ainda precisa cumprir o processo de avaliação e discussão na Câmara dos Deputados e, em sendo aprovado, deve ser debatido no Senado Federal. Não obstante, tendo em vista a relevância da matéria, as alterações propostas devem ser debatidas desde já pela sociedade, antes que sejam tornadas lei.

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*associados do escritório Pinheiro Neto Advogados.

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

Ó

2002. Direitos Autorais reservados a Pinheiro Neto Advogados.

 

 

 

 

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