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A função social dos contratos

Fernando Lobo

O novo Código Civil houve por bem melhor estabelecer determinados regramentos à celebração de contratos entre particulares, dispositivos estes, à exceção de um, sem similares no Código Civil de 1916.

sexta-feira, 9 de maio de 2003

Atualizado em 8 de maio de 2003 13:36

A função social dos contratos

Fernando Lobo*

O novo Código Civil houve por bem melhor estabelecer determinados regramentos à celebração de contratos entre particulares, dispositivos estes, à exceção de um, sem similares no Código Civil de 1916. Em princípio, sempre tendemos a ver a lei nova como uma melhoria à vida jurídica, o que é, obviamente, o esperado do legislador pátrio moderno, haja vista que a evolução das relações entre as pessoas e complexidade que as mesmas passaram a apresentar, exigem maiores cuidados e atenção redobrada da lei.

Mas, infelizmente, nem sempre assim ocorre. Vejamos o artigo 421 que representa, na nossa opinião, a criação de um problema e não uma solução. Da leitura do texto verificamos, imediatamente, a problemática que tal disposição trará para a conceituação de 'função social do contrato' ante à inexistência de definição legal prévia e ao conceito fluidio que emana do princípio novel.

De fato, função social é um conceito conhecido de todos com relação à previsão constitucional para a destinação de propriedades imóveis. Esta idéia é de uma verificação prática um pouco mais fácil, já que moradia e exploração agrária são problemas centenários em nosso país. Todavia, esperar a função social em um contrato celebrado entre particulares é de difícil visualização, até mesmo porque é patente que a grande maioria dos contratos não possuem a relevância ou tampouco o envolvimento social na escala necessária para tal consideração.

E não bastasse esta questão, de nos atermos também para o afastamento, com este novo princípio, daquele antigo, o da pacta sunt servanda. Ainda que considerado ancião por alguns, o princípio de o contrato firmar-se como lei entre as partes é imprescindível para uma pacificação social adequada e 'permanente', eis que, de regra, os contratos são celebrados entre pessoas conscientes de suas obrigações e direitos, firmando tais pactos com intuitos claros de atendimento a necessidade e objetivos específicos e particulares que não tem qualquer relação ou cunho social.

O princípio da obrigatoriedade das partes obedecerem ao contrato é regra geral e não deve ser afastada pela nova legislação na forma como efetivamente corre-se o risco de acontecer, haja vista que na falta de definição do que seria a função social do contrato, qualquer um poderá pleitear a revisão de seus contratos com base na inexistência do referido parâmetro, bem como possibilitar-se-á ao juiz praticamente fazer a lei e não apenas dizê-la, já que não existe uma simples lacuna, mas sim uma não definição legal, tida por necessária.

O entendimento da doutrina pátria é justamente no sentido de que o contrato deve sempre ser respeitado pelas partes como lei imutável entre as mesmas aceitando-se que 'a única derrogação a essa regra é a escusa por caso fortuito ou força maior. Fora dela, o princípio da intangibilidade ou da imutabilidade dos contratos há de ser mantido'. Não diverge o ensinamento de Orlando Gomes, ao esclarecer que, muito embora amainadas as aplicações do princípio do pacta sunt servanda, as mesmas "não indicam que venha ser abandonado, até porque sua função de segurança lhe garante a sobrevivência."

Esta segurança jurídica que nos é passada pelo princípio defendido é imprescindível à tranqüilidade social, sendo ainda superior à função social, pois atinge, indiscriminadamente, a todos e a tudo. O contrato bilateral é, por excelência, a forma definida pelo homem para a regulamentação da transferência de riquezas - questão natural e regular da economia moderna e, por mais que a idéia de individualismo do Código Civil de 1916 tenha em muito se esvaziado, em prol de uma conscientização social, não basta a imposição da lei, através de um texto de pouca ou nenhuma clareza, para afastar princípio rico e bem sucedido.

Ademais, já há muito tempo que a evolução da teoria contratual passou a permitir que todo e qualquer contrato pudesse ser alterado pelo Poder Judiciário, desde que demonstrado pela parte interessada a grave alteração da situação contratual (teoria da imprevisão), ou até mesmo em situações onde a existência de inúmeros deveres para uma das partes e poucos ou nenhum para a outra demonstra a ocorrência de vícios de consentimento já estipulados no Código de 1916.

A bem da verdade, o que se vê com esta atitude do legislador é uma perigosa aproximação do Código Civil novo com o Código de Defesa do Consumidor. Não fazemos aqui nenhuma crítica ao código de proteção consumerista, até mesmo pela heresia que tal situação configuraria, em face de obra tão exemplar no direito pátrio. Contudo, as regras estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor não podem ser livre e regularmente aplicadas nas relações entre particulares não configurados como consumidores e/ou fornecedores, sob pena de minar a segurança jurídica que tais relações gozam presentemente.

A conclusão a que chegamos é que a entrada em vigor da nova legislação civilista permitirá um exercício imaginativo intenso aos advogados, com a possibilidade de inúmeras incontáveis demandas revisionais dentre as quais poderemos, até mesmo, encontrar algumas procedentes, dentre diversas digressões filosóficas.

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*escritório Xavier, Bernardes, Bragança - Sociedade de Advogados.

 

 

 

 

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