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Do procedimento de recuperação judicial de empresas na nova lei de falências

Alexandre Gontijo

De início, cabe esclarecer que o presente estudo tem por objeto abordar, tão-somente, a questão da recuperação judicial das empresas, não sendo enfrentado, portando, as questões concernentes à falência propriamente dita a recuperação extrajudicial e a judicial das empresas de pequeno porte e microempresas.

sexta-feira, 11 de novembro de 2005

Atualizado em 10 de novembro de 2005 07:48


Do procedimento de recuperação judicial de empresas na nova lei de falências


Alexandre Gontijo*


De início, cabe esclarecer que o presente estudo tem por objeto abordar, tão-somente, a questão da recuperação judicial das empresas, não sendo enfrentado, portando, as questões concernentes à falência propriamente dita a recuperação extrajudicial e a judicial das empresas de pequeno porte e microempresas.


Releva destacar que a Lei nº 11.101, de 2005, que disciplina e regulamenta a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, veio ab-rogar e substituir a antiga Lei de Falências, que se encontrava em vigor pelo sexagenário Decreto-Lei nº 7.661, de 1945.


Pretendeu-se, com a nova lei, adequar o regime falimentar brasileiro às numerosas e profundas alterações que ocorreram nas práticas empresariais no Brasil e no mundo nas últimas seis décadas.


Antes da entrada em vigor da Lei nº 11.101, de 2005, o devedor empresário, para recuperar judicialmente o seu empreendimento, valia-se apenas da concordata, em sua forma preventiva ou suspensiva.


Tendo revelado, no decorrer dos anos, como ineficiente para recuperação da empresa, o instituto da concordata, que nada mais era que uma moratória das dívidas do concordatário, incapaz de soerguer devedores em dificuldades, deu lugar à recuperação judicial e extrajudicial da sociedade empresária ou do empresário que exerça profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços.


A recuperação judicial está disciplinada nos arts. 47 e seguintes da lei em questão, tendo por objetivo viabilizar a superação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.


O art. 50 preceitua, exemplificadamente, os meios de recuperação judicial que podem ser utilizados na elaboração do Plano de Recuperação Judicial, sendo deixado sua escolha ao critério do devedor, mediante negociação com os credores e aprovado pela assembléia geral de credores.


Ao contrário da concordata, a recuperação judicial pode ser concedida não só para o devedor em estado de crise econômico-financeira com dificuldades temporárias do seu negócio, como também àquele com iliquidez, insolvência ou em situação patrimonial a merecer readequação planejada de sua atividade.


Poderá requerer o benefício da recuperação judicial o empresário devedor que exerça regularmente as suas atividades há mais de 02 anos, além de atender aos seguintes requisitos: (i) não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, a responsabilidade daí decorrentes; (ii) não ter, há menos de cinco anos, obtido concessão de recuperação judicial; (iii) não ter, há menos de oito anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial, ou seja, tratar-se de microempresa ou empresa de pequeno porte; (iv) não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos na Lei nº 11.101.


Pode, ainda, postular a recuperação judicial o cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente.


É oportuno aduzir que estão sujeitos aos efeitos da recuperação todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos, sendo de se destacar que os credores do devedor conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.


Por sua vez, os créditos decorrentes de (i) proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis; (ii) de arrendamento mercantil; (iii) proprietário ou promitente vendedor e imóvel, cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive incorporações imobiliárias; (iv) proprietário em contrato de venda com reserva de domínio; (v) adiantamento de contrato de câmbio para exportação onde o recuperando seja devedor; e (vi) os créditos fiscais, não se submeterão aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais.


Portanto, enquanto a concordata atingia somente os créditos quirografários, a recuperação judicial, através da ampliação dos credores sujeitos à medida, permite ao devedor empresário maiores possibilidades de se restabelecer economicamente.


A petição inicial do pedido de recuperação judicial deverá atender aos requisitos do art. 282 do Código de Processo Civil, devendo ser instruída com: (i) a exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e das razões de crise econômico-financeira. Caberá ao devedor expor, detalhadamente, o estado econômico da empresa, a situação patrimonial e as razões da crise econômico-financeira que justificam o pedido de recuperação judicial, bem como uma proposta em forma de Plano de Recuperação Empresarial; (ii) as demonstrações contábeis relativas aos 03 últimos exercícios sociais e as levantadas especialmente para instruir o pedido, confeccionadas com estrita observância da legislação societária aplicável e compostas obrigatoriamente de: (a) balanço patrimonial; (b) demonstração de resultados acumulados; (c) a demonstração do resultado desde o último exercício social; (d) o relatório gerencial de fluxo de caixa e de sua projeção; (iii) relação nominal completa dos credores, inclusive aqueles por obrigação de fazer ou de dar, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente; (iv) a relação integral dos empregados, em que constem as respectivas funções, salários, indenizações e outras parcelas a que têm direito, com o correspondente mês de competência, e a discriminação dos valores pendentes de pagamento; (v) a certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores. Ressaltamos que se trata de certidão a ser retirada na Junta Comercial; (vi) a relação dos bens particulares dos sócios controladores e dos administradores do devedor; (vii) os extratos atualizados das contas bancárias do devedor e de suas eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade, inclusive em fundos de investimento ou em bolsa de valores, emitidos pelas respectivas instituições financeiras; (viii) certidões dos cartórios de protestos situados na comarca do domicílio ou sede do devedor e naquelas onde possui filial. Diferentemente da antiga Lei de Falências, a existência de título protestado não é fato impeditivo ao processamento da recuperação judicial; (ix) a relação, subscrita pelo devedor, de todas as ações judiciais em que este figure como parte, inclusive as de natureza trabalhista, com a estimativa dos respectivos valores demandados.


Há de se esclarecer que a Lei 11.101 não exige, junto com a petição inicial do requerimento de recuperação judicial, a juntada da certidão negativa de débito tributário. Porém, determinará sua juntada em momento posterior, ou seja, após a aprovação do Plano de Recuperação Judicial. Tal determinação legal atende ao que consta no art. 191-A do Código Tributário Nacional.


Cabe acrescentar que é foro competente para propositura do requerimento de recuperação judicial o do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial da empresa que tenha sede fora do Brasil.


Encontrando-se em ordem os documentos acima descritos, o Magistrado prolatará decisão determinando o processamento da recuperação judicial, tomando, no mesmo ato, as seguintes providências: (i) nomeará o administrador judicial, que deverá ser pessoa idônea, preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contador ou pessoa jurídica especializada; (ii) dispensará a apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para o recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios; (iii) ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, permanecendo os respectivos autos nos juízos onde se processam, ressalvadas as ações que demandarem quantias ilíquidas; as ações trabalhistas; as execuções fiscais e aquelas cujo credor figure como proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis; de arrendamento mercantil; proprietário ou promitente vendedor de imóvel, cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive incorporações imobiliárias; proprietário em contrato de venda com reserva de domínio; e daquela decorrentes de adiantamento de contrato de câmbio para exportação onde o recuperando seja devedor. É de se ressaltar que caberá ao devedor comunicar aos Juízos competentes a suspensão; (iv) determinará ao devedor a apresentação de contas demonstrativas mensais enquanto perdurar a recuperação judicial, sob pena de destituição de seus administradores; (v) ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento e, finalmente, (vi) ordenará a expedição de edital, para publicação no órgão oficial, com vistas a dar publicidade de sua decisão, no qual conterá o resumo do pedido do devedor e da decisão, relação nominal dos credores apresentada pelo requerente e advertência acerca dos prazos para habilitação de créditos e para apresentação de objeção por parte dos credores ao plano de recuperação judicial. Neste caso, os credores terão o prazo de 15 (quinze) dias, contados da publicação do edital, para apresentarem ao administrador judicial suas habilitações ou suas divergências quanto aos créditos relacionados. Por sua vez, o administrador, no prazo de 45 (quarenta e cinco) contados do término do prazo anteriormente mencionado, fará publicar edital contendo a relação de credores. No prazo de 10 (dez) dias, contados do transcurso do prazo para apresentação da relação de credores, o Comitê de Credores, qualquer credor, o devedor ou seus sócios ou o Ministério Público podem apresentar ao Juiz impugnação contra a relação de credores.


Não é demais registrar que o Comitê de Credores será constituído por deliberação de qualquer classe de credores na Assembléia Geral, tendo uma composição pré-determinada por lei: (i) 01 representante indicado pela classe dos credores trabalhistas, com 02 suplentes; (ii) 01 representante indicado pela classe de credores com direitos reais de garantia ou privilégios especiais, com 02 suplentes; (iii) 01 representante indicados pela classe de credores quirografários e com privilégios gerais, com 02 suplentes.


É assinalável que o deferimento do pedido de recuperação judicial suspende o curso da prescrição e, como já mencionado, de ações e execuções em face do devedor, por prazo não superior e improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar com suas ações e execução, independentemente de pronunciamento judicial.


Deferido o pedido de processamento da recuperação judicial, os credores que representem, no mínimo 25% (vinte e cinco por cento) do valor total dos créditos de uma determinada classe, poderão requerer ao Juiz a convocação da Assembléia Geral para constituição do Comitê de Credores.


Salvo aquiescência da Assembléia Geral de Credores, o devedor não poderá mais desistir do pedido de recuperação judicial após o seu deferimento.


Por sua vez, o devedor apresentará, em prazo não superior e improrrogável de 60 (sessenta) dias, o Plano de Recuperação Judicial, contados da data da publicação da decisão que deferiu o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência.


Pelo Plano de Recuperação Judicial, o devedor propõe mecanismos de recuperação da empresa, através de discriminação pormenorizada dos meios que serão empregados, demonstrando sua viabilidade econômica e, por fim, apresentando laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos, devendo ser subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada.


Caso o meio escolhido para recuperação da empresa implique na dilatação do prazo de pagamento de créditos trabalhistas, é imperioso observar que o prazo não pode ser superior a 1 (um) ano, em se tratando de créditos vencidos até a data do pedido de recuperação judicial. Por sua vez, não poderá ser superior a 30 (trinta) dias o prazo para pagamento dos créditos trabalhistas (estritamente salariais), até o limite de 5 (cinco) salários mínimos, por trabalhador, vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação judicial. Apesar da Lei nº 11.101 não estabelecer o dies a quo, entendemos que o mesmo deve ser estabelecido a partir da data do deferimento da recuperação judicial.


Qualquer credor poderá manifestar ao Juiz sua objeção ao Plano de Recuperação Judicial no prazo de 30 (trinta) dias, contados da publicação da relação dos credores. Existindo qualquer objeção por parte dos credores, o Juiz convocará a Assembléia Geral de credores para deliberar acerca do Plano, não podendo ser em prazo superior a 150 (cento e cinqüenta) dias, contados do deferimento do processamento da recuperação judicial. A Assembléia Geral poderá aceitar o Plano, recusá-lo ou propor modificações. Na hipótese de aprovação do Plano, o devedor apresentará as certidões negativas tributárias, sendo, ao depois, pelo Juiz, concedida a recuperação judicial. Por outro lado, se a Assembléia Geral recusar o Plano de Recuperação Judicial, o Juiz decretará, de imediato, a Falência do devedor.


É assinalável que caso decorrido o prazo de 30 (trinta) dias contados da publicação da relação dos credores, sem que tenha havido qualquer objeção de credores com relação ao Plano de Recuperação Judicial, e mediante a apresentação das certidões negativas tributárias, o Juiz concederá recuperação judicial.


Cabe aduzir que o Juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em Plano que não obteve aprovação da Assembléia Geral de Credores, desde que, na mesma Assembléia tenha obtido, de forma cumulativa: (i) o voto favorável dos credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembléia, independentemente de classes; (ii) a aprovação de duas classes de credores ou, caso haja somente duas classes de credores votantes, a provação de pelo menos uma delas; (iii) na classe que houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 dos credores.


Não podemos deixar de acrescentar, que o Plano não implicará em tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver rejeitado.


Deferida a recuperação judicial, constituirá a decisão título executivo judicial, implicando em novação dos créditos anteriores ao pedido, obrigando o devedor e todos os credores sujeitos ao Plano de Recuperação.


Contra a decisão que conceder a recuperação judicial, caberá recurso de agravo, podendo ser interposto por qualquer credor ou pelo Ministério Público.


O devedor permanecerá em recuperação judicial até que se cumpram todas as obrigações previstas no Plano que se vencerem até 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial. Durante o mencionado período, o descumprimento de qualquer obrigação prevista no Plano acarretará a convolação da recuperação em falência. Por sua vez, o Plano de Recuperação poderá conter estratégias a serem desenvolvidas em um período superior a 2 (dois) anos. Assim, o descumprimento de qualquer obrigação constante do Plano de Recuperação, após o prazo de 2 (dois) anos, ensejará ao credor postular a execução específica ou ingressar com o requerimento de falência.


Cumpridas todas as obrigações constantes do Plano de Recuperação, durante os 2 (dois) anos em que o devedor esteja em recuperação judicial, caberá ao Juiz decretar, por sentença, o encerramento da recuperação, ocasião em que determinará as providências necessárias à extinção do processo, bem como: (i) o pagamento do saldo de honorários ao administrador judicial, após a prestação de contas deste e apresentação do relatório final; (ii) a apuração do saldo das custas judiciais a serem recolhidas; (iii) a apresentação de relatório circunstanciado do administrador, versando sobre a execução do plano de recuperação pelo devedor; (iv) a dissolução do Comitê de Credores e a exoneração do administrador judicial; (v) a comunicação ao Registro Público de Empresas (Junta Comercial) para as providências cabíveis.


Feitas as considerações concernentes ao procedimento da recuperação judicial, podemos afirmar que se o devedor não estiver administrativamente e contabilmente organizado, enfrentará dificuldades para elaboração do Plano de Recuperação em Juízo. Isto pelo fato de que o devedor, dentro do período de elaboração do Plano, deverá determinar se possuirá caixa suficiente para pagar os créditos dos credores, os créditos trabalhistas em atraso em até 1 (um) ano e se haverá caixa para pagar as despesas decorrentes do processo de reorganização.


Assim, deverá o devedor analisar cautelosamente a opção de postular a recuperação judicial, pois se não atender as exigências legais e cumprir impreterivelmente os prazos assinados, sujeitar-se-á a decretação de sua falência.

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*Advogado do escritório Siqueira Casto Advogados









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