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Private Equity no Brasil: o fundo de investimento em participações

Rodolfo de Lara Campos

A Comissão de Valores Mobiliários - CVM publicou, em 16 de julho de 2003, a Instrução nº 391 ("Instrução"), dispondo sobre a constituição, funcionamento e administração dos Fundos de Investimento em Participações ("FIP").

segunda-feira, 1 de setembro de 2003

Atualizado em 29 de agosto de 2003 13:54

Private Equity no Brasil: o fundo de investimento em participações

 

Rodolfo de Lara Campos*

 

I. - INTRODUÇÃO

 

A Comissão de Valores Mobiliários - CVM publicou, em 16 de julho de 2003, a Instrução nº 391 ("Instrução"), dispondo sobre a constituição, funcionamento e administração dos Fundos de Investimento em Participações ("FIP").

 

A publicação da Instrução introduziu no mercado de capitais brasileiro regras a respeito de investimentos do tipo private equity, que se caracterizam por serem investimentos de longo prazo em companhias fechadas e/ou abertas, de elevado potencial de crescimento, cuja administração é acompanhada ativamente.

 

Dentre os fundos atualmente regulamentados pela CVM, alguns já chegaram a ser utilizados com a mesma finalidade de um private equity, quais sejam, os Fundos Mútuos de Investimento em Empresas Emergentes ("FIEE") e os Fundos de Investimento em Títulos e Valores Mobiliários ("FITVM"). O FITVM substituiu os antigos Fundos Mútuos de Investimento em Ações ("FMIA"), que também tentaram ser utilizados para private equity.

 

Nenhum desses fundos, entretanto, atende com satisfação as necessidades de um típico investimento de private equity. O FIEE é destinado a investimento em companhias fechadas, porém somente naquelas com faturamento anual de até R$ 100.000.000, o que acaba por restringir a flexibilidade do fundo. O FITVM, ao contrário, é destinado a investimento em companhias abertas, porém não o permite em companhias fechadas. Em alguns casos, inclusive à época do FMIA, promoveu-se a abertura de capital de companhias fechadas na tentativa de viabilizar o investimento pelo FITVM. Porém, o registro como companhia aberta na CVM gera despesas que, muitas vezes, tornam o investimento desinteressante.

 

O FIP, agora introduzido pela CVM, reúne a possibilidade de investimento tanto em companhias abertas quanto em fechadas. Além disso, sua estruturação é bastante flexível, uma vez que a Instrução permite que grande parte das regras para seu funcionamento seja estipulada no próprio regulamento do fundo, tais como patrimônio mínimo, política de investimento, chamadas de capital, amortização, prazo do fundo, etc.

 

II. - CARACTERÍSTICAS

 

Investimentos

 

O FIP poderá adquirir ações, debêntures, bônus de subscrição, ou outros títulos e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações de emissão de companhias abertas ou fechadas. O FIP não poderá operar com derivativos, exceto para fins de proteção patrimonial, através de opções cujo ativo subjacente integre a carteira do FIP ou no qual haja direito de conversão. O FIP também não poderá investir seus recursos no exterior, nem tampouco em bens imóveis.

 

Investidores

 

O investimento mínimo no FIP, por cotista, foi estipulado pela Instrução em R$ 100.000. As cotas do FIP poderão ser adquiridas por (i) instituições financeiras; (ii) companhias seguradoras e sociedades de capitalização; (iii) entidades abertas e fechadas de previdência privada; (iv) pessoas jurídicas não financeiras com patrimônio líquido superior a R$ 5.000.000; (v) investidores individuais que possuam carteiras de valores mobiliários e/ou cotas de fundos de investimentos de valor superior a R$ 250.000; (vi) fundos de investimento em cotas destinados exclusivamente a investidores qualificados; e (vii) pessoas físicas com patrimônio superior a R$ 5.000.000. Esses investidores são definidos pela CVM como "investidores qualificados".

 

Vale ressaltar que a criação do FIP abriu um canal para alocação no segmento de private equity de parte da poupança popular represada nas entidades abertas e fechadas de previdência privada (fundos de pensão). As Resoluções 2.829/01 e 3.034/02, do Conselho Monetário Nacional, que regulamentam as aplicações dessas entidades, já previam, por antecipação, a possibilidade de investimento em FIP, quando estes viessem a ser regulamentados pela CVM. Anteriormente, caso os fundos de pensão tivessem interesse em fazer investimentos na linha de private equity, como alguns tiveram, somente podiam fazê-lo via FIEE e FITVM, sujeitando-se às limitações desses fundos.

 

Compromisso de Investimento

 

Os aportes de capital no FIP, pelos cotistas, poderão ser efetivados por meio de um compromisso pelo qual os investidores fiquem obrigados a integralizar determinado valor (capital comprometido) no fundo, na medida em que o administrador do FIP fizer chamadas, de acordo com prazos e procedimentos preestabelecidos no regulamento e em um instrumento particular entre cada cotista e o FIP.

 

Participação na Administração

 

Como principal característica que distingue o FIP dos demais fundos de ações existentes, a Instrução exige que o FIP participe na definição da política estratégica e na gestão das companhias investidas, notadamente através da indicação de membros do conselho de administração. Para tanto, o FIP poderá (i) deter ações que integrem o respectivo bloco de controle; (ii) celebrar acordo de acionistas; ou (iii) celebrar ajuste diverso que assegure sua influência na definição da política estratégica e na gestão da companhia investida.

 

Constituição

 

A CVM impôs menor rigidez no processo de concessão do registro do FIP, principalmente, por assumir que investidores qualificados possuem maior consciência para avaliar esse tipo de fundo e os riscos associados a seus investimentos. Assim sendo, o registro deverá ser concedido automaticamente mediante apresentação à CVM da documentação pertinente, tais como ato de constituição, regulamento, compromisso de investimento, materiais de divulgação, entre outros. O FIP deverá adotar a forma de um condomínio fechado, com prazo de duração definido.

 

III. - ADMINISTRAÇÃO

 

Administração e Gestão

 

O administrador do FIP deverá ser pessoa jurídica autorizada pela CVM para exercer a atividade de administração de carteira de valores mobiliários. O administrador poderá acumular as funções de administrador e gestor do fundo. Alternativamente, poderá contratar terceiro, desde que igualmente habilitado na CVM, para ser o gestor da carteira. Além disso, o FIP poderá contar com conselhos e comitês, tais como conselho consultivo, comitê de investimentos, comitê técnico, entre outros, de forma a aprimorar o processo decisório.

 

O administrador possui responsabilidade por todas as atividades do FIP, tais como receber dividendos das companhias investidas, elaborar demonstrações contábeis e relatórios, firmar acordo de acionistas das sociedades de que o fundo participe, fornecer informações aos cotistas, entre outras, sempre cumprindo as disposições do regulamento e as deliberações da assembléia geral de cotistas.

 

Taxas

 

O administrador poderá estipular no regulamento do fundo pagamento de taxas de ingresso, saída, administração e performance. A Instrução permite, ainda, que parcela da taxa de administração ou de performance sejam repassadas pelo FIP a prestadores de serviços que tenham sido sub-contratados pelo administrador, tais como terceiros que venham a distribuir o fundo.

 

Assembléia Geral

 

A assembléia geral de cotistas terá poderes privativos para deliberar sobre as demonstrações contábeis apresentadas pelo administrador do fundo, alteração do regulamento, destituição do administrador e escolha do substituto, fusão, incorporação, cisão ou eventual liquidação do fundo, emissão e distribuição de novas cotas, prorrogação do prazo de duração do fundo, etc.

 

IV. - COTAS

 

Diferentes Classes

 

Uma característica importante do FIP é a possibilidade de emitir cotas com direitos políticos e econômico-financeiros especiais. Os direitos econômico-financeiros, porém, deverão ser atribuídos exclusivamente quanto à fixação das taxas de administração e de performance, e respectivas bases de cálculo. Assume-se, portanto, que não será permitida a emissão de cotas distintas por critério de remuneração do investimento.

 

Integralização

 

A integralização das cotas do FIP poderá ser em moeda corrente ou, caso o FIP esteja investindo em companhias que estejam, ou venham a estar, em processo de recuperação e reestruturação, em bens ou direitos, inclusive créditos, desde que tais bens e direitos estejam vinculados à sociedade investida e seus valores estejam respaldados em laudo de avaliação.

 

Amortização

 

Outra importante ferramenta presente na Instrução é a possibilidade de o FIP amortizar suas cotas. A amortização consiste no pagamento aos cotistas de parcela do valor de suas cotas, sem redução de seu número.

 

A amortização permite que um FIP, ao efetuar o desinvestimento de uma das companhias de sua carteira, imediatamente distribua para os cotistas os recursos oriundos da venda, sem a necessidade de esperar até a liquidação do fundo ou ser obrigado a reinvesti-los em outras companhias. A amortização poderá, inclusive, ser efetuada com bens, direitos e valores mobiliários. As regras sobre a amortização devem ser estipuladas no regulamento do fundo.

 

A Instrução proíbe os cotistas de resgatarem suas cotas. No entanto, além do mecanismo da amortização, os cotistas poderão a qualquer momento deliberar a liquidação do fundo, desde que em votação assemblear pelo critério de maioria qualificada. Essa faculdade poderá ser exercida, por exemplo, no caso do FIP ter efetuado o desinvestimento em todas as companhias da carteira antes do término de duração do fundo estipulado no regulamento.

 

Colocação e Negociação

 

As cotas do FIP poderão ser distribuídas via emissão privada ou pública. Quando distribuídas via emissão privada, as cotas somente poderão ser negociadas privadamente, cabendo ao administrador comprovar a condição de "investidor qualificado" do adquirente e providenciar a transferência no livro de registro. Quando colocadas via emissão pública, as cotas poderão ser negociadas privadamente, ou no mercado de bolsa ou de balcão organizado, tais como a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) e a Sociedade Operadora do Mercado de Ativos (SOMA), cabendo, nessa hipótese, ao intermediário comprovar a condição de "investidor qualificado" do adquirente e notificar a entidade competente para proceder à transferência da cota via conta de depósito.

 

Contabilização

 

A forma de contabilização das cotas do FIP, bem como dos ativos que integram sua carteira, deverá ser estipulada no regulamento, não havendo obrigatoriedade de marcação a mercado, dada a dificuldade de avaliar os ativos do fundo que, por consistirem em ações de companhias fechadas e de companhias abertas normalmente de baixa liquidez , não apresentam parâmetros de mercado adequados. Não obstante, o administrador deverá divulgar anualmente o valor patrimonial das cotas.

 

V. - GOVERNANÇA CORPORATIVA

 

Nas Companhias Investidas

 

Na hipótese do FIP investir em companhias fechadas, estas deverão obrigatoriamente adotar regras mínimas de governança corporativa. Tais regras consistem em inexistência de partes beneficiárias, mandato unificado de um ano para o conselho de administração, disponibilização de contratos com partes relacionadas, adesão à câmara de arbitragem para conflitos societários, auditoria anual por auditores independentes registrados na CVM, entre outras. A abertura de capital destas companhias somente poderá ser efetuada em segmento especial de bolsa de valores ou de mercado de balcão organizado, tais como os Níveis Diferenciados de Governança Corporativa da Bolsa de Valores de São Paulo.

 

Quanto às companhias abertas, a CVM concedeu maior liberdade, admitindo que o próprio regulamento do FIP defina os critérios das companhias que poderão ser passíveis de investimento pelo fundo. Com isso, a política de investimento poderá ser desenhada de acordo com o objetivo de cada FIP, de modo a atender o perfil de seus cotistas.

 

No Fundo

 

Salvo aprovação pela maioria dos cotistas, o FIP não poderá investir em títulos e valores mobiliários de companhias nas quais participem o administrador, o gestor, os membros de comitês ou de conselhos do fundo e cotistas titulares de cotas representativas de 5%, ou mais, do patrimônio do fundo. A proibição se estende a investimentos em companhias nas quais os sócios e cônjuges dessas pessoas detenham mais de 10% do capital votante ou total.

 

Caso algumas das pessoas acima estejam envolvidas na estruturação financeira da operação de emissão de valores mobiliários a serem subscritos pelo FIP, ou façam parte de conselhos de administração, consultivo ou fiscal da companhia emissora, antes do primeiro investimento pelo FIP, também haverá necessidade de aprovação do investimento pela maioria dos cotistas em assembléia geral.

 

No que diz respeito à transparência e fornecimento de informações, o administrador é obrigado a fornecer semestralmente, aos cotistas, demonstrações contábeis, composição da carteira, encargos debitados e um parecer a respeito das operações e resultado do FIP, bem como prestar declaração de que foram obedecidas as disposições da Instrução e do regulamento.

 

Ademais, os cotistas detentores de pelo menos 10% das cotas emitidas pelo FIP podem requerer do administrador estudos e análises utilizados para fundamentar as decisões tomadas em assembléia geral, bem como atualizações periódicas, permitindo o acompanhamento dos investimentos realizados.

 

VI. - ASPECTOS FISCAIS

 

Até a publicação da Instrução, a única forma legalmente possível de se estruturar no Brasil um veículo capaz de investir tanto em companhias abertas quanto em fechadas, semelhante a uma limited partnership (sociedade normalmente utilizada pelos private equities americanos como veículo para investimentos), seria através da constituição de uma holding, sob a forma de uma sociedade anônima ou limitada.

 

Ocorre que estas sociedades estão sujeitas ao recolhimento de imposto de renda da pessoa jurídica ("IRPJ"), contribuição social sobre o lucro ("CSL"), contribuição para o Programa de Integração Social ("PIS") e contribuição para o Financiamento da Seguridade Social ("COFINS"), cujas alíquotas atualmente podem chegar a 38,65% sobre o lucro. Como conseqüência, o retorno do investimento, quando da alienação da participação nas companhias investidas pela holding, seria bastante prejudicado.

 

O FIP, por sua vez, é isento de pagamento de imposto de renda sobre os ganhos auferidos na alienação dos valores mobiliários integrantes de sua carteira, conforme previsto na Lei 9532/97. Portanto, em todo o ciclo do investimento somente haverá tributação quando o cotista tiver suas cotas amortizadas, ou quando forem liquidadas pelo encerramento do fundo, à atual alíquota de 20% sobre o ganho de capital auferido pelo cotista. Caso o cotista aliene suas cotas antes da ocorrência desses eventos, estará sujeito à tributação à alíquota de 15% ou 20%, dependendo da normatização tributária que vier a ser expedida com relação ao FIP, ou eventual esclarecimento a ser dado quanto à normatização existente.

 

Exceção se faz apenas nos casos do cotista ser pessoa jurídica, hipótese em que haverá necessidade de contabilização da valorização da cota, com sua conseqüente tributação, de acordo com o regime de competência. Nesse caso, a carga tributária para essa pessoa jurídica será próxima àquela aplicável à holding, posto que os ganhos relativos às cotas do FIP estarão sujeitos ao IRPJ, CSL, PIS e COFINS.

 

VII. - FUNDO DE FUNDOS

 

Por meio da Instrução, a CVM também está introduzindo no mercado de capitais brasileiro os Fundo de Investimento em Cotas de Fundos de Investimento em Participações ("FICFIP"). Estes fundos poderão aplicar 90%, ou mais, de seu patrimônio em cotas de FIP e/ou de FIEE. O FICFIP traz o benefício de permitir a estruturação de uma carteira de fundos diversificada, bem como viabiliza o acesso de investidores menores a fundos cujo investimento inicial é elevado.

 

VIII. - TRANSFORMAÇÃO DE OUTROS FUNDOS EM FIP E FICFIP

 

Por fim, cabe esclarecer que a Instrução permite que administradores de FIEE e de FITVM constituídos sob a forma de condomínio fechado, convoquem assembléias gerais dos fundos sob sua administração com a finalidade de promover sua transformação em FIP ou em FICFIP.

 

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* Advogado do escritório Pinheiro Neto Advogados

 

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

 

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