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Caos tributário

O contribuinte brasileiro assiste perplexo, certamente, as discussões em torno do imbróglio em que se tornou a reforma tributária, tema que, há anos se discute no Brasil, e que agora, sob o patrocínio das lideranças petistas tornou-se uma verdadeira "bagunça" como definiu um dos governadores do Nordeste.

sexta-feira, 24 de outubro de 2003

Atualizado em 23 de outubro de 2003 14:26

Caos tributário

 

Newton José de Oliveira Neves*

 

O contribuinte brasileiro assiste perplexo, certamente, as discussões em torno do imbróglio em que se tornou a reforma tributária, tema que, há anos se discute no Brasil, e que agora, sob o patrocínio das lideranças petistas tornou-se uma verdadeira "bagunça" como definiu um dos governadores do Nordeste.

 

Como quase tudo no atual governo, cuja tática é utilizar o marketing para encobrir a inoperância administrativa que domina o cenário de Brasília, também em relação à questão tributária a teoria que aparece nos inflamados discursos em prol do chamado "espetáculo do crescimento" não resiste à prática dos donos do poder - aí reunidos a União, Estados e Municípios - de fazer da reforma mais um trampolim para elevar ainda a insuportável carga tributária que pesa sobre os ombros do setor produtivo.

 

Antes de enviar o projeto de reforma tributária ao Congresso Nacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conversou com cada um dos governadores, que depois reuniu num demorado encontro em Brasília. Aparentemente, o objetivo do governo era acertar os termos de uma proposta que tramitasse sem maiores problemas, com o apoio de todos.

 

A estratégia, portanto, era apressar a tramitação da matéria na Câmara, transferindo para o Senado os debates sobre as questões mais polêmicas em torno da reforma tributária. No fundo, o que o Executivo queria era ganhar tempo e evitar que a discussão dos projetos de reforma tributária e da Previdência entrasse em choque na Câmara e no Senado.

 

Diante dessa estratégia, a discussão sobre o assunto parece ter sido transformada num imenso cassino, onde só os amigos do rei tem acesso, enquanto a imensa maioria da população que mal consegue respirar, garroteada pela política do arrocho imposta pelo FMI, fica com a nítida impressão de que a ambição dos políticos tornou-se bem maior que o bom senso.

 

Senão, vejamos. Pela proposta do governo, alguns dos objetivos da reforma, pelo menos na teoria, era dar condições de governabilidade ao país, melhorar a qualidade do sistema tributário e criar condições, pela via fiscal, para a retomada do crescimento econômico sustentado. Mas logo que o projeto de reforma aportou na Câmara, mantendo entre outras excrescências, medidas perversas como a prorrogação da CPMF e DRU (Desvinculação de Receitas da União), sob o argumento de que são indispensáveis ao financiamento da administração pública, estados e municípios viram na discussão uma oportunidade ímpar de aumentar suas receitas.

 

Com isso, o projeto original que já era uma colcha de retalhos e, diga-se, com emendas bem piores que o soneto, tornou-se um mostrengo em conseqüência do afã dos políticos de acomodar suas ambições pessoais, dividindo entre seus feudos o espólio do que ainda resta das receitas fiscais, ou seja, a parte do Leão não-contingenciada na forma de superávits para pagar os juros da dívida externa.

 

E o pior é que ninguém está satisfeito, principalmente os governadores. Uns acreditam que podem obter mais em termos de arrecadação fiscal, via transferência dos recursos da União para os Estados; outros acham que as conquistas de terceiros se deram em detrimento de seus próprios interesses e que essa equação ainda tem chance de ser alterada. Tal situação caracteriza um jogo em que todos querem ganhar o máximo, sem fazer nenhum tipo de concessão.

 

Por causa desse estado de coisas, o governador Lúcio Alcântara, do Ceará, fez, um desabafo, ao diagnosticar que a única arrumação possível para o projeto que saiu da Câmara é aprovar os pontos básicos da reforma - a prorrogação da desvinculação das receitas e da CPMF, a distribuição da Cide e a desoneração das exportações. O restante da pauta ficaria para o futuro, na tentativa, quem sabe, de ganhar tempo para mais uma rodada de discussão em torno de uma questão que parece ter mão única: engordar os cofres públicos às custas do contribuinte, já que a contrapartida da arrecadação medida pela prestação de serviços públicos é de péssima qualidade no Brasil.

 

A palavra agora está com o Senado, onde as disputas por uma parte do bolo tributário prometem aprofundar o racha que já se formou entre os governadores dos Estados, alimentado, em grande parte pela guerra fiscal. Os governadores dos Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, criaram o chamado G-20, que paira sob sistema político como uma instância apartidária, com vistas a fazer frente aos governadores do Sul e do Sudeste, abrigados na sigla G-7.

 

Se persistir essa nova divisão informal de poder na República, o G-20 funcionará como uma espécie de grupo de pressão para partilhar a divisão do Fundo de Desenvolvimento Regional, ampliar a participação dos Estados na divisão da Cide e alterar a destinação do fundo de compensação da desoneração de exportações.

 

Na prática, se a estratégia surtir efeito, a reforma tributária poderá se tornar mais complicada ainda, haja vista que as chamadas questões polêmicas o fosso entre os governadores é bastante significativo, ou seja, não há consenso.

 

Frente a tantas questões e questiúnculas políticas que emergem de uma estrutura de poder viciada que, há anos vem se beneficiando, igualmente, de uma estrutura tributária perversa e burra, conforme já se disse em inúmeras oportunidades, o contribuinte deve ficar atento mais uma vez e, se for o caso, sair em defesa de seus direitos. Por tudo que se viu até agora, a hipótese mais provável é que a reforma que sairá do Congresso poderá criar situações que comprometerão ainda mais o futuro do país. Isso porque, mesmo no Senado, são poucas as chances da bagunça ser substituída pela racionalidade. Vale dizer que estamos todos frente da possibilidade de se instaurar no país o caos tributário.

 

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*Advogado do escritório Oliveira Neves & Associados

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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