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Arrependimento no CDC

Consumimos quando adquirimos um produto num estabelecimento comercial, em nossa casa ou no trabalho; a compra de um objeto qualquer por telefone, pela internet, por telemarketing ou até mesmo num stand de uma feira não deixa de caracterizar um ato de consumo.

segunda-feira, 9 de abril de 2007

Atualizado em 4 de abril de 2007 08:51


Arrependimento no CDC

Antonio Pessoa Cardoso*

Consumimos quando adquirimos um produto num estabelecimento comercial, em nossa casa ou no trabalho; a compra de um objeto qualquer por telefone, pela internet, por telemarketing ou até mesmo num stand de uma feira não deixa de caracterizar um ato de consumo.

A sociedade moderna caracterizada por abundante e extravagante consumo, seguida de extrema valorização de sofisticadas técnicas de persuasão e publicidade, além de outros métodos agressivos, às vezes abusivos, para a efetivação de vendas, reclama garantia de autonomia real e racional da vontade do contratante mais fraco. A falta de contato físico com o produto, a visualização somente por fotos, práticas diversas da forma tradicional de venda, envolve o consumidor, embaralha-lhe o raciocínio com informações inexatas, a ponto de distorcer suas pretensões até aceitação de um produto por simples empolgação que não corresponde ao que queria. Daí decorre o superendividamento, a insolvência e a frustração de expectativas.

O arrependimento decorre da resolução do consumidor em devolver o produto adquirido ou não mais querer um serviço contratado.

A lei assegura o direito de arrependimento, desde que o contrato tenha sido celebrado fora do estabelecimento comercial, art. 49 CDC (clique aqui). Desnecessária motivação para a desistência, mas preciso obediência ao prazo fixado na lei: sete dias para desfazimento do contrato, que se inicia com a assinatura ou com o recebimento do produto ou serviço, o que acontecer por último. O consumidor receberá o que pagou mais os encargos, além do valor do frete, se houver. Impede-se assim enriquecimento ilícito do fornecedor ou do prestador de serviço, parágrafo único, artigo 49.

Quando o legislador fala em venda "fora do estabelecimento comercial" trata também da venda à distância; entretanto, não se enumera os contratos nem fixa os requisitos, mas há inovação no ordenamento jurídico, porque consigna prazo de reflexão para concretização do contrato. Este tempo anunciado pela lei, de certa forma, suspende a eficácia do contrato.

A jurisprudência, acertadamente, interpreta de forma aberta o único dispositivo legal que trata do contrato emocional. A retratação é aceita em muitos outros casos, a exemplo da celebração de contrato para uso de imóvel por temporada, aquisição de imóvel pelo sistema de tempo compartilhado, time-sharing, ou para contratação de eventos promocionais. Admite-se o arrependimento até mesmo se o negócio é feito em local indicado pelo fornecedor, mediante farta explanação, com uso de vídeo, etc. O consumidor é submetido à forte pressão psicológica, em nítida desvantagem para refletir livremente sobre a conveniência do negócio.

O comércio eletrônico, ou e-comerce, é a venda de produtos ou prestação de serviços pelos meios virtuais; verifica-se por e-mail, telemarketing, correspondência, etc. Os recursos eletrônicos levam o consumidor ao estabelecimento virtual, enquanto o deslocamento possibilita acesso ao ponto comercial do fornecedor.

Ainda não temos lei que trata especificamente do comércio eletrônico, mas aplicável os artigos 33 e 49 do CDC. O art. 33 diz que nesses contratos "... deve constar o nome do fabricante e endereço na embalagem, publicidade e em todos os impressos utilizados na transação comercial".

Entretanto, não é todo contrato, celebrado fora do estabelecimento comercial, que se sujeita à retratação. Não há justificativa para arrependimento, por exemplo, quando um investidor adquire ações à corretora, através de telefone. É que o negócio se consubstancia no ato, e é prática costumeira que provoca entre as partes imediatos lucros ou prejuízos; a aplicação da cláusula de arrependimento caracterizaria má fé, porquanto pode proporcionar vantagem exagerada para um e substancial dano para outro.

Ao lado de vantagens, as vendas realizadas fora do estabelecimento comercial e à distância contém algumas desvantagens para o consumidor, a exemplo, do pagamento antecipado, antes mesmo do recebimento do produto, em alguns casos; da dificuldade na troca ou devolução do bem adquirido, face à eventual dano verificado no transporte, seguido de contradição sobre a culpa pela ocorrência. Somente após a entrega, que se dá algum tempo depois de feito o pedido, tem o comprador contato com o produto adquirido que pode não corresponder exatamente ao que queria.

Ademais, o acordo de vontades é feito à distância e não é materializado através da forma escrita em papel, mas documentado virtualmente. A boa fé é característica maior desta contratação.

O direito de arrependimento é mecanismo não usado pelo consumidor, seja pela timidez jurídica, pela desconfiança no Judiciário ou até mesmo pelo desconhecimento da lei.
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*Desembargador do TJ/BA





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