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Normas gerais de licitação e leis locais: breves comentários a uma decisão do STF

Aline Lícia Klein

Na sessão do dia 2 de abril de 2007, o Pleno do Supremo Tribunal Federal julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Governador do Distrito Federal objetivando a declaração de inconstitucionalidade da Lei Distrital 3.705/2005 (ADI 3670, Relator Ministro Sepúlveda Pertence).

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Atualizado em 12 de junho de 2007 14:46


Normas gerais de licitação e leis locais: breves comentários a uma decisão do STF

Aline Lícia Klein*

Na sessão do dia 2 de abril de 2007, o Pleno do Supremo Tribunal Federal julgou procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Governador do Distrito Federal objetivando a declaração de inconstitucionalidade da Lei Distrital 3.705/2005 (clique aqui) (ADIn 3670 - clique aqui - Relator Ministro Sepúlveda Pertence).

Por unanimidade de votos, o Pleno do Supremo Tribunal Federal reconheceu que os dispositivos da referida Lei violam a competência legislativa privativa da União.1

O art. 1º da Lei Distrital veda que sejam contratadas pela Administração Pública "as pessoas jurídicas de direito privado que comprovadamente discriminarem na contração de mão-de-obra pessoas que estejam com o nome incluído nos serviços de proteção ao crédito, ressalvados os casos de falta contumaz de pagamentos de dívidas legalmente exigíveis".

O art. 2º estabelece caber à Delegacia Regional do Trabalho a fiscalização das empresas a esse respeito bem como a certificação de que determinada empresa se encontra regular a esse respeito e que pode, por isso, contratar com a Administração.

Nos termos do art. 3º, a Administração deverá obrigatoriamente exigir dos licitantes, para fins de habilitação, a sua regularidade com relação à não discriminação na contratação de mão-de-obra mediante a apresentação da certidão com o "nada consta", emitida pela Delegacia Regional do Trabalho.

Por fim, o art. 4º fixa a multa pecuniária a ser cobrada das pessoas jurídicas de direito privado uma vez constatada a discriminação na contratação de mão-de-obra que o diploma legal visa coibir.

Reputou-se que o art. 1º da Lei Distrital afronta a previsão constitucional de competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitações e contratos administrativos (CF, art. 22, inc. XXVII).

Entendeu-se, ainda, que a Lei viola o disposto no art. 37, inc. XXI, da Constituição (clique aqui), à medida que a vedação da participação de sujeitos que praticam tal discriminação na contratação da mão-de-obra confronta com a necessária observância da igualdade de condições de todos os concorrentes.

De acordo com a decisão, o critério distintivo - a discriminação no tocante à inscrição em cadastros restritivos de créditos - não se enquadra entre as exigências permitidas em certames, quais sejam, as indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

No que se refere aos artigos 2º, 3º e 4º da Lei Distrital, o Pleno do STF reconheceu a sua inconstitucionalidade por versarem sobre direito do trabalho e inspeção do trabalho, matéria também compreendida na competência legislativa privativa da União (CF, arts. 21, inc. XXIV e 22, inc. I).

Um primeiro aspecto a ser destacado é o de que à União não foi atribuída competência exclusiva para legislar sobre todo e qualquer aspecto relacionado com licitação e contratação administrativa. Ao se estipular que a competência privativa diz respeito à fixação de normas gerais, preservou-se a competência de outros entes para dispor sobre essa mesma matéria desde que sejam observadas as normas gerais, fixadas pela União.

No exercício dessa competência para dispor acerca de normas específicas, diversos entes da federação disciplinaram o tema. Nesse sentido, pode-se mencionar a recente Lei paranaense nº. 340, de 22 de dezembro de 2006, que estabelece normas sobre licitações, contratos administrativos e convênios no âmbito dos Poderes do Estado do Paraná.

Uma vez reconhecida a competência legiferante dos Estados - membros e municípios para dispor acerca de normas específicas para licitação e contratação administrativa, cabe indagar quais seriam as normas gerais da Lei 8.666/93, a serem obrigatoriamente observadas, e quais seriam de matéria específica, passível de regulação em sentido diverso pelos outros entes da federação.

A Lei 8.666/93 não estabeleceu expressamente quais dos seus dispositivos têm caráter de norma geral. A doutrina também não atingiu uma solução uniforme para a questão. Podem ser localizados alguns parâmetros para a definição, nos casos concretos, do que é norma geral e do que não é.

Segundo Jessé Torres Pereira Júnior, "é norma geral de licitação e contratação toda disposição da Lei 8.666/93 que se mostre indispensável para implementar os princípios constitucionais reitores da Administração Pública e os básicos arrolados em seu art. 3º".2

Marçal Justen Filho destaca o fato de o texto constitucional ter previsto expressamente que a competência legislativa privativa da União inclui as normas gerais de licitação e contratação, "em todas as suas modalidades". Segundo o doutrinador, tal locução acabou por ampliar o conceito de norma geral: "essa fórmula destinou-se a assegurar que o conceito de norma geral abrangesse a disciplina dos diferentes procedimentos licitatórios e das diversas espécies contratuais".3

Assim, por orientação expressa do constituinte, consiste em norma geral a disciplina acerca das modalidades de licitação e contratação administrativa. Porém, as normas gerais não se restringem a essas matérias. O que se verifica é que para os outros campos não existe uma definição ampliativa de norma geral dada pelo legislador.

Não obstante, a decisão do STF objeto desses breves comentários nem precisou ingressar propriamente na análise de dispositivos da Lei 8.666/93 (clique aqui) para apreciar a questão.

De um lado, o Supremo decidiu pela inconstitucionalidade formal dos dispositivos da Lei Distrital 3.705/2005. No tocante ao seu art. 1º, o STF reconheceu que a regra contém um critério geral de incapacitação para participar de licitações. Trata- se de norma geral sobre licitação e não apenas de um comando versando sobre particularidades locais. Daí a violação ao art. 22, inc. XXVII, da CF.

De outro lado, ao declarar a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei Distrital 3.705/2005, o STF também reconheceu a sua inconstitucionalidade material. A lei local excepciona o caráter isonômico das licitações, estipulado no art. 37, inc. XXI, da Constituição, que é norma de observância obrigatória por todos os entes federados.

Assim, nessa decisão o STF reafirmou o seu entendimento no sentido de que a incidência do princípio da isonomia em todo processo licitatório é regra geral para a Administração Pública. A locução inicial do inciso XXI do art. 37 da Constituição ("ressalvados os casos especificados na legislação") indica que apenas normas gerais, de aplicabilidade para toda a federação, podem excepcionar o tratamento isonômico.

Como o Pleno do STF já havia decidido em outra oportunidade, "a relativização ou flexibilização do princípio isonômico, em tema de licitação pública, é matéria de competência legislativa da União Federal".4

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1 Acórdão publicado no DJ de 18.5.2007, p. 64.

2 Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública, 6. ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2003, p. 19.

3 Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 11. ed., São Paulo, Dialética, 2005, p. 14.

4 Voto do Relator Ministro Carlos Britto na ADI-MC 3059/RS, j. 15.4.2004, DJ 20.8.2004.

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*Advogada do escritório Justen, Pereira, Oliveira & Talamini - Advogados Associados









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