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Everybody, Macacada!

Era um latifúndio e não tinha aquele tanto de alma viva a corresponder à quantidade das que votavam nas eleições. Claro, se eram apenas almas, daquelas invisíveis, quem iria testemunhar dizendo ao Juiz que não as viram votando? E assim o patriarcalismo se mantinha.

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Atualizado em 8 de novembro de 2007 11:13


Everybody, Macacada!

Edson Vidigal*

Era um latifúndio e não tinha aquele tanto de alma viva a corresponder à quantidade das que votavam nas eleições. Claro, se eram apenas almas, daquelas invisíveis, quem iria testemunhar dizendo ao Juiz que não as viram votando? E assim o patriarcalismo se mantinha.

Aquilo ali era um grotão, aquele lugar adorado pelos coronéis da política porque é lá que eles obtêm votação maciça, compensando os apoios que não conseguem entre os mais esclarecidos.

No inventário, afinal concluído, a propriedade restou repartida, entre os três filhos. O mais novo, que morava fora, tratou de vender a sua parte ao mais velho, embolsou o dinheiro e foi embora.

Numa dessas sacadas em que até beira de estrada com cemitério e posto de gasolina vira município, o que parece normal, pois acontece igualmente em Cólquida, eis que os três quinhões, agora com almas vivas quase emparelhando em quantidade com as almas invisíveis, ganharam registro no mapa, juntando-se aos micélios no orçamento público.

O dinheiro do jovem migrante acabou e um dia ele reapareceu no torrão natal em busca de inspirações para novos empreendimentos. Não foi pela síndrome de Caim, o inventor da inveja. É que ele viu que o negócio de ser dono de município é bom demais, que os irmãos iam muito bem, obrigado. Não haviam inventado nada. Só aperfeiçoado as práticas.

Se arrependimento matasse, Migrante estaria morto. Bobagem muita ter vendido a sua parte nas terras. Daquelas matas que no tempo do pai nem pareciam ter dono, surgiam agora grandes fontes de rendas. Nem esse biodiesel, por conta do qual já tem gringo chafurdando cartórios em busca de terras, renderia tanto.

Recusado na sociedade dos irmãos, Migrante viu logo que montar Partido, onde a democracia é só de fachada, é também um grande negócio. Dá status, mesmo se o dono não tem votos. Às vezes acontecem umas mordomias, abre portas para outros negócios e o aluguel da legenda rende uma grana. Com eleições de dois em dois anos, horário de graça no rádio e na televisão, quem não quer ser dono de partido?

Migrante foi prosperando nesse empreendimento que já nem era surpresa ele controlar quantos partidos fosse surgindo. Até aqueles outrora rotulados de esquerda. Os que se acham de direita, nem se fala. Uns dois ou três, ainda renitentes, não saem da mira de Migrante.

Diz que quando o mingau está muito quente tem que se ir comendo pelas beiradas. E pelas beiradas cooptou alas dentre os renitentes, já tem bons pedaços do circuito circunvizinho, mas o que Migrante quer mesmo é voltar a mandar nas terras. Quer fazer governantes porque é mais cômodo ter nas mãos aqueles em quem possa mandar do que ficar se arriscando na linha de frente.

Migrante deu ultimamente para criar cães vira-latas e, sabido, até cortou o rabo de alguns para as pessoas pensarem que são boxes. Não são de raça, não. São apenas cachorros bicós. Mas não consegue conter-se em sua própria crueldade. Atrasa a ração dos seus cães só para ouvi-los latir enraivecidos.

Não sabe até quando vai continuar gastando sua paciência nessa espera de voltar a mandar nas terras. Agora rumina a idéia de criar, ele também, um município novo, só dele, só para ele.

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*Ex-Presidente do STJ e Professor de Direito na UFMA





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