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CADE: desafios de uma autarquia que funciona

As recentes críticas, atualmente onipresentes em todos os nossos meios de comunicação, se olvidam de questões fundamentais ao taxarem o CADE como órgão ineficiente e moroso.

quarta-feira, 2 de junho de 2004

Atualizado em 27 de maio de 2004 16:50

CADE: desafios de uma autarquia que funciona


Bruno Drago*

As recentes críticas, atualmente onipresentes em todos os nossos meios de comunicação, se olvidam de questões fundamentais ao taxarem o CADE como órgão ineficiente e moroso. Saímos, dessa forma, em defesa desta autarquia, a fim de destacarmos alguns problemas estruturais para que se afastem injustiças circunstanciais que lhe possam ser creditadas, apontando as razões da morosidade do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, que vão muito além da falta de pessoal técnico disponível para as funções de apreciação dos atos de concentração e conduta.

Em nosso entender, um dos primeiros problemas estruturais que contribuem para que as análises econômicas se prolonguem no tempo é o próprio marco legal da defesa concorrencial. A Lei 8.884/94 traz, em seu artigo 54, parág. 3º, a previsão da obrigatoriedade da notificação de atos que visem qualquer forma de concentração econômica que implique em participação da empresa ou grupo de empresas resultante em vinte por cento de um mercado relevante ou nos casos em que qualquer dos participantes tenha registrado faturamento bruto anual no último balanço equivalente a ínfimos quatrocentos milhões de reais. Esses limiares são baixíssimos comparados aos do resto do mundo.

Além disso, o próprio CADE pacificou sua jurisprudência no sentido de que o critério erigido do faturamento abarca também os grupos econômicos das empresas envolvidas. Ora, se à época da edição da Lei os quatrocentos milhões de reais poderiam definir valores de relevância, atualmente, com a desvalorização do real, grande parte das empresas organizadas e a maioria dos grupos econômicos considerados incidem no critério de faturamento aludido e, conseqüentemente, obrigam-se à notificação concorrencial.

Tem-se, portanto, que operações de menor relevância, totalmente incapazes de gerar qualquer concentração ou distorção dos fatores concorrenciais, carregam a obrigatoriedade da notificação, sejam novos entrantes no mercado, sejam empresas cujas participações de mercado são indiferentes perante o todo, única e exclusivamente em decorrência de estarem ligadas, de alguma forma societária, a um grupo econômico que fature quatrocentos milhões de reais.

As conseqüências desse marco legal e sua construção jurisprudencial desatualizados são o excesso de notificações irrelevantes para o Sistema de Defesa da Concorrência que acabam gerando, por sua vez, morosidade decorrente de excesso, quando na verdade essas notificações deveriam ser evitadas.

A irrelevante análise desses atos de concentração, contudo, deveria ceder lugar à análise de condutas relativas a infrações da ordem econômica de todas as espécies, mais merecedoras de sua atenção em virtude de seus efeitos nocivos aos participantes do mercado e à concorrência em geral. Para tanto, deve-se estudar um mecanismo que dê flexibilidade ao CADE para dispensar análises de concentrações irrelevantes, ou ainda, considerar-se a alteração da jurisprudência atualmente pacificada, de forma a se alocarem os meios disponíveis para a investigação dessas infrações.

Em segundo lugar, não se pode olvidar que o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência é formado pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE), Secretaria de Direito Econômico (SDE) e pelo próprio Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE ). O trâmite de uma análise de ato de concentração nasce na SEAE, onde são analisados os aspectos econométricos da operação, passando então à SDE, onde se fará a análise legal da operação, sem prejuízo ainda de sua análise econômica. Somente então, após exarados os pareceres dessas secretarias, da Procuradoria do CADE e do Ministério Público Federal, os dois últimos vinculados ao CADE, é que esse deverá manifestar-se.

Utilizando-se como parâmetro o caso Nestlé/Garoto, tema atual, verificamos que o processo prolongou-se por aproximadamente sete meses na SEAE, três meses na SDE, e doze meses no CADE, sem nos esquecermos da enxurrada de impugnações, cautelares e manifestações contrárias à operação que prolongaram sua decisão.

Tudo isso equivale a dizer que, de todo o Sistema de Defesa da Concorrência, o CADE, mesmo que ainda não equipado com mão-de-obra e equipamentos ao nível de importância de suas decisões, tem-se mostrado, muitas vezes, o órgão mais célere envolvido nas análises concorrenciais, a despeito de levar o crédito da descrença de todo o sistema aos olhos dos leigos no assunto.

Recentemente, a SEAE e a SDE, através dos Ministérios aos quais estão vinculadas, editaram a Portaria Conjunta MF/MJ nº 1, pela qual criaram o procedimento sumário de análise dos atos de concentração. Verifica-se o número crescente de atos de concentração que têm sido tratados sob a égide do recém-criado procedimento, fazendo com que tenhamos uma decisão final de um ato de concentração no prazo de três a cinco meses. Trata-se de procedimento aplicável, em resumo, a operações que não envolvam concentrações de mercado consideráveis (abaixo de vinte por cento do mercado relevante), devendo as secretarias auxiliadoras do sistema exararem seus pareceres no prazo máximo de quinze dias cada.

Em terceiro lugar, devemos ainda mencionar como um problema estrutural a ausência de um plano de carreira adequado aos anseios dos funcionários do Sistema Brasileiro de Defesa, que contribui para que bons profissionais não almejem carreira pública no trato da concorrência. Desde a edição da Lei 8.884/94 não se aprovou qualquer projeto de lei nesse sentido.

Não bastassem seus problemas estruturais, contribuiu o Governo Federal no último ano com considerável corte orçamentário, que distanciou ainda mais a máquina operacional do sistema do seu ideal de funcionamento. Onde estaria a independência do CADE no tocante ao seu procedimento, vez que seu orçamento vincula-se ao Ministério da Justiça? A resposta para essa indagação passa ainda pela aprovação do ante-projeto de lei que transforma o CADE em uma agência, ainda em trâmite na Casa Civil.

Talvez agora, diante da relevância da decisão desse Conselho no caso Nestlé/Garoto, dê-se a devida importância a esse órgão que, ao longo de sua existência, tem trilhado seu caminhado, lenta, porém constantemente. Cremos que o CADE ergue-se e dá passos de forma independente, firmando-se como instituição séria e merecedora da atenção de todos os empresários e, ainda mais, do próprio governo que o legitima.
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* Advogado do escritório Demarest e Almeida Advogados










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