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Prisão temporária

A prisão temporária foi introduzida no direito brasileiro pela Lei n°. 7.960, de 21.12.89, mediante conversão da Medida Provisória nº. 111, de 24.11.89. Segue uma política criminal de recrudescimento processual penal e de majoração do preceito penal secundário - a pena - em diversos tipos penais. A prisão temporária se dá a requerimento do Ministério Público ou da representação da autoridade policial: a) quando for imprescindível para a investigação policial em fase de inquérito; b) quando o indiciado não tiver residência fixa ou haver dúvida quanto a sua identidade; e c) quando houver fundadas razões ou participação do indiciado em diversos tipos penais.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Atualizado em 29 de novembro de 2007 15:25


Prisão temporária

Otávio Luiz Rocha Ferreira dos Santos*

A prisão temporária foi introduzida no direito brasileiro pela Lei n°. 7.960 (clique aqui), de 21.12.89, mediante conversão da Medida Provisória nº. 111 (clique aqui), de 24.11.89. Segue uma política criminal de recrudescimento processual penal e de majoração do preceito penal secundário - a pena - em diversos tipos penais. A prisão temporária se dá a requerimento do Ministério Público ou da representação da autoridade policial:

a) quando for imprescindível para a investigação policial em fase de inquérito;

b) quando o indiciado não tiver residência fixa ou haver dúvida quanto a sua identidade; e

c) quando houver fundadas razões ou participação do indiciado em diversos tipos penais.

O Conselho Federal da OAB entendeu, em sessão plenária de 6.11.2007, inconstitucional a prisão temporária, e autorizou, doravante, a Diretoria do Conselho Federal a tomar medidas jurídicas e políticas para extirpar o perverso instituto. A rigor, a prisão temporária nada mais seria do que a famigerada "prisão para averiguações", modernamente legalizada. Inequivocamente, cuida-se de instituto inócuo e oxigenado por ares inconstitucionais.

A uma, por vício de iniciativa, uma vez que é defesa a veiculação, por intermédio de medida provisória, de matérias relativas a processo penal e direito penal (62, §1º, I, b, da CF/88 - clique aqui -). No ponto, a inconstitucionalidade seria de ordem formal, por si só autorizadora do repúdio aos efeitos jurídicos que dela emanam. A duas, pois nos ditames do Estado Democrático de Direito não se dá azo ao Estado inicialmente prender e, ato contínuo, investigar se o imputado é realmente autor do delito, senão sob pena de se consubstanciar uma inconstitucionalidade mais gravosa, de ordem material. Não obstante, de fato, há ainda brado no sentido de que a prisão temporária seria supostamente constitucional, ex vi da previsão legal assecuratória do bom êxito da persecução ex judicio, e emana de ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, conforme determina o art. 5º, LXI, da Constituição Federal. Entretanto, no sistema penal pátrio, o status libertatis (estado de liberdade) é o preceito a seguir, e a prisão cautelar, a exceção. É nesse prisma que a Carta Política abriga o princípio da presunção de inocência ou da não culpabilidade, segundo o qual ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, LVII). Ademais, ainda que ultrapassadas as contundentes inconstitucionalidades, de ordem formal e material1, a prisão temporária revela-se medida inócua e desnecessária na seara processual penal.

Com efeito, os fundamentos de todas as prisões cautelares, no Brasil, residem naqueles requisitos da prisão preventiva (art. n°. 312 CPP - clique aqui -): garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal. Assim, a Lei n°. 7.960 quer parecer, à evidência, veio preencher alguma "lacuna" não alcançada pela tradicional prisão preventiva, prevista no Código de Processo Penal.

Dessarte, a malsinada prisão temporária se revela dispensável, à medida em que os seus requisitos se igualariam aos requisitos da prisão preventiva. De mais a mais, de clareza solar que não merece prosperar o açodado diploma legal que autoriza o Estado a segregar para, após, investigar, haja vista o fim holístico da objurgada norma, notadamente a expressão "imprescindível às investigações policiais", constante daquele texto inconstitucional.

Adiante, a prisão temporária não pode estar alicerçada em suposições: se houver um fato concreto, que se submeta o suspeito à segregação preventiva. Em suma, a regra é aguardar-se a tramitação para ter-se depois aplicado o cerceamento ao direito de ir e vir do cidadão. Nesse contexto, a exceção da referida regra deve correr à conta de situações concretas. Lamentavelmente, banalizam-se as restrições cautelares de liberdade como uma caixa de pandora, d e onde emanasse a solução para todos os problemas da criminalidade da sociedade brasileira. Um instituto penal cautelar excepcional é transformado na regra, subvertendo o sistema penal, tudo a pretexto de lidar com determinados fenômenos criminosos2. Por outro lado, chama-se a atenção para o prejuízo de uma prisão temporária infundada (e não são raros os casos, frise-se), bem como para os condenáveis decretos de prisão baseados na intuição, regra da praxe penal hodierna. O preso temporário, independentemente de eventual condenação ao final ou não, fica execrado no banco dos réus da opinião pública para sempre: a mácula vinga.

A prisão temporária não merece guarida pelo ordenamento jurídico brasileiro, sob pena de convalidar vício insanável de forma - despretigiando-se a ordem constitucional de competências legislativas distribuídas -, e, pior, de se aviltar, de forma irreparável, os fundamentais direitos assegurados pela Carta Maior, execrando-se inocentes a encarceramento odioso, outro senão àquele anti-jurídico, indevido, e sobretudo inconstitucional.

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1 Como é cediço, na sua badalada obra Direito Constitucional e Teoria da Constituição, esclarece José Joaquim Gomes Canotilho que "os actos normativos só estarão conformes à constituição quando não violem o sistema formal, constitucionalmente estabelecido, da produção desses actos, e quando não contrariem, positiva ou negativamente, os parâmetros materiais plasmados nas regras e ou princípios constitucionais".

2 No judicioso entendimento do ministro do STF, Marco Aurélio de Mello, segundo o qual "a prisão temporária não pode resultar da capacidade intuitiva de quem quer que seja. (...), o que nós estamos notando nos dias atuais é uma inversão de valores, como se presumisse de imediato a culpa. O princípio da não culpabilidade está ficando em segundo plano. Prende-se para depois apurar" (Entrevista veiculada pelo jornal Correio Braziliense em 27.6.2005).

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*Advogado sócio de Alcoforado Advogados Associados, pós-graduado em Direito Penal e em Direito Público






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