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Ministério Público, vereador, deputado e Polícia Federal: prisão e foro privilegiado

José Barcelos de Souza

O noticiário de dias atrás voltou-se, de certo modo, contra o Ministério Público - conceituadíssima instituição que goza, e tem feito por merecer, da maior credibilidade -, à conta de homicídios culposos imputados a um promotor de Justiça paulista.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Atualizado em 17 de dezembro de 2007 15:29


Ministério Público, vereador, deputado e Polícia Federal: prisão e foro privilegiado

José Barcelos de Souza*

O noticiário de dias atrás voltou-se, de certo modo, contra o Ministério Público - conceituadíssima instituição que goza, e tem feito por merecer, da maior credibilidade -, à conta de homicídios culposos imputados a um promotor de Justiça paulista.

Sem analisar o infausto acontecimento, que rendeu páginas inteiras e até editoriais de grandes jornais, e sem repetir o que temos escrito ou falado sobre a necessidade de uma mais efetiva repressão aos crimes de trânsito, quer em palestras, a começar pela que foi feita em Brasília sobre o Código de Trânsito Brasileiro (clique aqui), nos primeiros dias de sua publicação, quer em escritos diversos, inclusive na atividade profissional, como advogado de parte assistente do Ministério Público, vai aqui apenas um reparo a um equivocado entendimento de que estaria campeando a impunidade no caso do promotor, só porque não foi ele preso, como, aliás, inúmeras outras pessoas que praticaram fatos delituosos da mesma natureza.

Tem-se frisado, porém, que promotor de Justiça só pode ser preso em flagrante se o crime for inafiançável. Nos delitos de trânsito, entretanto, nenhum motorista será preso em flagrante se prestar socorro à vítima. Ou se não se recusar a comparecer ao Juizado. E nenhum eleitor será preso em dia de eleições senão em flagrante por crime inafiançável. Quer dizer, mesmo se condenado não será preso. Não sei por que o preconceito contra o promotor.

Tem-se dito também que o promotor tem "foro privilegiado", ou seja, foro por prerrogativa da função, no caso, o Tribunal de Justiça. Não se trata de nenhum privilégio, visto que o foro especial não é estabelecido para a pessoa, mas em razão da função que exercer. Seria inadequado fosse o promotor julgado pelo juiz de sua própria comarca, com quem trabalha, pior ainda com acusação de colega seu de igual categoria, tudo o que até poderia gerar suspeita de favorecimento indevido. Ou tirar-lhe a independência. Demais disso, não conviria fosse submetido à lavratura de auto de flagrante presidido por autoridade policial cujos atos funcionais se sujeitam a controle externo exercido justamente por ele.

O foro especial poderá, entretanto, servir como fator de impunidade se for aumentado desnecessariamente o numero de pessoas com direito a ele. Tribunais não têm estrutura para apurar crimes pelo interior afora, nem teria o procurador-geral condições para denunciar um contingente enorme de pessoas que podem e devem ser processadas e julgadas em suas comarcas. E isso é o que poderá acontecer, se firmar-se a nova tendência no Superior Tribunal de Justiça de reconhecer aos vereadores o direito a foro especial por prerrogativa da função.

Há poucos meses, com efeito, uma das Turmas daquele Tribunal concedeu habeas corpus para anular a condenação, por juiz de direito, de um vereador no Estado do Rio. É que a Constituição (clique aqui) deixou aos Estados-membros a fixação da competência originária do Tribunal de Justiça. Os Estados aproveitaram e em geral incluíram os vereadores. Nada contra os edis. Mas só excepcionalmente se admite sacrificar o principio da igualdade. Não convém, certo, tanto rigor como nos Estados Unidos, onde um presidente, acusado de mentir sobre estar "fazendo bobagem" com uma estagiária, não teve foro especial. Mas também não faz sentido deslocar-se para o Tribunal de Justiça o processo de vereador de pequena cidade que nem sede de comarca é. Mas os representantes do povo quiseram e pronto.

Privilégio mesmo, porém, é para parlamentar. Enquanto juízes e promotores podem ter a prisão decretada, quer a temporária, quer a preventiva, quer a por pronúncia, quer a decorrente de decisão condenatória recorrível, deputados e senadores, não. Uma brecha da Constituição só não lhes deixa escapar da prisão em flagrante. Não se sujeitam nem mesmo a prisão civil para prestar alimentos! Enquanto isso, miseráveis que não têm onde cair duros são presos pela Justiça por não prestarem alimentos. Que não têm nem para si mesmos. A respeito do tema prisão em flagrante valem as explicações do Professor Dr. Marcellus Polastri Lima, em seu A Tutela Cautelar no Processo Penal, obra que tivemos a honra de prefaciar.

Já os operosos delegados de Polícia Federal, a despeito de seus árduos e relevantes serviços, ficaram sem "privilégio" algum. Uma juíza federal substituta de início de carreira pode receber denúncia contra eles, transformando-os em réus, decretar-lhes a prisão e condená-los. Se fossem vereadores em São João do Paiol, certamente não o faria.

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*Professor titular da Faculdade de Direito da UFMG e das Faculdades Milton Campos. Diretor do Departamento de Direito Processual Penal do IAMG - Instituto dos Advogados de Minas Gerais







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