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Voto do Colegiado CVM pode alterar procedimentos de emissão e negociação de Cédulas de Crédito Bancário

O voto proferido pelo diretor do Colegiado CVM, Marcos Barbosa Pinto, no dia 15 de janeiro, pode acarretar mudanças na forma de concessão de financiamentos por instituições financeiras a pessoas físicas e jurídicas, mediante emissão de Cédulas de Créditos Bancários - "CCBs". Em resposta a pedido, formulado pelo Banco Itaú BBA S.A., de dispensa de registro de oferta pública de CCBs emitidas por empresa do ramo imobiliário, o referido diretor proferiu voto no qual analisou a natureza jurídica das CCBs e concluiu pela necessidade de regulamentação da emissão de CCBs, até então realizada no âmbito privado e posteriormente registrada na Câmara de Custódia e Liquidação - "Cetip".

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Atualizado em 12 de fevereiro de 2008 15:04


Voto do Colegiado CVM pode alterar procedimentos de emissão e negociação de Cédulas de Crédito Bancário

Bruno de Almeida Chaves*

O voto proferido pelo diretor do Colegiado CVM, Marcos Barbosa Pinto, no dia 15 de janeiro, pode acarretar mudanças na forma de concessão de financiamentos por instituições financeiras a pessoas físicas e jurídicas, mediante emissão de Cédulas de Créditos Bancários - "CCBs". Em resposta a pedido, formulado pelo Banco Itaú BBA S.A., de dispensa de registro de oferta pública de CCBs emitidas por empresa do ramo imobiliário, o referido diretor proferiu voto no qual analisou a natureza jurídica das CCBs e concluiu pela necessidade de regulamentação da emissão de CCBs, até então realizada no âmbito privado e posteriormente registrada na Câmara de Custódia e Liquidação - "Cetip".

Segundo definição do artigo n°. 26 da Lei nº. 10.931/04 (clique aqui), as CCBs são títulos de crédito emitidos por pessoas físicas ou jurídicas, em favor de instituição financeira ou de entidade a esta equiparada, representando promessa de pagamento em dinheiro, decorrente de operação de crédito, de qualquer modalidade. As CCBs são títulos de créditos emitidos em contrapartida à concessão de financiamentos bancários, representando compromisso de pagamento do valor integral do crédito, acrescido dos juros e encargos aplicáveis. As CCBs possuem as características gerais dos títulos de crédito (cartularidade, literalidade, e autonomia), e contribuem para facilitar a negociação de créditos bancários, possibilitando o repasse de dívidas, sem maiores complicações burocráticas. Assim, é facultado aos bancos "vender" CCBs, emitidas em seu favor, a terceiros, gerando a liquidez necessária para que os bancos não permaneçam vinculados ao risco de crédito dos tomadores, nem estes fiquem impedidos de realizar operações adicionais em razão de limitações de balanço.

Na prática, os bancos e demais instituições financeiras concedem crédito em contrapartida à emissão de CCBs e, em seguida, negociam os títulos com investidores interessados na remuneração financeira oferecida. As CCBs são registradas na Cetip e mantidas em custódia na própria instituição financeira, possibilitando sua cessão mediante endosso eletrônico, o que agrega considerável agilidade e simplicidade ao processo. Os compradores das CCBs na maioria das vezes são fundos de investimento ou outros investidores qualificados com interesse em "carregar" o investimento até o vencimento do título. Para os bancos e demais instituições financeiras, geralmente, é mais lucrativo negociar as CCBs, retendo a diferença (spread) entre o valor financiado e o preço de venda, agregando maior liquidez às suas carteiras.

O voto do diretor Marcos Barbosa Pinto, se confirmado, deverá alterar consideravelmente o procedimento atualmente adotado. Em suma, o diretor posicionou-se no sentido de que:

(i) as CCBs serão valores mobiliários nos casos em que sejam distribuídas publicamente e a responsabilidade da instituição financeira, por seu adimplemento, seja expressamente excluída do título,

(ii) tendo em vista a falta de regulamentação quanto ao registro da oferta pública de CCBs, a Superintendência de Desenvolvimento do Mercado da CVM deve iniciar a preparação de uma instrução específica para regular o registro das emissões e dos emissores de CCBs;

(iii) até que tal instrução específica seja editada, a área técnica da CVM deve aplicar regras pertinentes:

(a) à simplificação dos requisitos exigidos para obtenção de registro de distribuição de notas promissórias, para as emissões de CCBs feitas por companhias abertas ou com prazo inferior a 6 (seis) meses ; ou

(b) à distribuição pública de Nota Comercial do Agronegócio ("NCA"), para todos os demais casos ; e

(iv) ainda que o registro de uma negociação privada de CCBs na Cetip não torne obrigatório o registro do emissor e da emissão, a negociação de CCBs com a intervenção, como intermediário, de membro do sistema de distribuição de valores mobiliários depende de prévio registro na CVM, nos termos da regulamentação aplicável, ressalvados os casos de dispensa previstos na regulamentação.

Refletindo sobre a fundamentação do voto do diretor Marcos Barbosa Pinto, entendemos que alguns aspectos devam ser analisados com cautela. Conforme é muito bem colocado pelo diretor, "embora o conceito de 'valor mobiliário' não se confunda com o conceito de 'título de crédito', sempre se admitiu que alguns títulos de crédito podem ser valores mobiliários (...)" (grifo nosso). Em concordância com a exposição supra, cumpre ressaltar que, a despeito de eventuais semelhanças que possam existir entre títulos de crédito e valores mobiliários, ambos possuem características e regulação próprias. Nesse sentido, títulos de crédito podem ser valores mobiliários em caráter de exceção, já que estes, na origem, são constituídos como títulos de crédito e, portanto, devem ser juridicamente tratados como tal.

O ilustre diretor defende que as CCBs serão valores mobiliários (a) se distribuídas publicamente; e (b) se a responsabilidade da instituição financeira, por seu adimplemento, for expressamente excluída do título. Analisando a questão da exclusão da responsabilidade, conforme citado pelo referido diretor em seu voto, "o art. n°. 29, §1º da Lei nº. 10.931/04 diz que as CCBs só podem circular mediante endosso, segundo as regras do direito cambiário, ou seja, segundo o disposto na Lei Uniforme Relativa a Letras de Câmbio e Notas Promissórias. E o art. n°. 15 desta lei prevê que o endossante de um título é, via de regra, responsável pelo seu inadimplemento". Nos termos da legislação aplicável, portanto, as CCBs são, em princípio, exclusivamente títulos de crédito, restando clara, desde já, a situação excepcional em que podem ser consideradas valores mobiliários.

As questões relacionadas à distribuição pública e sua sujeição a registro perante a CVM a nosso ver são ainda mais complexas. Inicialmente, vale citar brevemente a distinção entre emissor e ofertante. As CCBs são emitidas por pessoas físicas ou jurídicas, sempre em favor de instituição financeira ou entidade a esta equiparada, sendo de pronto excluída a possibilidade de se cogitar oferta pública de ativos no momento de sua emissão. Isto posto, tem-se como premissa que eventual distribuição pública de CCBs somente poderia ocorrer na forma de oferta secundária, sendo caracterizado o papel de ofertante da instituição financeira, o qual se distingue de emissor primário.

A compreensão dos conceitos tratados no parágrafo anterior ganha relevância perante o trecho do voto que conclui que "qualquer operação com valores mobiliários realizada com intervenção destas entidades, na qualidade de intermediários, é uma operação de mercado de balcão, sujeita, por conseguinte, aos registros de emissão e emissor previstos em lei e na regulamentação". Isto porque fica a dúvida se a obrigatoriedade de registro do emissor mencionada no trecho transcrito se refere

(i) ao emitente do título e responsável pelo fiel pagamento da dívida ali representada, ou

(ii) à instituição financeira, titular das CCBs e responsável pela negociação e venda dos títulos ao terceiro interessado.

Considerado o interesse do mercado e seus participantes, parece-nos mais correto o entendimento de que as informações pertinentes seriam aquelas relativas ao emitente das CCBs, possibilitando a análise do risco de inadimplemento do título. Ocorre que, nos termos do artigo n°. 26 da Lei nº. 10.931/04, as CCBs podem ser emitidas por pessoas físicas ou jurídicas sem qualquer restrição ou condição adicional. Assumindo por correta a interpretação do voto e prevalecendo o entendimento neste contemplado, deparamo-nos com duas possíveis situações de "aberratio iuris".

A primeira, no caso de ser imposta obrigação de registro do emitente na CVM em razão de ato subseqüente e independente de sua vontade. Explicamos, conforme exposto anteriormente, pois o enquadramento de uma CCB no conceito de valor mobiliário depende de dois fatores excepcionais e posteriores à sua emissão, já que, conforme anteriormente mencionado, as CCBs são originariamente títulos de crédito, não sujeitos à regulamentação da CVM. Confirmado o entendimento do voto, caso uma instituição financeira deseje realizar a venda de CCBs por ela adquiridas, esta será condicionada à aceitação do emitente de se registrar perante a CVM como emissor de CCBs, derrubando por terra o propósito das CCBs, qual seja, facilitar a negociação de créditos bancários. Em última análise, tal situação condicionaria a concessão do crédito pelas instituições financeiras à obtenção de referido registro pelos emitentes, ou tornaria limitada a circulação de um título de crédito.

Outra possibilidade seria a edição de instrução condicionando a emissão de CCBs ao registro do emissor na CVM, como é o caso da Instrução CVM 422/05, cuja aplicação foi recomendada até a edição de instrução específica e que trata da emissão da NCA. Ocorre, porém, que, no caso das CCBs, tal regulamentação extravasa a competência da CVM. Diferentemente da NCA que, segundo a definição dada pela Instrução CVM 422/05, que a criou, "é a nota comercial para distribuição pública emitida por companhias, sociedades limitadas e cooperativas (...)" (grifo nosso), as CCBs são em princípio apenas títulos de crédito. A competência da CVM para regular as CCBs surge somente em momento posterior a sua emissão, em casos excepcionais e alheios à vontade do emissor em que a instituição financeira que as detém toma providências necessárias ao enquadramento das CCBs no conceito de valor mobiliário.

Já com relação ao registro da distribuição (secundária) das CCBs , sendo mantido o voto do diretor Marcos Barbosa Pinto e, assim, o entendimento de que qualquer negociação de CCBs intermediada por membro do sistema de distribuição de valores mobiliários será emissão pública sujeita a registro na CVM, o que veremos é um exaustivo exercício burocrático das instituições financeiras para obter a dispensa de registro. Não restam dúvidas de que, além do esforço e burocracia adicional, tal exigência implicaria o risco da não obtenção da dispensa, o que, certamente, acarretaria custo adicional à operação.

Ainda assim, sem a pretensão de adentrar a discussão quanto a publicidade da oferta das CCBs, tendo em vista o cenário que se forma, vale questionar se o mesmo tratamento se aplicaria a outros títulos e produtos financeiros negociados e oferecidos por instituições financeiras, tais como as Cédulas de Crédito Industrial, Cédulas de Crédito Comercial, Cédulas de Crédito Imobiliário, Certificados de Depósito Bancário e Recibos de Depósito Bancário, entre outros.

Por fim, caso prevaleçam, na decisão final do Colegiado CVM, os entendimentos arrazoados no voto, as instituições financeiras certamente passarão a analisar a concessão de empréstimos vinculados à emissão de CCBs com maior cautela. Ainda assim, qualquer que seja o resultado do pedido de dispensa realizado pelo Banco Itaú BBA S.A., o posicionamento da CVM com relação a este assunto somente passará a vincular os demais participantes do mercado após a edição da citada instrução específica, o que certamente ditará o novo cenário das CCBs, seja com a adaptação das instituição financeiras às novas regras a serem editadas, seja por meio de discussões judiciais sobre o tema.

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1 Instrução CVM nº 155/91

2 Instrução CVM nº 422/05

3

Tendo em vista a já demonstrada incompatibilidade jurídica de emissão pública primária de CCBs, passo a analisar o voto somente considerando as implicações inerentes à emissão

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*Advogado do escritório Azevedo Sette Advogados









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