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A possibilidade da terceirização de serviços médicos por cooperativas

Ana Luiza Fischer

Hospitais do Estado de Minas Gerais têm sofrido autuações do Ministério do Trabalho e Emprego, por meio de suas Superintendências Regionais do Trabalho (antigas DRT´s), com base no convencimento da existência de vínculo empregatício entre tais casas de saúde e os médicos que lá prestam serviços.

quinta-feira, 17 de abril de 2008

Atualizado em 14 de abril de 2008 08:41


A possibilidade da terceirização de serviços médicos por cooperativas

Ana Luiza Fischer*

Hospitais do Estado de Minas Gerais têm sofrido autuações do Ministério do Trabalho e Emprego, por meio de suas Superintendências Regionais do Trabalho (antigas DRT's), com base no convencimento da existência de vínculo empregatício entre tais casas de saúde e os médicos que lá prestam serviços.

Segundo o que se extrai da maior parte dos relatórios que se fazem acompanhar das referidas autuações - e a linha de argumentação têm se mostrado homogênea na maior parte deles - são dois os principais argumentos utilizados pelos Agentes da Fiscalização:

(1) os Hospitais estariam terceirizando sua atividade precípua, o que é condenado pela jurisprudência atual (Súmula 331 do TST - clique aqui); e

(2) as tradicionais e há muito utilizadas cooperativas médicas seriam associações fraudulentas e existiriam apenas para que direitos trabalhistas dos médicos fossem logrados.

Pois bem. Ressalvada a possível existência localizada de cooperativas de fato fraudulentas e quaisquer outras situações ilegais a tal assunto relacionadas, cumpre-nos analisar, no campo das idéias, os fundamentos jurídicos indicados acima, os quais, como dito, têm servido de substrato teórico a fundamentar a caracterização de vínculo de emprego entre médico e hospitais.

Ora, é certo que a terceirização de serviços ligados à atividade-fim de qualquer empresa é considerada ilegal tanto por parte da doutrina como da jurisprudência.

A propósito, inclusive, foi editada a já mencionada e muito conhecida Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho.

Ressalte-se que, o termo "atividade-meio", presente no item III da referida Súmula, vem sendo interpretado de modo cada vez mais limitado, alcançando tão somente as funções totalmente desligadas da atividade produtiva da empresa.

Ocorre que a terceirização da atividade médica, ao contrário do entendimento majoritária e recentemente adotado pela Fiscalização do Trabalho, é, sim, regular e lícita, desde que observados, obviamente, a inexistência dos pressupostos fático-jurídicos da relação de emprego, o que se verá mais à frente. Por ora, cumpre-nos observar que a terceirização em questão não se trata de terceirização de atividade-fim.

De fato, de uma análise mais detida da legislação específica do setor de saúde, notadamente as regulamentações do Conselho Federal de Medicina, bem como dos conceitos envolvidos na caracterização de estabelecimentos de saúde, se percebe que o objetivo destes se resume à função de criar uma estrutura de trabalho adequada para o médico, fornecendo condições e instrumental necessário para que o mesmo desempenhe o ato médico.

Portanto, o papel dos hospitais não se confunde com o papel do profissional médico, já que o ato médico é uma atribuição privativa do médico que não pode ser outorgada a estabelecimentos de saúde ou a terceiros. Assim é que o médico, como profissional autônomo que é, desempenha serviço diverso daquele desempenhado pelos hospitais, prestador de serviços hospitalares.

A própria definição de Corpo Clínico, de autoria do Conselho Federal de Medicina, demonstra inequivocamente a indispensabilidade da autonomia absoluta de que se deve valer o profissional médico para atuar. Confira-se:

Resolução nº. 1.481/97 CFM: entende-se por Corpo Clínico "o conjunto de médicos de uma instituição com a incumbência de prestar assistência aos pacientes que a procuram, gozando de autonomia profissional, técnica, científica, política e cultural".

Diante disso, vê-se que não há a possibilidade de qualquer profissional médico estar submetido ao poder de direção do estabelecimento de saúde com relação a seus atos.

Ou seja, repita-se: os serviços hospitalares consistem, tão-somente, no fornecimento do aparato e instrumental (leitos, ambulâncias, medicamentos, aparelhagem médica, etc.) destinado à viabilização e suporte dos serviços médicos, exercidos pelos profissionais (pessoas físicas) por meio do conhecimento técnico, científico e intelectual adquirido em sua formação acadêmica e profissional.

Mais do que isso, percebe-se que os serviços médicos, prestados de forma intelectual, técnica e científica pela pessoa dos médicos, é que dependem, ainda que de forma eventual, do aparato e o instrumental disponibilizado pelos hospitais, por meio da prestação dos serviços hospitalares.

A distinção entre os dois tipos de serviços, conclui-se, é óbvia, ressaltando-se o caráter eminentemente empresarial das atividades hospitalares, restando claro que os serviços médicos não são, nem podem ser considerados, atividade-fim de qualquer hospital.

No que toca ao argumento da suposta fraude perpetrada pelas cooperativas de médicos, é de se rechaçar referida presunção, já que fraude não se presume, registrando-se, uma vez mais, a ressalva já formulada a respeito das situações de fato ilegais por ventura existentes.

Hoje é fácil se verificar, no âmbito do Judiciário Trabalhista, um verdadeiro preconceito no que tange à terceirização de serviços por meio de cooperativas, já que há quase uma predisposição de associar tal modalidade de terceirização à fraude trabalhista. Tal postura, é bom que se diga, é justificável, frente ao triste histórico de abusos pela utilização irregular deste tipo associativo.

Não obstante tudo isso, certo é que as verdadeiras cooperativas de fato existem e as cooperativas médicas, de maneira geral, se incluem nesse grupo.

De fato, a maioria da doutrina, inclusive, para exemplificar o verdadeiro cooperativismo, cita as cooperativas médicas. Confira-se, como exemplo, o que diz o Ministro do TST e Jurista Maurício Godinho Delgado1 :

"Objetiva, desse modo, o Princípio da Dupla Qualidade que as cooperativas destaquem-se por uma peculiaridade em face das outras associações: o próprio associado é um dos beneficiários centrais dos serviços por ela prestados.

De fato, é o que ocorre, de maneira geral, com as tradicionais cooperativas de prestação de serviços, clássicas no mercado de trabalho (ilustrativamente, cooperativas de operadores autônomos de serviços de táxi, de operadores autônomos de serviços médicos, etc..)

(...)

Observe-se, ilustrativamente, como atua o Princípio da Retribuição Pessoal Diferenciada na prática do mercado econômico. (...) O mesmo pode ocorrer com cooperativas de serviços médicos autônomos: o cooperado médico, que já labora como profissional autônomo, aufere, em função do cooperativismo, clientela específica, certa e larga - clientela inimaginável caso ele estivesse atuando sozinho, isolado em seu consultório; além disso, a cooperativa presta-lhe diversos outros serviços, ampliando seu potencial."

Ora, de fato, se percebe, de maneira geral, nas sociedades cooperativas médicas a presença de todas as características básicas preceituadas na Lei de Cooperativas nº. 5.764/71 (clique aqui), as quais estão corporificadas em basicamente dois Princípios que regem o Cooperativismo: o Princípio da Dupla Qualidade, segundo o qual o cooperado é, ao mesmo tempo, cooperado e cliente da cooperativa, na medida em que também recebe bens ou serviços da sociedade; e o Princípio da Retribuição Pessoal Diferenciada, segundo o qual o cooperado, associado à cooperativa, tem melhores condições retributivas do que teria se independente fosse.

Em conclusão, diga-se que, com relação a essas cooperativas médicas realmente autônomas, a terceirização pode ser realizada, já que, como visto, os serviços contratados dizem respeito à atividade-meio do tomador de serviço; e, de maneira geral, não estão presentes, concomitantemente, entre cooperado e tomador de serviços, os requisitos listados no artigo 3º da CLT (clique aqui), quais sejam, pessoalidade, não-eventualidade, remuneração e, principalmente, subordinação.

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1Delgado, Maurício Godinho. CURSO DE DIREITO DO TRABALHO. 6ª Edição. São Paulo: Ltr, 2007
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*Advogada do escritório Manucci Advogados









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