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O eu e o mundo

O eu é uma palavra vaga. Todos os usuários da língua portuguesa usam para referir-se à sua pessoa, indistintamente, podendo ser rico ou pobre, alto ou baixo, novo ou velho. Todos eles são eu para eles-mesmos.

quinta-feira, 28 de outubro de 2004

Atualizado em 3 de setembro de 2004 11:04

O Eu e o Mundo


Sérgio Roxo da Fonseca*


O eu é uma palavra vaga. Todos os usuários da língua portuguesa usam para referir-se à sua pessoa, indistintamente, podendo ser rico ou pobre, alto ou baixo, novo ou velho. Todos eles são eu para eles-mesmos.

Mas a palavra não diz nada em si, é preciso sempre do acompanhamento de um adjetivo ou de uma frase qualificadora. Quando digo que eu sou brasileiro ou que eu moro em São Paulo, começo a identificar o meu eu.

Portanto em Lógica afirma-se que a proposição básica é a seguinte: eu sou o predicado. Em outras palavras, o predicado é que é o eu. O eu, sem o predicado, não identifica ninguém porque se refere a todas as pessoas do mundo.

Tanto o eu como o predicado são palavras e elas estão fora das pessoas. Ninguém nasce com uma língua na cabeça. Há quem nunca aprendeu a falar. As palavras são sinais depositados em nossa memória que se transformam em ferramentas descritivas da realidade.

Os nossos pensamentos e as nossas sensações sempre são revelados por sinais. Quase sempre estes sinais são palavras faladas ou escritas. Algumas vezes, não. É possível transmitir mensagens sem usar palavras, como pelas músicas e pelos sonhos.

Quando alguém ouve uma música decodifica os seus sinais, permitindo dizer que se trata de um samba, ou de uma música oriental, ou de uma valsa de Chopin. Algo análogo ocorre quando sonhamos e o nosso pensamento fala com ele-mesmo usando imagens cinematográficas, muitas vezes trazendo à vida até mesmo, pessoas que já morreram. As mensagens musicais e oníricas não são necessariamente transmitidas pelas palavras. Mas são sinais e tal como as palavras têm sua gramática.

O primeiro Wittgenstein reduz o conhecimento do homem aos sinais articulados pelas suas gramáticas, ou seja, pela Lógica. As coisas estão fora do eu. As coisas estão no mundo e não em mim. Do que não sei, devo-me calar.

O segundo Wittgenstein revela a importância da função contida nos sinais. Cita Santo Agostinho para falar da linguagem ostensiva. Num primeiro momento preciso conhecer os sinais, especialmente aqueles contidos nas palavras. Num segundo momento, preciso aprender qual é a função desses sinais para poder articulá-los segundo as regras lógicas ou as regras de suas gramáticas. Ultrapassam-se os limites da linguagem ostensiva.

O homem precisa saber qual é a função conotativa e denotativa da palavra chão, mesa ou cadeira. Se não aprende, acaba colocando o prato no chão, senta-se na mesa e dorme na cadeira, praticando assim um erro lógico. Por esses caminhos o eu se constrói descobrindo quem é o outro, o que é dele e o que é alheio.

Não basta decorar o nome das peças do xadrez. É preciso saber a função de cada palavra para que se possa jogar.

Pensando assim Wittgenstein concluiu que a filosofia não resolve problemas, serve apenas para mostrar a existência deles.

Resta buscar uma resposta para uma pergunta que está por trás de tudo isso. Os sinais, especialmente palavras, são um espelho da realidade do homem? Ou são a própria realidade do homem?
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*Advogado, professor da UNESP e Procurador de Justiça de São Paulo, aposentado





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