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Litigância de má-fé

Uma das grandes conquistas das sociedades modernas é a independência e harmonia dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, em sintonia com o pensamento de John Locke.

quinta-feira, 28 de outubro de 2004

Atualizado em 8 de setembro de 2004 10:10

Litigância de má-fé


Leon Frejda Szklarowsky*

Uma das grandes conquistas das sociedades modernas é a independência e harmonia dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, em sintonia com o pensamento de John Locke. Este notável escritor, do século XVII, advogava a tese de que as leis aprovadas por assentimento mútuo dos membros da sociedade e aplicadas por magistrados independentes manteriam a harmonia geral entre os homens.

As Constituições brasileiras têm consagrado essa doutrina, hospedando-a, com nobreza, como fundamento da República.

Entretanto, uma das preocupações maiores que aflige a sociedade é a morosidade da Justiça, tornando, na prática, impossível o cumprimento do inciso XXXV do artigo 5º da Lei Magna (não exclusão da apreciação judicial de lesão ou ameaça a direito), garantia fundamental da própria existência do Estado democrático.

Assim, além da necessária reforma do Poder Judiciário, é preciso dar continuidade às mudanças parciais da processualística, seja no campo civil, seja no campo penal, tornando o processo mais leve, despido das formalidades descabidas, permitindo às partes realizar o Direito com maior desenvoltura e presteza. Alterações estruturais têm sido realizadas, mas não o bastante, ainda.

Não se concebe a existência desmesurada de recursos, contrapondo-se ao princípio fundamental de que só uma Justiça célere atende os anseios da comunidade, não podendo as partes valerem-se de instrumentos processuais em prejuízo de outrem.

Para esse estado de coisas, sem dúvida, vem contribuindo a utilização abusiva de recursos processuais, prática corrente que faz arrastar os processos judiciais por décadas, em prejuízo não só da parte que age de boa-fé, mas precipuamente da própria Justiça.

O Código de Processo Civil assenta-se no princípio da lealdade e da boa-fé das partes e de seus procuradores e fornece o conceito de litigante de má-fé, bastante lapidado pela doutrina e jurisprudência.

Evidentemente, não só os recursos intempestivos e protelatórios constituem a causa maior desse atravancamento, mas contribuem de forma decisiva para isso, consoante indica mansa e torrencial jurisprudência.

O sacro princípio inscrito na Constituição de que aos litigantes, em processo judicial, se asseguram o contraditório e a ampla defesa com os recursos a ela inerentes, não sinaliza absolutamente a porta aberta para os abusos que extrapolam o bom senso.

O Supremo Tribunal Federal, em acórdão relatado pelo Ministro Celso de Mello, no RE 244893, manifestou sua rejeição a práticas incompatíveis com o postulado ético-jurídico da lealdade processual, visto que o processo não pode ser manipulado para viabilizar o abuso de direito que é contrário ao dever de probidade a ser observado pelas partes.

Urge, pois, que o legislador vá além das penalidades civis, porque estas não têm sido o redutor dessa ignomínia e os pressupostos processuais da litigância de má-fé, em sua maioria, ultrapassam os limites da licitude civil. Para barrar de vez essa constrangedora e dolorosa situação, a reforma deverá atingir o cerne da questão, criminalizando de vez essa conduta, quando o dolo estiver plenamente configurado, exteriorizado na atuação distorcida das partes.
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*Professor, Advogado e Subprocurador-Geral da Fazenda Nacional aposentado






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