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Sociedade entre marido e mulher

Dentre as várias alterações trazidas com o Novo Código Civil, no seu livro segundo 'Do Direito de Empresa', existe uma que diz respeito a grande número das pessoas, sobretudo na área comercial, onde floresceram as sociedades limitadas, até então chamadas de sociedades por quotas de responsabilidade limitada.

sexta-feira, 17 de setembro de 2004

Atualizado em 16 de setembro de 2004 12:28

Sociedade entre marido e mulher


José Anchieta da Silva*

Dentre as várias alterações trazidas com o Novo Código Civil, no seu livro segundo 'Do Direito de Empresa', existe uma que diz respeito a grande número das pessoas, sobretudo na área comercial, onde floresceram as sociedades limitadas, até então chamadas de sociedades por quotas de responsabilidade limitada.

Trata-se da proibição contida no artigo 977 de se contratar sociedade entre marido e mulher. Para melhor compreensão da questão, transcreveremos o conteúdo da aludida norma que diz: 'Faculta-se aos cônjuges contratar sociedade, entre si ou com terceiros, desde que não tenham casado no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória.'

Desde logo é bom lembrar que, dentre os vários artigos do novo Código a ser suprimidos, este é um deles. Há na Câmara dos Deputados um alentado projeto de alteração do novel Código e é muito provável que este artigo, infeliz na sua concepção, no seu conteúdo e na sua redação, brevemente será eliminado. Todavia, enquanto tal não ocorrer é preciso que os cidadãos casados se cerquem de algum cuidado em relação ao assunto.

De qualquer sorte, salta aos olhos do leitor a absoluta desnecessidade de tal disposição legal. Sua incompatibilidade com o fato de existirem no Brasil alguns milhares de sociedades comerciais, empresárias ou não, tendo na composição de seu quadro de sócios marido e mulher, não trouxe à sociedade mal algum. Não se conhece a que título e por qual razão o codificador moderno resolveu impor à sociedade brasileira este tipo de limitação.

Analisando-se a disposição legal em vigor, dela se extrai ainda que não se trata de vedação a toda e qualquer sociedade, mas apenas àquelas pretendidas pelos casados sob o regime da comunhão universal de bens ou no regime de separação obrigatória. Os demais regimes não são alcançados por esta proibição. Esta constatação já se revela em si suficiente para demonstrar a inutilidade da norma, já que pelo novo Código, o casal pode alterar o regime de casamento. Assim, não deixa a norma legal de possuir um certo lado cômico, eis que para driblar a proibição bastaria que o casal, antes da constituição da sociedade, alterasse o seu regime de bens.

Avançando na interpretação da regra, parece-nos seguro que não alcança ela as sociedades pré-existentes (em relação ao aludido novo Código), sendo certo que estas nada terão que modificar em razão da nova disposição, o que, aliás, já era de nosso entendimento, assoalhado nos princípios legais do negócio jurídico perfeito.

Entendemos ainda que a norma não diz respeito às sociedades anônimas por variadas razões. Em matéria de sociedade anônima não se cogita exatamente de contrato, porquanto a constituição das companhias é algo complexo e não se resolve apenas nos limites estreitos do pacto. Daí dizer-se que sociedade anônima é sociedade de capital; é institucional; seu regime é inteiramente outro. Por isso o Código dedica à sociedade anônima apenas dois de seus artigos, tão somente para dizer que é regida por lei especial, aplicando-se, nos casos omissos, as disposições do Código. Acontece que a lei de sociedades anônimas, a par de não estabelecer tal vedação, não possui omissão quanto ao modo de arregimentar os subscritores de seu capital social.

Finalmente, de se registrar que estranhamos o fato de ter o moderno legislador se dedicado a uma limitação desnecessária e sem a menor utilidade. O regime de casamento a ser adotado pelos nubentes nada tem que possa impedir a contratação de sociedades, exatamente porque a responsabilidade dos sócios será delimitada de conformidade com o tipo de sociedade constituída e não será o casamento óbice ou vantagem para o caso. Estamos, portanto, diante de uma norma tão inútil quanto incômoda.
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* Mestre em Direito Comercial, membro do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais e 1º secretário do IAMG - Instituto dos Advogados de Minas Gerais







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