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Planos econômicos - II

Johan Albino Ribeiro

Permito-me comentar o artigo da dra. Ana Cláudia Banhara Saraiva que, ao contrário da chamada veiculada na página de frente desse informativo, não traz qualquer dialética para a questão, limitando-se a repetir o que já está nas páginas da imprensa popular.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Atualizado às 08:31


Planos econômicos - II

Johan Albino Ribeiro*

Permito-me comentar o artigo da dra. Ana Cláudia Banhara Saraiva (Migalhas 1.998 - 6/10/08 - "Planos econômicos - II" - clique aqui) que, ao contrário da chamada veiculada na página de frente desse informativo (clique aqui), não traz qualquer dialética para a questão, limitando-se a repetir o que já está nas páginas da imprensa popular.

Não a culpo, pois tendo ela obtido a sua inscrição na OAB em 1998, provavelmente em 1989, nove anos antes, estava no primeiro ou segundo ano do ensino médio, muito distante das agruras causadas pela inflação. Mas quem já estava na vida produtiva, lembra como era receber o salário e sair gastando, enquanto possível, para garantir no fim do mês o mesmo nível de consumo. As filas nos supermercados eram gigantescas e uma família média sempre enchia um carrinho ou dois, pois estocar alimentos, e outros gêneros de primeira necessidade era a única forma de manter o valor real do salário, por algum tempo. Produtos pouco perecíveis, como óleo de cozinha, leite em pó, fraldas descartáveis eram usados como reserva de valor. Os reajustes da gasolina eram determinados pelo Governo e geralmente anunciados nas sextas-feiras, quando os postos, prestes a fechar, recebiam uma avalanche de carros. Só quem viveu sabe como era um verdadeiro malabarismo viver sob inflação cada vez mais crescente; deixando de perder em um tanque de combustível; comprando arroz para três meses e estocando, no inverno, a cerveja que só seria consumida no verão.

Assim, o primeiro ponto a ser destacado é que não foram os Planos Econômicos que assolaram o Brasil, mas a inflação, ou a ameaça de hiperinflação, que rondava a economia brasileira. E eles não surgiram da cabeça mirabolante dos economistas e sim da necessidade premente do instante crítico em que se vivia. No Plano Verão, a inflação rondava os 40% ao mês, ou seja, começava-se o mês ganhando 100 e ao final se recebia 70. No Plano Collor a inflação era de 80% ao mês.

Quando os planos mudaram algumas regras sobre o valor da moeda e das obrigações, o fizeram de forma abrangente. O principal problema a ser atacado era a indexação geral que fazia com que a inflação passada alimentasse a inflação futura e cada vez mais de forma acelerada e acentuada. Junto com a mudança do indexador da poupança, para o mês seguinte ao do plano, sempre houve o congelamento temporário de preços e o reajuste dos salários pela média da inflação dos meses anteriores. Assim, as pessoas, especialmente nos meses imediatamente seguintes aos Planos, tiveram, de fato, um aumento do seu poder de compra. Ora, de que adiantaria manter um índice elevado para correção da poupança se na outra ponta os preços continuassem em disparada. E como fazer um plano se todas as regras anteriores tivessem que ser mantidas?

Outro ponto que transparece da crítica aos planos econômicos é a de que eles não funcionaram. Mas isso não é verdade. Os planos mantiveram a economia em funcionamento em um momento muito delicado da redemocratização do País.

Há que se lembrar que o cidadão não se sentiu violado em seus direitos e bens, com a aplicação das regras que alteraram a indexação. No primeiro deles, o plano Cruzado, ao contrário, as massas eram concitadas a fazer a defesa pública do Cruzado e o resultado obtido pelo Governo na eleição de 86 é o registro mais contundente de que não houve qualquer sentimento de perda ou injustiça. Mesmo a mudança do valor nominal das obrigações pela aplicação da chamada "tablita", foi largamente aceita, em mais uma prova de que não havia ressonância popular para qualquer insatisfação. Mais adiante, o Supremo Tribunal Federal considerou constitucional a tablita, com ou sem a mudança do padrão monetário, porque era de fato uma forma justa de se adaptar as obrigações de pagamento a um novo cenário econômico, tornando relativos, nesses momentos de acomodação da economia, os princípios do direito adquirido e do ato jurídico perfeito.

Por mais cordato que seja o cidadão brasileiro, não seria natural que esse sentimento de perda surgisse somente 20 anos depois, ao ler uma notícia no jornal, de que o prazo de prescrição já se avizinha. E se o prazo fosse de 30 anos, essa idéia de perda só iria surgir mais tarde?

Em todos os planos, os agentes financeiros cumpriram as regras estabelecidas sem qualquer poder de escolha. Os mesmos índices da caderneta de poupança foram aplicados aos financiamentos imobiliários e aos títulos do Governo. Os bancos não ficaram com qualquer diferença, daí porque não podem responder por um prejuízo que não existiu e ao qual não deram causa.

A questão é séria demais para ser tratada como um assunto definido. Para muitos falta a vivência da época ou até mesmo memória para entender como foi o funcionamento e interligação das regras dos planos econômicos. Com o constante repetir e ressaltar, umas regras são invalidadas, outras são exasperadas, gerando ai sim a injustiça e o desequilíbrio. A falta de uma dialética verdadeira e o afastamento no tempo cria uma realidade que nunca existiu.

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* Assessoria Jurídica do Banco Bradesco S/A

 

 

 

 

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